Luís Cadinha, Diana Correia e Nuno Rodrigues pertencem à geração dos médicos com mais de 30 anos que escolheram saúde pública como especialidade. São três dos 350 que existem no país para todos os portugueses, representando apenas 1,9% do total de médicos especialistas. No tempo deles, contavam-se pelos dedos de uma só mão os colegas que entravam na especialidade, e mesmo assim havia desistências a meio, mas o cenário começa a mudar. A covid-19 tornou-os mais visíveis, veio mostrar a importância que têm e, ao mesmo tempo, uma das suas maiores fragilidades: o serem poucos, muito poucos. Todos concordam que têm uma especialidade que é tantas vezes esquecida até por quem não deve, das escolas médicas ao Estado, da sociedade aos políticos..Luís, Diana e Nuno, que assumem gostar do que fazem, não partilhando a ideia de que há monotonia no seu dia-a-dia, esperam que tenha chegado o tempo para a mudança, esperam que se "olhe para a especialidade seriamente e que se avance com a reforma profunda que há muito reivindicamos". Porque, dizem, não bastam "medidas avulsas", como o aumento do número de vagas para a especialidade - que Marta Temido já veio dizer estar a negociar com a Ordem dos Médicos - ou o pagamento do que lhes é devido por trabalho extra e pela responsabilidade de serem a autoridade de saúde. "São precisas medidas estruturais e profundas, como mais condições de trabalho ou a atribuição de funções para as quais somos formados", defendem..Ricardo Mexia, um dos médicos de saúde pública, epidemiologista no Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, que os portugueses conhecem dos ecrãs de televisão ou dos jornais, a explicar a covid-19, a sua evolução, o seu impacto e o que deve ser feito, sublinha esta perspetiva. "Há situações que podem ser resolvidas no imediato, são de índole sindical, mas mais do que justas, como o suplemento de autoridade de saúde que está por pagar há dez anos", mas também há que apostar "nos recursos humanos, acabar com a ideia de que é uma especialidade de disponibilidade permanente, o que é extremamente abusivo, e investir em mais condições de trabalho"..O presidente da Associação dos Médicos de Saúde Pública (AMSP) conta que, em 2005, ano em que entrou na especialidade, foram lançadas 34 vagas, concorreram apenas cinco candidatos, "ficaram 29 por preencher, e dos cinco candidatos apenas três terminaram a formação", a qual leva quatro a cinco anos. Por isso, diz, mesmo que agora de duplique o número de vagas só "daqui a algum tempo é que teremos resultados", mas reconhece que nos últimos anos a situação já mudou , "não sobram tantas vagas e já não há tantas desistências", sublinhando: "É necessária a reforma profunda que há muito vimos a pedir. Até para agarrar os médicos que começam a sair da especialidade e que já optam por exercer noutras áreas, como indústria farmacêutica, ou até saírem para outros países.".Ricardo Mexia lembra que a falta de investimento nas condições de trabalho é outro problema. "A covid-19 tem mostrado a dificuldade que tem havido em criar e gerir informação fidedigna, o que radica, precisamente, no facto de não haver um sistema de informação desenhado em função do que são as necessidades dos médicos de saúde pública. Há muito tempo que reclamamos isto, mas andamos a perder tempo com outras realidades e o sistema de informação continua por fazer." Para o médico, se tal ainda não aconteceu, "não é por falta de capacidade técnica, pois a saúde pública montou o controlo à covid em poucas semanas"..Casos covid-19 'contados' à mão.Luís Cadinha, de 37 anos, desde que se formou já passou por Setúbal, Bragança e agora pelo Algarve. Diana Correia, de 36 anos, especialista há dois, deixou o Porto para ir até Mafra. Nuno Rodrigues, de 37 anos, veio também do Porto para Torres Vedras, onde hoje é delegado de saúde..O que é a especialidade aprenderam-no na formação e depois no terreno, com os colegas que já lá estavam, a ver fazer o que os outros faziam. São treinados para lidar com situações como a covid-19 e dizem que aquilo que agora fazem com esta infeção já o faziam com outras doenças, como