O Serviço de Informações de Segurança (SIS) enviou nesta semana a todas as forças policiais e aos ministérios da Justiça e da Administração Interna uma avaliação das ameaças e riscos que podem resultar do caso de desembarque ilegal dos oito jovens marroquinos, no passado dia 11 de dezembro, na praia de Monte Gordo. A investigação em curso suspeita de que, pelo menos, outras quatro pessoas viajaram na embarcação, mas que terão conseguido fugir antes da chegada da Polícia Marítima..Para as secretas, o acolhimento proporcionado a estes migrantes pode ser um fator de atração para as redes criminosas de imigração ilegal que operam naquela região do norte de África. Os jovens, que disseram ter entre 16 e 20 anos, não foram detidos nem presentes a tribunal, como é a norma em casos de imigrantes ilegais - recorde-se os casos dos argelinos e marroquinos que tentaram fugas em trânsito no aeroporto de Lisboa. Os oito estão em regime aberto, a aguardar a resposta ao pedido de asilo que lhes terá sido sugerido pelo próprio SEF, com o apoio do Centro Português para os Refugiados (CPR), que lhes proporciona alojamento num hostel e apoio financeiro..O SIS salvaguarda que dificilmente Portugal será alvo de migrações marítimas massivas, como acontece em países como Espanha, Itália ou Grécia, mas que, embora sempre secundárias, não se deve afastar um cenário de transferência destas rotas migratórias. Seja devido ao reforço de segurança no estreito de Gibraltar ou por as organizações criminosas começarem a utilizar barcos com maior capacidade que deixem embarcações mais pequenas perto da costa..Principalmente por questões geográficas e condições do mar, Portugal tem estado fora das rotas de imigração ilegal, mas as autoridades receiam que, com os outros países a blindarem cada vez mais as suas costas, o transporte dos oito jovens possa ter sido um teste à capacidade nacional, não só de detetar estas pequenas embarcações antes de chegarem a terra, mas também em relação ao acolhimento. Portugal não é apontado como o destino de primeira escolha para este género de migrantes, mas como a porta mais fácil para entrar na União Europeia..GNR detetou, mas desvalorizou.Os jovens, recorde-se, foram vistos por populares nas dunas da praia de Monte Gordo, segundo testemunharam alguns populares que alertaram a Polícia Marítima. Questionada pelo DN sobre o que tinha falhado no Sistema Integrado de Vigilância Comando e Controlo (SIVICC) que tem um poderoso sistema de radares em toda a linha de costa, a GNR, que opera este equipamento, nega qualquer falha, mas revela que "confundiu" a embarcação com um barco de pesca local..Na verdade, segundo o gabinete de comunicação do comando-geral, "o SIVICC detetou a embarcação em causa". No entanto, "considerando o histórico das abordagens àquela praia por embarcações de madeira, as características do trajeto que seguiu e do local onde se deu o desembarque (utilizados frequentemente por embarcações de pesca locais, idêntica a esta), não foi a embarcação que transportava os migrantes classificada com nível de risco de interesse"..A GNR acrescenta ainda que "as patrulhas terrestres de vigilância" também "detetaram o embarque". Apesar dos alertas do SIS e de ainda estarem muitas perguntas por responder sobre o caso, a GNR afirma que "a ocorrência em análise não resultou na alteração dos níveis de risco no troço de fronteira do Algarve, sendo que a Guarda, através do patrulhamento costeiro e marítimo, os quais se encontram interligados com o SIVICC, continuará a assegurar a vigilância permanente da costa portuguesa e do mar territorial"..As dúvidas dos investigadores.Ao que o DN soube junto de fontes do SEF que estão a acompanhar o processo, existem ainda várias dúvidas por esclarecer. Uma delas, que está a preocupar especialmente as autoridades, é a suspeita de que, pelo menos, outras quatro pessoas também desembarcaram em Monte Gordo, mas estarão em fuga. Os inspetores do SEF terão encontrado na embarcação algumas pistas a apontar para essa possibilidade e essa hipótese está a ser vista também com preocupação pelas autoridades de Espanha, país que terá sido o destino destes desaparecidos. Os oito marroquinos detetados também disseram que queriam ir para aquele país - Portugal seria só a "placa giratória" - mas depois do acolhimento já admitiam ficar em Portugal..Outra questão em aberto é saber as condições e os meios de viagem do grupo. Os jovens garantem que fizeram toda a travessia naquela embarcação. No seu relatório de análise, o SIS duvida das declarações dos marroquinos e essa mesma desconfiança é partilhada