Edinilson tem 12 anos, mas não pode correr, saltar à corda ou dar cambalhotas como as crianças da sua idade. Sofre de tetralogia de Fallot - uma cardiopatia congénita cianótica -, que se traduz por saturações de oxigénio muito baixas, o que faz que se canse muito facilmente. A doença cardíaca não permite que Edinilson se esforce. O menino guineense, que está há vários anos à espera de ser levado para Portugal para ser submetido a tratamento cirúrgico, foi uma das 50 crianças observadas pelo cardiologista pediátrico Jorge Moreira, do Centro Hospitalar de São João (CHSJ), que esteve na Guiné-Bissau, em maio, com os voluntários da Missão Saúde para Humanidade (MSH), uma organização não governamental que há dez anos promove o acolhimento em Portugal de doentes com necessidade de tratamentos médicos ou cirúrgicos.."O menino quase não se consegue mexer. É um caso prioritário. Podia beneficiar muito de tratamento cirúrgico", explica ao DN o especialista em cardiologia pediátrica. Edinilson foi uma das crianças avaliadas pelo médico, que pediu que este fosse levado "com urgência". Esse processo terá de ser promovido pelas autoridades de saúde guineenses, em colaboração com a MSH, mas Jorge Moreira acredita que a consulta feita na Guiné-Bissau deverá ajudar a acelerar o seu transporte.."Esta missão foi um feito quase histórico", diz Maria José Ferreira, presidente da organização, acrescentando que foi a primeira vez que o CHSJ, que no âmbito da colaboração com a MSH já operou cerca de 60 crianças guineenses - 50% das quais em cardiologia -, participou numa missão na Guiné-Bissau..Um dos propósitos desta viagem era fazer a triagem das crianças e dos adolescentes com problemas cardíacos. "É muito mais funcional fazer uma correta triagem no terreno do que virem a Portugal, obrigando-os a sair do seu contexto familiar, com todas as implicações emocionais e financeiras que isso tem." Desta forma, foi possível identificar os casos mais prioritários para que sejam os primeiros a ser tratados em Portugal, mas também identificar falsos diagnósticos. "Havia uma criança identificada para vir, mas, ao fazer o ecocardiograma, percebemos que não era necessária a deslocação a Portugal", indica a enfermeira, destacando que há pelo menos dez crianças sinalizadas para vir fazer cirurgia ao CHSJ..O outro objetivo era observar as crianças, adolescentes e jovens adultos que nos últimos dez anos foram submetidos a intervenções cirúrgicas no CHSJ. "Por questões logísticas e financeiras, não era viável virem todas a Portugal para consultas de follow-up, como está preconizado. Então, a cardiologia pediátrica foi à Guiné", recorda Maria José, acrescentando que só não foi possível localizar um desses jovens..Para a presidente da MSH, foram momentos "intensos, emocionantes e gratificantes". "É emocionante ver que as miúdas tornaram-se jovens adultas e estão bonitas, felizes e saudáveis. Cresceram, engordaram e estão quase a constituir família. E é perceber que houve um dedo nosso nelas. Fica uma ligação para a vida. Foi um abraçar sentido muito quente", recorda..Regra geral, conta Jorge Moreira, as crianças são seguidas por médicos guineenses que não são cardiologistas, daí a importância de levar a especialidade até lá. Entre os pacientes que passaram pelo follow-up, o cardiologista diz que há dois ou três com indicação para novos tratamentos em Portugal. "Tudo expectável. Alguns pacientes levam implantes de próteses valvulares biológicas, que se degradam com o tempo e precisam de ser substituídas", diz o médico, que deu consultas nas instalações da associação Céu e Terra, onde dispunha de meios complementares de diagnóstico..Segundo o especialista, a maior parte dos pacientes tem cardiopatias valvulares adquiridas causadas por febre reumática. "E há uma pequena parte de cardiopatias congénitas. Nem todas têm de ser operadas, mas há uma parte que tem de ser tratada por cateterismo ou operada", releva. Para Jorge Moreira, o balanço da missão é "muito positivo". Destacando o empenho e a colaboração de quem está na Guiné, o cardiologista diz que "é bom saber" que participaram "no tratamento destas crianças e jovens, que têm razoável qualidade de vida na terra deles"..Formação em farmácia e entrega de bens.Cristina Mautempo, farmacêutica, participou na mesma missão, dando "formação a médicos, enfermeiros e farmacêuticos que trabalham com as associações com as quais a MSH trabalha", num total de perto de 20 pessoas. Ao telefone com o DN, Cristina conta que abordou temas como "o medicamento, a administração e a estabilidade dos medicamentos e a gestão das farmácias"..A visitar a Guiné-Bissau pela quarta vez, Cristina refere que "a realidade dos hospitais guineenses é muito diferente da nossa, desde a organização, as condições físicas, de material, de formação. Há muitas carências físicas e de materiais". No tempo que passou lá, a farmacêutica percebeu que há muita vontade de absorver conhecimento. "São coisas muito pequenas que podem fazer uma diferença substancial no dia-a-dia", tornando a "administração dos medicamentos mais segura"..Ainda no âmbito da mesma missão - a nona da MSH -, Maria José Ferreira conta que foi desalfandegado um contentor com bens para as instituições apoiadas para organização: material de educação, produtos de higiene, produtos alimentares, roupa, calçado, brinquedos e material de construção para a renovação de uma escola. Uma ação na qual participou Leonardo Negrão, fotógrafo do DN (autor das fotografias nestas páginas), que no verão de 2018 recolheu centenas de artigos para doar..Segundo a presidente da MSH, "é sempre uma aventura tirar o contentor do porto e fazer a entrega dos donativos aos destinatários". É "complicado, difícil", porque "existe muita pressão para o suborno" - algo com que a organização não alinha..Os donativos são de privados e de empresas, que se associam à MSH com dinheiro para a compra de bens ou com a oferta de produtos. Maria José Ferreira lamenta que algumas pessoas pensem que fazer este tipo de donativos é "sinónimo de limpar os armários". "Enviar um contentor representa um encargo muito elevado. Só podemos enviar o que vale mesmo a pena", sublinha..A MSH comemora o 10.º aniversário com um jantar, hoje, no espaço Privado dos Aliados, no Porto. Trata-se de um evento solidário, com um custo de 30 euros, dez dos quais revertem para a associação..Artigo publicado originariamente na edição impressa do DN de 22 de junho