"Salva o Neto" e o pau com pregos: como os humoristas responderam a Neto de Moura
Depois do advogado do juiz desembargador Joaquim Neto de Moura revelar que este irá processar por ofensa à honra quem fez comentários nos jornais, televisões e redes sociais sobre os seus acórdãos relativos a casos de violência doméstica - o juiz foi chamado de machista e misógino, por exemplo - alguns dos incluídos na "lista negra" de vinte nomes que já foram identificados pela defesa de Neto de Moura como alvos do processo, também reagiram.
Um deles foi Ricardo Araújo Pereira, que dedicou ao juiz grande parte do seu programa na TVI,"Gente Que Não Sabe Estar". Também o humorista Bruno Nogueira respondeu a Neto de Moura esta manhã no programa da TSF "Tubo de Ensaio". Não foram os únicos.
RAP tinha sugerido que se "enfiasse uma advertência" no "rabo do juiz". "Como sugerido no Levítico 3:17. O Senhor disse a Moisés: e enrolarás a advertência e enfiá-la-ás no rabo do juiz".
É uma das frases que terão ofendido Neto de Moura. Mas o humorista foi ainda mais ácido depois de saber que o juiz o queria processar.
"Por causa de observações como esta, o juiz Neto de Moura ameaça agora processar-me (...) Portanto, na perspetiva dele rebentar o tímpano ainda é como o outro. Agora, escárnio? Sarcasmos? Poça, isso aleija."
Durante o programa, Ricardo Araújo Pereira leu vários acórdãos polémicos de Neto de Moura, como o do caso de violência doméstica em que o homem agrediu a mulher com um soco, agressão que perfurou um tímpano à vítima. O juiz decidiu retirar a pulseira eletrónica ao agressor.
"É um juiz que apela ao poder de encaixe das mulheres no que toca a socos, mas que tem dificuldade em encaixar paródia". Foi então cáustico: "Para as próximas mulheres a serem julgadas pelo juiz, basta dizerem "Meritíssimo, ele realmente deu-me várias tareias, nada a dizer, mas contou-me três anedotas que me amesquinharam tanto... Fiquei mesmo macerada".
Durante o programa, RAP apresentou ainda um jogo que pretende "salvar" Neto de Moura das ofensas da opinião pública.
O jogo recebeu o nome de "Salva o Neto" e serve para evitar que o juiz seja atingido pelos dejetos da opinião pública e assim possa "chegar a casa limpinho paraescrever mais acórdãos infames".
O objetivo, explicado por RAP: "A opinião pública manda imundas calúnias, aqui representadas por cocós. Se o Neto de Moura se abrigar debaixo do Conselho Superior da Magistratura, não leva com cocó, porque eles protegem-no. Se carregares no espaço, ele atira uma moca com pregos e destrói os rabos."
No dia anterior, no Governo Sombra, RAP já tinha dito que "gostava de estar cinco minutos numa sala escura com o juiz, só para termos uma conversa sobre o que constitui violência a sério. (...) Eu não sei se este juiz não precisava de cinco minutos comigo, acho que eram pedagógicos e até medicinais. Mas depois, se calhar, [precisava de] um internamento numa sala toda ela almofadada".
Ao jornal Público - quando foi noticiado, pelo semanário Expresso, que Neto de Moura iria processar quem, no seu entender, o tinha ofendido, o humorista já tinha prometido que iria continuar a falar sobre o juiz, porque este é o seu "trabalho".
"Ele tem o direito de se sentir ofendido, eu tenho o direito de dizer coisas que potencialmente o ofendem. Há pessoas que acham que têm o direito a não ser ofendidas. É impossível não ofender pessoas.Ele ofende-me com as considerações que faz nos acórdãos. E tem todo o direito de se sentir ofendido com o que eu digo.Vivemos numa sociedade aberta e isso é mesmo assim", disse RAP.
Bruno Nogueira é outros dos alvos de Neto de Moura que também decidiu reagir ao anúncio de um processo.
"Há anos que eu ando a tentar construir uma carreira que me leve a ser processado por pessoas com valores morais apurados (...), e acabo processado pelo juiz Neto de Moura. Merecíamos melhor", disse esta manhã no programa Tubo de Ensaio.
O juiz, que foi duramente criticado devido a duas decisões relacionadas com crimes de violência doméstica, acusa Bruno Nogueira - e muitos outros - de ofensas à sua honra pessoal e profissional.
"O doutor juiz sente-se ofendido e, de facto, está no seu direito", reage o humorista.
"Se o senhor não se sentisse ofendido, provavelmente eu não estava a fazer bem o meu trabalho"; "eu também me sinto ofendido com o que o senhor escreve nos seus acórdãos", frisa o comediante.
No Instagram, onde publicou a notícia do jornal Expresso, Bruno Nogueira já avisara: "Reagirei em sede própria. Segunda-feira às 9h20, no Tubo de Ensaio - TSF". E foi aquilo que Bruno Nogueira fez.
"Um homem forte de toga sente-se magoadinho por palavras ditas num Tubo de Ensaio, como se isso pudesse causar mais trauma num ser humano que uma mulher atingida várias vezes pelo marido e ex-amante com um pau com pregos", disse o humorista.
Bruno Nogueira também antecipou o encontro em tribunal com Neto de Moura.
"Caso nos encontremos em tribunal, espero que seja perante um juiz que honre a sua profissão e não perante alguém como o senhor, que descobriu o fogo há quinze dias.Eposso garantir-lhe que não irei levar um pau com pregos para o agredir mesmo sabendo que isso me podia valer a absolvição", resume Bruno Nogueira.