sarampo, tétano, rubéola, legionela e com tantas outras das 50 doenças de notificação obrigatória, simplesmente a dimensão de casos é muito mais elevada. "Sempre que aparece um caso notificado no SINAVE [Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica] temos de agir rapidamente, contactar as pessoas, identificar onde podem ter sido infetadas, e intervir para controlar a situação.".Desde março que a contagem de casos positivos é feita à mão e inserida em "tabelas de Excel que, muitas vezes, nem sequer existem online". Depois, à mão, há ainda que contabilizar os contactos mais próximos, os que têm de fazer teste e os que ficam em vigilância. O dia começa pelas 09.00 e prolonga-se até às 22.00, 23.00 ou até mais. Como dizem, "sabemos sempre quando começa e nunca quando acaba". Luís Cadinha diz que continua "até à hora que moralmente é aceitável fazer-se telefonemas para controlar a situação". O facto de serem poucos faz que nem todos os dias seja possível ligar a todas as pessoas, "tudo depende do pico da doença, se há um surto novo é preciso atacar para o controlar e não haver mais pessoas infetadas"..Se antes mais de 80% do tempo destes médicos era dedicado às juntas médicas, hoje este tempo é só dedicado à nova doença. Aliás, "estamos a 98% para a covid". As juntas médicas e outras funções tiveram de ser suspensas para conseguir controlar os focos que vão aparecendo o mais depressa possível..O dia começa com a contagem dos novos casos, com a listagem de quem vai para isolamento ou que tem de o abandonar e o mesmo em relação aos que ficam em vigilância. Depois da listagem feita, estas têm de ser passadas às forças de segurança, porque é a elas que cabe a fiscalização de quem está a cumprir ou não..A eles cabe-lhes o acompanhamento dos casos positivos por telefone tentando evitar que os sintomas agravem e que tenham de ser internados. Mas cabe-lhes também a função de definir as regras para se evitar o contágio para todos os espaços que acolham população, quer sejam lares, escolas, restaurantes, cafés e outros, de forma a evitar-se o contágio. Depois, cabe-lhes também a fiscalização..Há dias que passam horas a fio nos gabinetes, outros que é um corre-corre entre instituições ou em reuniões com a Proteção e Civil e outras entidades da comunidade. O telefone de serviço não o podem largar, porque "quando há qualquer coisa com um doente é para nós que ligam", explica o médico do Algarve. Mesmo as denúncias sobre quem não está a cumprir o isolamento é aos seus telefones que vai parar ou quando a informação sobre quem está em vigilância não é logo passada às forças de segurança também "é para nós que ligam a reclamar. E às vezes é um problema"..Estão habituados a fazer trabalho invisível e que quando há louros a distribuir estes seja para os outros. Até agora, reconheceu-se que são precisos mais, mas, quando foi hora de decidir, que as equipas médicas tinham de ter rotatividade e direito ao descanso, ninguém pensou na saúde pública. "Para nós não houve escalas de folgas", argumenta Diana Correia. É certo que sabem que é para isto que estão ali, que a situação "é um desafio para a especialidade", mas "ninguém pensou que somos seres humanos"..Nuno Rodrigues reforça o rigor que este trabalho exige e o tempo: "Não basta decidir se as pessoas ficam em isolamento ou em vigilância. É preciso verificar o espaço em que vão ficar para perceber se têm condições de isolamento, é preciso perceber se necessitam de apoio, como alguém que lhes leve compras ou que até trate delas ou se é preciso serem encaminhadas para um espaço para ficarem em isolamento. Diariamente temos de tomar uma imensidão de decisões que não dependem só de nós e dos nossos critérios mas da resposta que as outras entidades da comunidade podem dar.".Diana Correia diz que se antes da pandemia a disponibilidade tinha ser de 24 horas durante sete dias, mas que ainda se conseguia ter uma agenda pessoal, com a família, agora tal não é possível. Ela própria já foi obrigada a parar.."Cheguei a uma altura que atingi o burnout. Foi a minha equipa que me obrigou a parar e a tirar uns dias de