SEF chumba asilo a marroquinos de dezembro e dissuade nova rota ilegal, mas avalia pedido dos recém-chegados
A decisão ainda não foi divulgada pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), mas o DN confirmou junto de fonte que está a acompanhar o processo que o Gabinete de Asilo e Refugiados (GAR), que emite pareceres técnicos e fundamentados, considerou "inadmissível", dados os critérios legais em vigor, a concessão de asilo aos oito imigrantes marroquinos que desembarcaram em Monte Gordo em dezembro passado.
Apesar deste parecer negativo, a direção do SEF anunciou, em comunicado oficial, que vai apreciar o pedido de "proteção internacional" que também fizeram os 11 migrantes que desembarcaram em Olhão nesta terça-feira. "Ao abrigo do quadro de proteção internacional aplicado em outros casos de cidadãos estrangeiros resgatados no Mediterrâneo, será registado o pedido de concessão do estatuto e providenciada documentação que comprova o período de análise do mesmo. Essa documentação permite que, durante esse período, lhes possa ser garantida assistência médica, educação, alojamento e meios de subsistência", alega o SEF, apresentando os mesmos argumentos para o caso anterior e que o GAR refutou.
Ainda assim, o chumbo do GAR pode vir a servir de fundamento para dissuadir que se consolide uma nova rota de imigração ilegal no Mediterrâneo em direção a Portugal. A decisão final está nas mãos do ministro da Administração Interna, que ainda pode autorizar estes imigrantes a residir no nosso país "a título excecional" por "razões humanitárias".
Em declarações nesta terça-feira, a propósito do novo desembarque de imigrantes ilegais no Algarve - 11 marroquinos da mesma aldeia dos anteriores -, Eduardo Cabrita já deu a entender o chumbo do GAR, embora tivesse mantido que o processo não estava concluído. "Não está terminada ainda essa avaliação, o que foi solicitado foi um estatuto de proteção internacional, entendemos que não faz nenhum sentido, relativamente a um país amigo como Marrocos, a concessão de um estatuto de asilo para o qual não foi apresentado nenhum fundamento adequado", referiu o ministro, acrescentando que serão sempre avaliadas alternativas, "designadamente a concessão de uma autorização de residência".
Na altura, foi a própria diretora do SEF, Cristina Gatões, a admitir essa possibilidade, ao afirmar aos jornalistas que Portugal poderia vir a acolher os jovens, ao abrigo do quadro da lei de asilo aplicado noutros casos de estrangeiros resgatados no Mediterrâneo. "Estamos a trabalhar no quadro ou no âmbito da proteção internacional e depois, quando avaliarmos a situação deles, serão tomadas medidas em conformidade", antecipou. Questionada sobre os motivos que poderiam ser invocados para essa proteção internacional, a diretora do SEF respondeu que podem ser questões políticas, para refugiados, ou questões humanitárias, que têm sido as mais aplicadas nestes casos, reconheceu.
No entanto, o GAR concluiu que nenhuma das condições previstas na lei que enquadra a concessão de asilo poderia ser invocada neste caso. A Lei de Asilo é clara nessa matéria: "É garantido o direito de asilo aos estrangeiros e aos apátridas perseguidos ou gravemente ameaçados de perseguição, em consequência de atividade exercida no Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana. Têm ainda direito à concessão de asilo os estrangeiros e os apátridas que, receando com fundamento serem perseguidos em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou integração em certo grupo social, não possam ou, por esse receio, não queiram voltar ao Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual." Nenhuma destas situações se aplica em Marrocos.
Considerando então os marroquinos como imigrantes económicos, a Lei de Estrangeiros dá uma abertura em "situações extraordinárias", permitindo que, "mediante proposta do diretor do SEF ou por iniciativa do membro do governo responsável pela área da administração interna, pode a título excecional" conceder autorização de residência "por razões de interesse nacional; por razões humanitárias; por razões de interesse público decorrentes do exercício de uma atividade relevante no domínio científico, cultural, desportivo, económico ou social". Esta exceção tem sido utilizada principalmente para legalizar imigrantes, por razões humanitárias, que não fazem descontos mas residem em Portugal há mais de um ano e estão integrados na sociedade, explicou ao DN uma fonte do SEF.
Em dezembro, conforme o DN noticiou, o Serviço de Informações de Segurança (SIS) alertou para a possibilidade de se estabelecerem novas rotas de imigração ilegal em direção a Portugal, caso fossem dados sinais de entrada fácil. O ministro da Administração Interna já veio dizer que "é prematuro falar de novas rotas".
O ex-secretário de Estado da Administração Interna Nuno Magalhães que tutelou o SEF, concorda que seja "prematuro", mas sublinha que "estas matérias funcionam por sinais e é bom que o sinal que o governo quer dar seja firme no sentido de dissuadir qualquer intenção de que se estabeleça, de facto, essa nova rota".