pela generalidade das entidades envolvidas. Logo após a chegada, perante as alegações dos jovens de que teriam chegado ao Algarve por engano, Rui Vasconcelos de Andrade, comandante local da Polícia Marítima de Vila Real de Santo António, partilhou com o DN as suas dúvidas. "Podem ter derivado, devido às correntes. Mas é um pouco estranho, porque a embarcação tinha motor e GPS. Com o motor poderiam contrariar a deriva", disse ao DN. "E a previsão meteorológica não parece apontar no sentido de haver derivação para aqui." De resto, o barco estava equipado com GPS e os motores estavam a funcionar..Mas há mais sinais a cimentarem estas desconfianças. Os jovens alegaram que tinham partido de El Jadid (que foi de posse portuguesa, com o nome de Mazagão), cinco dias antes (ver mapa). No entanto, fonte policial confidenciou ao DN que "os inspetores do SEF que falaram com eles notaram que alguns tinham barba feita e cheiravam a aftershave", além dos telemóveis com as baterias carregadas com capacidade para o jovens gravarem um vídeo deles próprios quando estavam a chegar a costa algarvia - nestas imagens contam-se pelo menos 12 jovens..Os riscos de decisões isoladas."Enquanto todas as dúvida não forem devidamente esclarecidas, não devia ser tomada nenhuma decisão de definitiva quanto à permanência ou não destes migrantes", assinala António Nunes, presidente do Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo (OSCOT). Este analista de segurança lembra que "Portugal não tem sofrido pressão migratória marítima, mas quando acontece fica sempre a interrogação sobre se podem estar a ser experimentadas novas rotas de imigração ilegal para a UE e se isto foi um teste para verificar como funciona a vigilância e a reação das autoridades"..Para o dirigente da OSCOT "se do ponto de vista humanitário o governo esteve bem em acolher e facultar todo o apoio a estes migrantes, também não pode deixar de acautelar os possíveis efeitos que pode ter esta decisão". Logo à partida porque "se a política do país é diferente da do resto da UE, pode estar-se a criar uma tendência para os fluxos migratórios ilegais se dirigirem mais para Portugal, onde fica a ideia que é mais fácil entrar. Se não se integrar estas posições numa política europeia é complicado. Não devemos nesta matéria tomar decisões próprias, mas integradas"..Mohamed Ameur, presidente da Comunidade Marroquina em Portugal, não acredita que Portugal possa "vir a ser um destino de fluxos migratórios marroquinos, salvo casos isolados". Ameur, que está no nosso país há 30 anos, aponta "o problema da língua e os salários baixos" como principais obstáculos. Rotas de imigração para Portugal "só como trânsito para países do norte da Europa, onde as comunidades marroquinas são maiores"..Em Marrocos há vários pontos de partida destes fluxos migratórios para Espanha, com destaque para o estreito de Gibraltar, onde o movimento de pequenos barcos tem aumentado significativamente. Os destinos são quase sempre Málaga, Almeria, Ceuta e Melilha..Do lado do Atlântico, na linha de costa entre Larache e Kenitra, as autoridades marroquinas registaram um aumento de quase 40% de migrantes em direção a Cádis. Foi de Kenitra (a norte de Rabat), aliás, que saíram os 23 marroquinos para Espanha, mas que acabaram desviados para Olhão, em 2007. Foi também desta zona ocidental da costa a sul da Casablanca, El Jadid, que estes jovens terão começado a sua longa viagem..2007. Evitar abrir precedentes.Os 23 marroquinos que desembarcaram no Algarve (junto a Olhão) em 2007 foram todos detidos e expulsos em cerca de dois meses. "A preocupação principal era impedir que se abrisse um precedente e a costa portuguesa pudesse ser utilizada por redes de imigração ilegal", recorda um inspetor superior do SEF que esteve envolvido no processo. Na altura era ministro da Administração Interna Rui Pereira, num governo também socialista chefiado por José Sócrates. Os migrantes queriam ir para Cádis, mas uma avaria no motor do barco desviou-lhes o trajeto..Aumentam fluxos de Marrocos.A rota marítima de imigração ilegal em direção à Europa que mais aumentou no último ano, segundo dados da Frontex, foi a do Mediterrâneo Ocidental - mais do dobro do que em 2017. Nesta rota os principais pontos de partida estão na costa marroquina e é do lado do Atlântico que a pressão tem sido maior, com as redes dominadas por grupos étnicos locais. Tanto o grupo de 23 marroquinos que desembarcaram no Algarve em 2007, como os jovens migrantes do passado dia 11, saíram desta zona - Kenitra e El Jadid - onde estes movimentos cresceram cerca de 40%.