folga. Tive de perceber que tinha de impor limites a mim própria, já que a nível superior não me era permitido tirar folgas ou férias", argumenta. O que a desgastou mais "não foi o trabalho, mas ausência de reconhecimento. Fui treinada para situações destas, é um dos desafios da saúde pública, mas pensar que estava a trabalhar sem horas, que não me pagam o trabalho extra e que nem sequer pensaram no meu direito ao descanso, enquanto ser humano, foi uma desilusão e um desgaste emocional grande"..Diana soube agora que vai ter direito a duas semanas de férias, mas a sua disponibilidade e a dos seus colegas continua a ter de ser permanente, todos os dias até aos fins de semana, altura em que "acalma um pouco porque não há tantos laboratórios a fazerem testes", o que depois resulta em trabalho a dobrar durante a semana"..Um médico de saúde pública não se forma em pouco tempo, e não pode ser substituído por outra especialidade e, por isso, esperam que a sociedade e o poder político percebam que ser médico especialista nesta área "é uma mais-valia para a medicina do século XXI", quer estejam colocados em unidades locais de saúde, como centros de saúde ou hospitais - embora estas unidades ainda não estejam de portas abertas a especialidades regionais, em ARS, nacionais ou até internacionais..O nosso doente é a população.Eles sabem o impacto que uma infeção, um surto, uma epidemia ou, em casos extremos como agora, uma pandemia, tem na saúde das comunidades. Foram preparados para evitar, monitorizar e controlar tais situações. Como dizem, "o nosso foco não é um indivíduo, um doente, mas a população de uma região no contexto em que vive e em que trabalha". O objetivo é a vigilância epidemiológica, a prevenção da doença e a promoção da saúde. Quando se lhes pede que definam um médico de saúde pública não hesitam: tem de ser "versátil", tem de ser "uma espécie de agente independente da saúde" junto de todos os outros vetores da comunidade, quer sejam autarquias, escolas, Proteção Civil, Segurança Social, empresas. "É um médico que tem de ser capaz de olhar à frente" no tempo, daqui a 10 ou 15 anos e conseguir perceber o que há a fazer para melhorar o bem-estar da população que serve", diz Luís Cadinha..Reconhecem que "é um trabalho silencioso, de retaguarda, que vai desde a recolha de dados demográficos e socioeconómicos da população, para se fazer um diagnóstico social, até, por exemplo, à vigilância da qualidade das águas, para que "todas as pessoas possam abrir a torneira em casa e consumirem descansadas. Se há um problema de qualidade num posto de abastecimento, isso traduz-se logo em doença na população, são muitas as pessoas afetadas", refere Cadinha..O médico de saúde pública tem de garantir também o cumprimento do programa de vacinação para evitar surtos de sarampo, rubéola ou de outras doenças. "São situações que têm um efeito em cadeia e temos de agir rapidamente para as evitar." Tem também de garantir que lares, escolas, restaurantes, bares e outros estabelecimentos de porta aberta têm as condições adequadas para servir a população. E ainda olha para a saúde mental da comunidade.."A nossa missão é perceber como funciona uma comunidade, fazer um diagnóstico , e avançar com medidas através das quais se possa obter mais ganhos em saúde, porque uma população saudável poupa dinheiro ao Estado. Uma população saudável é mais feliz, produz mais e vive mais", reforçam..Sabem que não é uma ação com efeitos imediatos, mas que é demasiado importante para continuar a ser olhada como "uma especialidade menor" da medicina..O bastonário dos médicos, Miguel Guimarães, não aceita a designação. "É uma especialidade médica como qualquer outra, cada uma tem a sua área de intervenção", mas admite, "infelizmente, o poder político não lhe tem dado a devida importância". É fundamental que o faça, porque "situações como a da covid-19 e outras vão continuar a existir e a saúde pública pode dar mais ao país, pode preparar e ajudar o país a ter mais segurança nesta área". A aposta nos recursos humanos por parte da ministra é um sinal de interesse, mas a verdade é que até