O ex-presidente da bancada parlamentar do CDS assinala que "há em Portugal um regime legal para a imigração e outro para o asilo - e quer um caso quer outro são regimes humanitários, adequados e até vanguardistas na União Europeia (UE)". No seu entender, "Portugal deve ter uma política rigorosa em matéria de imigração e humanista em matéria de asilo - é esse o sinal a dar". Sem querer entrar no caso específico dos marroquinos, "cujos detalhes" desconhece, Nuno Magalhães é perentório quanto à opção que defende: "É bom que Portugal tenha um ministro da Administração Interna que conheça bem as diferenças dos regimes legais, que atue de acordo com a lei e não por conveniência das suas alianças políticas."
O especialista em segurança internacional e terrorismo Filipe Pathé Duarte também acha que é cedo para falar de novas rotas, mas "tendo em conta que é a segunda vez que acontece este género de desembarques, envolvendo imigrantes com a mesma origem, esse cenário não deve ser excluído". Entende que o governo deve dar "uma mensagem de ponderação e ter pudor em concluir que Portugal está na rota da imigração ilegal por via marítima". No entanto, assinala, "é preciso ver que, de facto, as rotas se alteraram nos últimos tempos".
A rota marítima de imigração ilegal em direção à Europa que mais aumentou no último ano, segundo dados da Frontex, foi a do Mediterrâneo Ocidental. Nesta rota os principais pontos de partida estão na costa marroquina e é do lado do Atlântico que a pressão tem sido maior, com as redes dominadas por grupos étnicos locais. Tanto o grupo de 23 marroquinos que desembarcaram no Algarve em 2007 como os oito jovens migrantes do passado dia 11 de dezembro e os desta semana saíram desta zona - Kenitra e El Jadida -, onde estes movimentos cresceram cerca de 40%.
O grupo que desembarcou em dezembro era constituído por 12 jovens, mas quatro conseguiram fugir antes da chegada das autoridades. O seu primeiro destino seria Espanha, para onde estes terão ido, não havendo até agora notícia sobre o seu paradeiro.
A costa algarvia é vigiada por cinco radares especiais que fazem parte do Sistema Integrado de Vigilância e Controlo Costeiro (SIVICC) da GNR. Este sistema tem capacidade para detetar embarcações pequenas da dimensão das que foram utilizadas pelos marroquinos e, de acordo com um operacional da Unidade de Controlo Costeiro, que gere o equipamento, "está a funcionar perfeitamente". No entanto, assinala, "há um grande problema, que é a falta de operadores".
O SIVICC, que tem um total de 20 torres com radares e câmaras distribuídos ao longo da costa portuguesa, é controlado a partir de um centro de comando em Lisboa, onde estão os ecrãs respeitantes a cada um dos radares a transmitir em tempo real as imagens. "Deveriam estar em permanência sempre uma média de 12 operadores, mas chega a haver alturas em que só estão dois. Assim é impossível controlar e visualizar tudo."
Questionado em dezembro sobre se teria havido falhas no SIVICC, o Comando-Geral da GNR garantiu que o sistema "detetou a embarcação em causa". No entanto, "considerando o histórico das abordagens àquela praia por embarcações de madeira, as características do trajeto que seguiu e do local onde se deu o desembarque (utilizados frequentemente por embarcações de pesca locais, idêntica a esta), não foi a embarcação que transportava os migrantes classificada com nível de risco de interesse".
A GNR acrescentava ainda que "as patrulhas terrestres de vigilância" também "detetaram o embarque". A GNR afirmou também que "a ocorrência em análise não resultou na alteração dos níveis de risco no troço de fronteira do Algarve, sendo certo que a Guarda, através do patrulhamento costeiro e marítimo, os quais se encontram interligados com o SIVICC, continuará a assegurar a vigilância permanente da costa portuguesa e do mar territorial".
Confrontada com o novo caso e com a denunciada falta de operadores, a GNR respondeu na manhã desta quinta-feira, explicando que "foi aumentada a acuidade nas ações de vigilância e pesquisa sobre pequenas embarcações, sobretudo na costa sul do país".
A GNR adianta ainda que "o SIVICC [Sistema Integrado de Vigilância, Comando e Controlo] integra 5 postos de Observação Fixos no Algarve, todos eles em pleno funcionamento, nos seguintes locais: Ponta da Piedade, Galé, Ancão, Armona e Praia Verde". E, acrescenta, "a vigilância da costa é assegurada com recurso a Postos de Observação Móveis, destacando-se ainda a realização de aguardos, com meios de visão noturna e patrulhamentos marítimos, em cada período de 24 horas".
Em relação aos operadores, a GNR nega que faltem estes operacionais. "O SIVICC é guarnecido por um total de 53 militares, em exclusividade de funções, distribuídos por equipas, nenhuma delas abaixo dos dez militares em permanência. Acrescenta-se que será realizado, ainda durante o ano de 2020, um curso destinado a formar novos operadores, visando, ainda assim, reforçar as referidas equipas", alega.
[Notícia atualizada às 12:10 com a resposta da GNR em relação aos operadores