A empresária de sucesso que percorreu o mundo com moda em cortiça parou, descansou, veio viver para Lisboa, e lançou novos projetos. Faz mentorias para profissionais, também dá aulas de meditação. O último ano dedicou-o à preparação de uma conferência internacional sobre sustentabilidade Planetiers World Gatherin, marcada para abril e que foi adiada para outubro. Mas muitos dos convidados vão ser entrevistados para o grande ecrã, a partir de 22 de abril..Tem saudades da vida de grande empresária, que inovou na cortiça? Não. Inovei na cortiça, mas tinha uma vida de escrava. Sou uma empreendedora nata, não me assusta mudar, adapto-me às ocasiões, é o meu significado de liberdade. Não tenho medo de recomeçar, de fazer, de desenvolver e de me adaptar ao que, naquele momento, a sociedade precisa. E faço-o com amor e paixão..Em que é que mudou a sua vida? Inicialmente, tive uma fase de descanso, depois comecei a fazer mentorias profissionais, coloquei a minha experiência profissional ao serviço de startups e de empreendedores. Percebi, tanto a nível profissional como pessoal, que as pessoas estão muito agarradas ao dinheiro, às questões materiais. Criei a marca O Amor Existe, em 2018, e, no início do ano, lancei a academia com a minha marca, tinha as sessões físicas programadas, mas tudo teve de parar. São sessões com grupos de pessoas, o objetivo é aprender através da partilha das experiências profissionais, para que possam evoluir nos seus negócios. No fundo, aprender com amor, trazer o amor para os negócios..O covid-19 obrigou-a a abrandar ainda mais? Obrigou, mas continuo a trabalhar, o projeto O Amor Existe é que está em standby. Deixei de dar as aulas de meditação, de inteligência emocional, no Clube VII e passei a dar online. Mas há um ano que a minha atividade principal tem sido na preparação de um grande evento internacional, Planetiers World Gathering, que iria decorrer na próxima semana, na Altice Arena, e foi adiado para outubro. É uma cimeira sobre sustentabilidade, sobre soluções ao nível da sustentabilidade: económica, social e ambiental..Essa iniciativa também está em standby? Não propriamente, o Planetiers World Gathering vai dar lugar a uma série de entrevistas a partir do dia 22 de abril, no Jornal das 8 da TVI. São conversas de 20 minutos com os convidados do evento, nacionais e estrangeiros. Estou a coordenar todo o programa, a preparar e a fazer as entrevistas, que serão realizadas por um elemento da organização e um jornalista..Como é que se lembraram desse formato? Tivemos de encontrar uma alternativa, no fundo, estamos a fazer o evento para a casa das pessoas. O que pretendemos é que se fale em coisas concretas, soluções para um futuro mais sustentável. Cada convidado fala da sua área e de como vai adaptar-se a este novo mundo..O isolamento social parece não a ter abalado muito. Abalou, porque fiquei confinada à casa, mas o online permite-me continuar a trabalhar. Nunca fiz meditações online, nunca partilhei este meu lado com o mundo, esta doença obrigou a expor-me, mas, lá está, adaptamo-nos à realidade. E a reação tem sido muito boa, até criei um canal no YouTube há três semanas e também publico no Instagram. São 20 minutos de meditação..É um bom momento para aprofundar essas áreas. Penso que sim, as pessoas precisam muito deste tipo de coisas. Não estavam habituadas a ter os filhos em casa, muitas têm de conciliar as atividades domésticas e familiares com a vida profissional, precisam de ter o seu momento. O conceito de vida mudou com o covid, se calhar, é maior o stress em conciliar todas estas as atividades diárias..Participam mais as mulheres? Sim, as mulheres são as que seguem mais as aulas apesar de os homens também aderirem. As mulheres acabam por ficar mais prejudicadas com o isolamento social, são elas que organizam a vida de casa, que cuidam mais das crianças, que têm de fazer o trabalho online e doméstico, não é fácil. Embora existam homens que ajudem, em muitos casos, elas têm a maior carga do trabalho..Quer dizer que, no seu caso, esta fase até está a ajudar? Financeiramente não, essas sessões são grátis, mas foi bom para desenvolver esta área e que pode ter uma evolução, ajudou-me a semear. As pessoas admiram o meu trabalho, a minha forma de ser, mas não conheciam este meu lado. É como se fosse um consultório de vida online e eu gosto de ajudar..