ao longo dos anos "eram os próprios serviços do SNS que identificavam a necessidade de poucas vagas para a área". E, quando assim é, "seria difícil à Ordem dos Médicos estar a propor a abertura de vagas que não eram pedidas, seria contra o funcionamento normal do sistema. Quem está no terreno tem uma opinião importante"..Maior mapa de vagas de sempre.A ordem em parceria com o ministério está a tentar abrir "o máximo de vagas em saúde publica, mas só o podemos fazer com a garantia de que há capacidade formativa". Aliás, "neste ano vamos ter o maior mapa de vagas de sempre para todas as especialidades. O número de vagas identificadas já é maior do que o do ano ano passado ou o de há dois anos, e o processo só termina a 15 de agosto"..Na área da saúde pública há algumas assimetrias, a ministra da Saúde diz que estas têm de ser resolvidas, pois a Região de Lisboa e Vale do Tejo, que é das mais populacionais, é das mais desfalcadas do país, com apenas 28% dos especialistas. O balanço mais recente da Autoridade Central do Sistemas de Saúde (ACSS) indica que, em 2018, Portugal tinha 350 médicos de saúde pública, Marta Temido afirmou recentemente que já são 363, e que a esta área estão afetos "298 enfermeiros, 500 técnicos de saúde e 200 assistentes operacionais". O que é "inquestionavelmente pouco", argumentam..Ainda por cima, "as necessidades em saúde pública têm aumentado, como em qualquer outra especialidade há um número elevado de profissionais acima dos 50 anos e muitos outros em unidades a desempenhar funções que não são propriamente as suas", sublinha o bastonário. "A saúde pública tem muito que ver com prevenção e contenção de propagação de surtos e de infeções e a sua área de intervenção vai ter de ser muito mais ampla, direcionada e concretizada.".O peso das juntas médicas.Luís, Diana e Nuno sabem o que é ter de explicar vezes sem conta o que fazem ou o ser reconhecido mais por aquilo que fazem e não deveriam fazer, porque não é do âmbito da sua formação, como as juntas médicas, do que por aquilo que deveriam estar de facto a fazer, e que integram a génese da sua formação. A reivindicação para deixar de fazer juntas médicas para fins sociais e fiscais é antiga, mas a lei tem de ser alterada, e para isso "é preciso vontade política.."As pessoas têm direito aos benefícios, a questão é que não tem de ser um médico de saúde pública a realizar esta função, que não traz qualquer ganho em saúde para a comunidade", argumenta Nuno Rodrigues. Pelo contrário, esta função está a retirá-los das funções que deveriam estar a desempenhar. Aliás, e como sublinha Luís Cadinha, "só é possível estarmos dedicados à covid-19 porque as juntas médicas foram suspensas, senão não era possível"..É a lei que obriga que estas juntas médicas sejam feitas por estes especialistas, e com o aumento de benefícios e de critérios para os obter, o número de casos de avaliação também aumentou. "Antes da pandemia havia zonas em que as listas de espera para uma junta chegavam aos seis, sete e oito meses ou até um ou dois anos", confirma Luís. Uma junta médica tem um trabalho prévio e a posteriori, "não é só a observação do doente no momento, há que avaliar o processo do utente, ver se é necessário mais algum exame, observá-lo e elaborar o relatório final"..Deles depende a atribuição ou não de benefícios a doentes oncológicos, por exemplo, e nem sempre é um trabalho que faz justiça, porque as próprias tabelas pelas quais são avaliados os utentes não são as mais justas..O bastonário e o presidente da AMSP reconhecem que nada "se ganha que sejam estes especialistas a fazer as juntas", até porque há ministérios como a Segurança Social, que são a entidade que as pede, que já têm um serviço destes para as juntas no trabalho..A lei também determina que seja uma das autoridades a chamar para declarar um óbito na via pública ou em casa. "Somos o último elemento na linha de chamada para a função, mas a maior parte das vezes somos os primeiros a ser chamados." .O mesmo acontece com os mandados de internamento compulsivo, que podem ser emitidos e cumpridos por eles, por um psiquiatra, Ministério