Partiu uma lâmpada com a bola, o professor tirou-lha e colocou-a na secretária. Acabou agredido aos murros e pontapés. Este caso que aconteceu a 29 de março numa escola do Porto levou o Ministério Público a investigar a atitude do aluno de 12 anos no âmbito da Lei Tutelar Educativa e a uma comunicação à Comissão de Proteção de Crianças e Jovens com competência na área de residência do jovem..Atitude que chocou o país, mas que não está isolada na realidade escolar nacional. Pelo contrário, é exemplo do que se passa nesses recintos onde no ano letivo de 2017-18 foram registados diariamente 23 crimes. Ou seja, nos 175 dias úteis de aulas aconteceram 4105 situações que levaram à intervenção da polícia..Dados que mostram uma subida de 77% em 18 anos - quando comparamos os referentes aos anos letivos de 2000-01 e 2017-18. Esta realidade foi analisada e comentada pelo investigador do CeiED - Centro de Estudos Interdisciplinares em Educação e Desenvolvimento, da Universidade Lusófona (ULHT), também dirigente e diretor social do Sindicato Independente dos Agentes de Polícia (SIAP/PSP), Miguel Rodrigues..fvvb Infogram.O estudo sobre a "Criminalidade em Ambiente Escolar" incidiu no período entre os anos letivos de 2000-01 e 2017-18 e detetou um aumento de 133% de ocorrências (criminais e não criminais) nas escolas. Na análise dos dados oficiais sobre o tema Miguel Rodrigues encontrou uma redução de cem registos nos crimes denunciados quando se compara o último período escolar com o primeiro do trabalho: 4105 contra 4299, respetivamente, o que surge em contraciclo com o panorama da criminalidade nesta área desde 2000-01..No trabalho estão duas chamadas de atenção: as polícias têm poucos meios para responder a todos os pedidos de apoio efetuados pelas escolas, elas próprias com poucos funcionários, e a legislação (nomeadamente o Estatuto do Aluno) devia ser alterada para que qualquer punição fosse obrigatoriamente cumprida em contexto educativo. "Uma das medidas punitivas de um aluno que cometa um ato disciplinarmente punível, tendo por base determinados regulamentos disciplinares escolares, pode resultar com uma ida de determinado número de dias para casa, o que, em muitos casos, será mais visto como um "presente" do que uma reprimenda ou castigo, desvirtuando assim a sua finalidade", defende em declarações ao DN Miguel Rodrigues..Os crimes.Lisboa, Porto e Setúbal, por esta ordem, são os distritos mais problemáticos - do lado oposto estão Castelo Branco, Guarda e Portalegre..Quanto aos principais crimes ocorridos no interior dos estabelecimentos de ensino estes são: contra a integridade física (26,7%) e furtos (26,6%). Surge depois o roubo (12,2%), as injúrias e/ou ameaças (11,2%), vandalismo e/ou danos (8,9%). Com menor expressão surgem as ofensas sexuais (2,5%), posse/consumo de droga (2%), posse/uso de arma (1,8%) e ameaça de bomba (1,2%)..Há, todavia, a necessidade de rever, como defende Miguel Rodrigues, estas tipologias pois o bullying não surge discriminado nas estatísticas criminais quando é uma das queixas mais recorrentes nas escolas. "Pela sua enorme prevalência deveria ser devidamente discriminado, no entanto, é inserido no bolo criminal "Outros Crimes", não permitindo assim que a comunidade científica possa trabalhar a problemática do bullying em contexto nacional com vista à sua real compreensão, prevenção e repressão", explica ao DN..A intervenção das polícias.Além de defender a alteração da lei para permitir que os alunos passem a cumprir eventuais castigos na escola e não em casa o investigador do CeiED detetou o que considera ser um menor empenhamento de meios, principalmente materiais, nos Programas Escola Segura tanto na PSP como na GNR..Reconhecendo que o ano letivo 2017-18 foi o que contou com o maior número de elementos dedicados ao programa - 743 quando em 2000 eram 470 os polícias envolvidos - chama a atenção para um aspeto essencial: a disponibilização de carros. Na análise aos documentos oficiais da PSP Miguel Rodrigues chegou à conclusão de que esta força policial tem uma média de 260 veículos afetos a este programa. Já a GNR tem dados menos consistentes: os mais recentes são de 2010 e garantiam que tinham sido colocados no terreno 221 carros. Quanto ao número de polícias com a missão de patrulhamento das escolas no último ano letivo o rácio terá sido de um agente por 2433 alunos (num universo de mais de 1,6 milhões de matriculados em 2017-18) e um carro para 3822 estudantes..Perante os dados, o investigador, que também é chefe da PSP, sabe que - por notícias da comunicação social e posteriores denúncias recebidas e confirmadas enquanto dirigente sindical do SIAP/PSP - ser necessário maior investimento nesta área. E aponta o caso das escolas inseridas no Programa Territórios Educativos de Intervenção Prioritária (TEIP). Neste particular lembra o caso dos agentes da Escola Segura que acompanham os agrupamentos de Escolas de Camarate e Secundária de Camarate, de Escolas da Apelação ou do Agrupamento de Escolas de Sacavém, com quase duas dezenas de escolas e milhares de alunos, não têm carros próprios para responder a eventuais chamadas dos responsáveis destes estabelecimentos de ensino..Retrato.O ambiente familiar e a exclusão social são dois dos fatores que potenciam a violência na escola. Local onde foram detetadas desde 2000-01 mais de 800 armas brancas..Fatores de risco A violência escolar pode surgir devido a diversas situações. As mais comuns, e que potenciam o risco de delinquência juvenil, são: a falta de comunicação na família muitas vezes devido à ausência dos pais; casos de violência familiar; pobreza; desemprego; exclusão social; racismo ou o consumo de álcool ou drogas..Uso de armas brancas Na análise que fez aos dados da PSP e da GNR, Miguel Rodrigues confirmou um dado que assume já se ter apercebido devido à "experiência pessoal do investigador [é agente da PSP]": o uso e posse de armas brancas nas escolas é habitual entre os casos de criminalidade detetados. Segundos os números avançados entre 2000-01 e 2017-18 as polícias encontraram 881 armas nos recintos escolares, a grande maioria facas, canivetes, facas de ponta e mola, faca de borboleta. Muito menos presentes são as armas de fogo, sendo recorrentes o uso de simulações de armas de fogo, pistolas de mola ou de pressão de ar..Sistema judicial Em Portugal a legislação prevê três tipos de justiça para os menores. Esta diferenciação está prevista na Lei de Proteção à Infância (Decreto-Lei 27 maio de 1911) e está assim definida: uma criança com menos de 12 anos e que pratique um crime fica ao abrigo da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo sendo alvo de um apoio por parte das instituições especializadas num trabalho que envolverá também a sua família. Se tiver entre os 12 e os 16 e cometer um crime fica sob a alçada da Lei Tutelar Educativa. Neste caso, a punição pode ir de uma admoestação ao internamento em centro educativo (a punição mais grave). Para quem tenha entre os 16 e os 21 anos a decisão já passa por aplicar o Código de Processo Penal, ou seja são julgados como adultos.