Mariana Mortágua
A deputada do Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua, escreveu no Twitter a 25 de fevereiro (numa mensagem que entretanto destacou no início do seu feed nesta rede social): "A presença de Neto Moura nos tribunais portugueses é uma ameaça à segurança das mulheres", partilhando um artigo sobre uma das decisões do juiz.
Este sábado, Mortágua partilhou outro artigo com as declarações da líder do partido, Catarina Martins, acrescentando. "Um juiz machista que coloca em causa a segurança das mulheres não deixa de ser um juiz machista que coloca em causa a segurança das mulheres só porque se ofende que digam que é um juiz machista que coloca em causa a segurança das mulheres".
Joana Amaral Dias
A ex-deputada Joana Amaral Dias, comentadora da CMTV, não escreveu uma, mas pelo menos duas vezes sobre o juiz Neto de Moura no Facebook.
A 25 de fevereiro escreveu: "Este juiz tem que ir para a rua. E é já. Neto de Moura, autor do célebre acórdão sobre o apedrejamento de mulheres adúlteras, voltou a pronunciar-se sobre violência doméstica. Num acórdão sobre um homem que rebentou um tímpano à mulher ao soco, retirou ao agressor a pulseira eletrónica que os colegas de primeira instância lhe tinham aplicado para garantirem que não se voltava a aproximar da vítima, depois de o terem condenado a uma pena suspensa. Este magistrado do tribunal da Relação do Porto é um perigo para a segura pública."
No dia seguinte, a 26 de fevereiro, partilhou um vídeo do seu comentário na CMTV: "Neto Moura não pode continuar a ser juiz. Quem confunde as suas convicções pessoais com Justiça não tem, evidentemente, condições para aplicar o poder que possui. Portugal tem um grave problema de Violência Doméstica e de Violência Contra as Mulheres. Entre as várias causas que subjazem a esta epidemia criminosa está a falta de formação dos diferentes agentes envolvidos, nomeadamente, no que às decisões judiciais diz respeito. Sucede que o caso de Neto Moura que, com esta sua última deliberação, voltou a colocar em perigo a vida de uma mulher, passa o aceitável e o imaginável. Nenhum Magistrado pode viver acima da Lei."
Fernanda Câncio
A jornalista do Diário de Notícias escreveu uma crónica para a TSF intitulada "Aos déspotas de toga", na qual se referia ao juiz Neto de Moura e a advertência que recebeu do órgão disciplinar dos juízes. "É a pena mais leve do cardápio. Pouco para alguém que renitentemente usou o seu poder de juiz para humilhar, insultar e vitimizar vítimas, de forma claramente sexista e, portanto discriminatória".
"Neto de Moura vai continuar, apesar deste comportamento intolerável, a ter o poder do qual tão claramente abusou. Porque um juiz que se crê acima da lei e da Constituição não é um juiz; é um déspota de toga", acrescentou. "Porque um juiz que acha que as mulheres são menos que os homens, que os homens têm o direito de as considerar propriedade, de as castigar por quererem ser livres e de ainda as culpar por isso não devia ser juiz", referiu.
Mas não era a primeira vez que escrevia sobre o juiz, como lembrou hoje no seu Twitter, partilhando um artigo de opinião no Diário de Notícias de 30 de outubro de 2017 intitulado "O linchamento do juiz Neto de Moura" e dizendo que era "para ajudar a equipa do advogado de Neto de Moura".
"(...) apesar de não ter uma boa opinião da justiça portuguesa, tinha-a mesmo assim bem melhor que aquela que ela provou merecer. E sucede que, desde a notícia inicial, essa opinião tem vindo sempre a piorar. Primeiro porque se soube que o relator daquele acórdão, o homem que escreveu as linhas que não acreditei poderem vir da pena de um juiz português em 2017, já tinha lavrado, ao longo dos anos, vários semelhantes, sem que disso houvesse notícia, escândalo, recurso, seja o que for", escreveu na altura em que vieram a público os primeiros acórdãos polémicos.
No Twitter, Fernanda Câncio também reagiu à eventualidade de ser processada pelo juiz. "Tenho uma ideia para o juiz Neto de Moura: era fazer uma lista de quem não disse mal dele. Tenho a certeza que há alguém. Pelo menos a família e a associação sindical dos juízes. E processa todo o resto do país. É pedir as listas de eleitores e vai por ali fora".
Diogo Batáguas
O humorista será outro dos alvos de Neto de Moura, segundo o jornal Público. Diogo Batáguas tem um canal no YouTube e o seu último vídeo, publicado a 28 de fevereiro, é precisamente sobre o juiz. Nele, faz um apelo à criação da hashtag #Netodemouraécorno.
"As coisas que ele diz seriam absolutamente hilariantes se estivessem inseridas num sketchcómico", afirma.
"Tenho a impressão que esta fixação pela punição da mulher adúltera e pelo atenuar de penas de cornudos tem uma origem muito pessoal. Desconfio que em determinada altura da sua vida, Neto de Moura foi corno, mas corno muito corno", refere Batáguas, que também apelida o juiz do "santo protetor do agressor" e de "banana".
No Twitter, logo no dia 28, tinha escrito: "Já alguma vez um juiz em Portugal processou um comediante?". Já este sábado, escreveu: "Enganei-me...eu queria dizer Beto de Moura, que é um amigo meu alentejano que odeia mulheres. Nem sequer sei quem é esse senhor que anda a processar toda a gente."