Público e forças de segurança. Por norma, também são dos primeiros a ser chamados..Neste momento, e no seu dia-a-dia, começam a antever problemas para setembro ou outubro. Há que preparar o ano letivo, ajudar as escolas a definir o que é melhor para a sua população, aulas presenciais ou não, ajudar os lares a prevenir a gripe que aí pode vir e não deixar para trás a covid. Anteveem o problema da exaustão dos profissionais se a comunidade também não colaborar. Luís Cadinha, Diana Correia e Nuno Rodrigues são da geração que prepara as fundações para as novas gerações, acreditando que a mudança é possível..Da Póvoa a Bragança e agora o Algarve.Luís Cadinha, que chegou ao Agrupamento de Centros de Saúde do Barlavento Algarvio a 5 de fevereiro deste ano, mesmo antes da pandemia, nasceu na Póvoa de Varzim, mas estudou em Lisboa, fez o ano comum em Setúbal, esteve seis anos como especialista em Bragança, onde tinha a seu cuidado a população de 12 concelhos, e agora está no Algarve. "Só tive tempo de me adaptar, depois foi começar a trabalhar a sério", diz a rir..O médico assume que esta não foi a sua primeira escolha para a especialidade, queria cirurgia plástica, mas não entrou e dentro de todas as outras opções, como Medicina Interna ou outras, "saúde pública era a mais interessante". Cresceu a ver a mãe enfermeira numa unidade de saúde pública e pensava que sabia o que era a especialidade, mas só no ano comum que fez em Setúbal e como "um médico excelente de saúde pública, Mário Jorge Santos, ex-presidente da AMSP", é que ficou a saber que era mesmo isto que queria..Diz mesmo que o curso na Faculdade de Medicina de Lisboa, onde se formou, não lhe deu a noção do que era a especialidade. "Somos formatados para tratar os doentes individualmente e para a análise clínica de cada doente, não para a formação em saúde pública. Esta formação é praticamente inexistente, ensinam-nos algumas técnicas de epidemiologia geral, mas é muito pouco"..Qualquer reforma na saúde publica tem de começar a passar também pelo ensino nas faculdades. Ricardo Mexia explica que o ensino na escolas médicas tinha a ver com o facto de, até há uns anos, não haver muitos doutorados na área, fazendo que a matéria fosse dada por médicos de outras especialidades. "O que não se compreendia porque não vemos um gastroenterologista a dar cardiologia", comenta..Agora, já não é assim. O ensino tem vindo a mudar, mas Luís Cadinha continua a ter sempre a mesma pergunta para os internos que lhe chegam: "O que sabem sobre saúde pública?" A resposta é quase sempre a mesma: "Pouco, não fazemos ideia." Um dia espera que a resposta mude. É para isso que ele e os seus colegas têm trabalhado todos estes anos, para "revitalizar a imagem da classe"..A 9 de março começou o trabalhar em força. Lidou com o surto da festa de Lagos ou com o dos migrantes nepaleses. Mantém reuniões com a proteção civil, lares, e até com concessionários de praia, para que não baixem a guarda das medidas de proteção. "Houve uma altura em que as praias ainda não estavam abertas e tivemos um trabalho imenso para fazer perceber às pessoas que, para a sua segurança, não podiam estar ali.".É médico de saúde pública numa área que se estende por cinco concelhos, Portimão, Lagos, Monchique, Silves, Aljezur e Vila do Bispo e integra uma equipa que integra seis médicos, quatro técnicas de saúde ambiental e duas enfermeiras. Para ele, o desafio constante da especialidade "é olhar à frente, para os próximos dez a 15 anos, do ponto de vista epidemiológico, contenção de riscos e gestão ou administração do sistema de saúde para obtermos ganhos em saúde. É uma ótica diferente das outras especialidades e até da dos hospitais e centros de saúde, que definem atividade e prioridades orçamento a orçamento"..E a quem lhe pergunta o que faz um médico de saúde pública também responde sempre da mesma maneira: "Digo sempre só o facto de não saber o que faço e de me perguntar se isso significa que estou a fazer bem o meu trabalho, porque quando se fala em médicos de saúde pública é porque há uma situação que está a afetar toda a população, como