É mais uma via a explorar profissionalmente? Pode ser uma via a explorar. O covid ajudou a semear outra vertente do meu trabalho, ajudou a mostrar novas oportunidades, além de que há uma redução das despesas, gastamos menos, equilibramos mais as contas. Sobretudo, o que esta situação nos trouxe - não vou falar de mim porque já estava neste plano - é a necessidade de refletir sobre o mundo em que vivemos. Temos muitas desigualdades, os médicos, os enfermeiros, os homens do lixo e outros profissionais que, agora percebemos, são fundamentais, ganham pouco. Percebemos como são importantes e, se calhar, está na hora de pensar em reduzir estas discrepâncias tão grandes, no fundo, veio equilibrar a nossa sociedade..Acredita mesmo que isso vai acontecer? Acredito que vai haver um reconhecimento, haverá toda uma nova restruturação da sociedade. Vamos ter muitos problemas económicos, aliás, já se está a ver em todo o tecido empresarial, o que vai obrigar a grandes mudanças. As pessoas vão começar a trabalhar mais a partir de casa, a criar o seu próprio negócio, e vamos ter uma nova distribuição da riqueza. Todos temos de viver de uma forma mais sustentável, sem os excessos a que estávamos habituados. Tem de haver uma grande mudança de mentalidades..Como é que será essa redistribuição? Se calhar, os grandes salários vão baixar e os pequenos salários têm de ser aumentados, tem de haver uma redistribuição da riqueza, porque é que uns ganham mil e outros dez? Cada um deve ser compensado pelo seu trabalho e pela sua importância, uma pessoa que apanha o lixo é tão importante como o gestor de uma empresa. Imaginou como seria se nesta situação não tivéssemos quem apanhasse o lixo, os problemas que seriam, nomeadamente para a saúde pública?.Estaria disposta a baixar os seus rendimentos? Já ganhei muito mais do que ganho, agora ganho para as minhas despesas. Mas, se for preciso, estarei disponível para reduzir os meus rendimentos para outros profissionais ganharem mais, com certeza. Esta é a minha visão, mas acredito que esta pandemia vai obrigar-nos a ser menos materialistas. Esta não é uma situação pontual, necessariamente haverá uma transformação..Nada vai ser como dantes? Nada, as pessoas vão dar mais valor aos afetos, à comunidade, não ligávamos ao que pudesse acontecer ao outro. Agora, estamos a ver que a responsabilidade de o outro ficar doente com covid é nossa, se não tivermos cuidado, o outro pode ficar infetado. Esta situação mostra que todos estamos interligados e é importante ter este conceito de comunidade. Há uma grande onda de solidariedade, nomeadamente a nível empresarial, na produção de comida para os profissionais de saúde, na produção de máscaras, viseiras. Grandes empresas que estão a trabalhar para a comunidade, o que nunca aconteceu..É a base para uma sociedade sustentável, a nível económico, social, ambientalista? É a nossa própria ação que cria sustentabilidade, a todos os níveis. Em termos ambientais, já estamos a ver o resultado desta paragem. Os países não chegaram a acordo sobre as alterações climáticas na Cimeira de Madrid, em dezembro, e vemos que a própria vida nos está a mostrar um dos caminhos, a natureza obrigou-nos a trazer mais vida ao planeta. Mas falo sobretudo em sustentabilidade social, e económica, no fundo, é agirmos todos de outra forma, sermos mais humanos..Estamos a obter sucesso na reação a este novo coronavírus. A quem o atribui? Primeiro, quero dar os parabéns e este governo, portou-se lindamente. Começámos muito cedo, as regras foram bem criadas e implementadas. O António Costa desempenhou e está a desempenhar um bom papel, assim como o nosso Presidente, a ministra da Saúde também tem feito um bom trabalho. O segredo foi começar a tempo, logo de início. Em segundo, os portugueses sempre foram um povo heroico, está na nossa história e, apesar de existirem alguns excessos, acatámos muito bem as orientações. Acredito, e espero, que possamos voltar aos poucos à atividade a partir de meados de maio..Está assustada em relação ao futuro? Não, porque para mim não é novidade, espiritualmente já sabia que algo devia acontecer, não podíamos continuar como estávamos. Há muita coisa que tem de mudar. Já há empresas que se estão a reinventar e as próprias pessoas estão a criar a sua autossustentabilidade, claro que vai haver muito negócio que não vai conseguir manter-se, haverá muito desemprego, mas, por exemplo, os restaurantes que passarem a vender online, quando reabrirem, vão ter o negócio físico e online..De que é que tem saudadas? Vim para Lisboa há dois anos, vivo sozinha com o meu cão-de-água, estou a gostar disto. Só tenho saudade de estar com a minha família, de estar com quem gosto. Tenho saudade da liberdade, de abraçar os outros, da liberdade de movimentos. Do resto, estou bem. Saio de manhã para ir à mata, fico o resto do dia em casa, trabalho, faço as atividades domésticas, falo com os amigos em Facetime, tenho reuniões em Zoom e, à noite, vejo séries.