surtos de sarampo, legionela ou até de botulismo, como aconteceram recentemente, se não se fala é porque a comunidade está bem e todas estas situações controladas.".Da psiquiatria à saúde pública.Diana Correia é médica de saúde pública do Agrupamento de Centros de Saúde Sul em Mafra. Formou-se no Porto, no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, fez o internato geral em Coimbra, depois entrou na especialidade no Porto, mas veio terminá-la na Região de Lisboa e Vale do Tejo..Hoje é também responsável pela saúde escolar naquela região. Trabalha muito com jovens, com dependências, que é um dos problemas reais da zona, que tem de ser melhorado, e assume que gosta do que faz, mas, tal como Luís, a saúde pública não foi a sua primeira escolha. "Queria psiquiatria, não consegui entrar. Saúde pública era a segunda opção. Entrei e comecei a gostar, fiz mestrado na área e várias formações, e consegui juntar o gosto pela saúde mental à saúde pública", porque "qualquer pessoa, qualquer que seja a sua patologia, está inserida numa comunidade, e a sua recuperação e acompanhamento dependem desta também, da sua rede de apoio social.".Acabou a especialidade em 2018, diz que o seu dia raramente é o que tinha planeado, de manhã pode estar a dar formação a professores e alunos numa escola, à tarde a fazer relatórios de juntas médicas e quando pensa que o dia já terminou pode sempre haver um telefonema para declarar um óbito ou emitir um mandado de internamento compulsivo. Mas do ponto de vista pessoal não duvida que foi a escolha certa.."Sempre soube que era esta a minha opção".Nuno Rodrigues formou-se na Faculdade de Medicina do Porto, em 2006. Fez o ano comum em 2007 e, em 2008, entrou na especialidade. "Acabei em 2013 e sempre soube que era a minha opção.".Desde 2014 que está em Torres Vedras, foi ele que quis vir para Sintra, depois concorreu para Torres e hoje é o delegado de saúde da cidade, e como são poucos "acumulo várias áreas, como a da vigilância epidemiológica e a emergência em saúde pública"..Uma das suas preocupações agora, além da covid-19, são as ondas de calor. "O delegado de saúde tem representação obrigatória nas reuniões da proteção civil e uma das questões discutidas nas últimas semanas tem sido a das temperaturas extremas. É uma questão que afeta imenso a saúde da população, porque provoca um excesso de mortalidade, sobretudo nos mais idosos. E temos de ser nós a definir que conselhos e os alertas que devem ser dados à população.".O comum dos mortais pode não saber que esta é uma das preocupações do médico de saúde pública, porque os alertas emitidos são da sua responsabilidade..Da sua equipa fazem parte cinco médicos, "já fomos só dois para 210 mil pessoas", conta. A eles juntam-se dois técnicos de saúde ambiental, quando a legislação diz que deveria haver um por cada 15 mil habitantes, e dois enfermeiros, quando deveria ser um para cada 30 mil. .Sente a frustração de não poder dar mais à população. Por exemplo, "já tive reuniões com as escolas, é preciso definir a lotação de alunos, se as aulas forem presenciais, fiscalizar os edifícios porque uns têm melhores condições do que outros, mas a minha preocupação é perceber o que é melhor para a população escolar, se são as aulas presenciais ou não. É com base nisto que temos de decidir", embora "as escolas tenham autonomia para o fazer". Mas "a opinião da autoridade de saúde deve sempre ser ouvida", refere..Esta é uma das preocupações de Nuno Rodrigues, "ainda não consegui preparar o ano letivo", a covid,-19 também e se começarem a ser feitas juntas médicas, tudo piora, porque não terão capacidade para desempenhar todas as funções ao mesmo tempo.."Estamos habituados a ouvir os colegas de outras especialidades médicas a usarem o nome da saúde pública quando querem chamar a atenção para um problema. Dizem sempre que o que está em causa é um problema de saúde pública que pode afetar toda a população, mas depois esse reconhecimento não existe na especialidade.".Mesmo assim, o médico acredita que é possível uma mudança, continuando a tentar melhorar e revitalizar a imagem da classe.