Rosa Grilo e António Joaquim foram acusados formalmente nesta segunda-feira - já muito perto do prazo de seis meses - pelo Ministério Público (MP) no Tribunal de Vila Franca de Xira do homicídio do triatleta Luís Grilo. No despacho da acusação lê-se que terá sido o alegado amante de Rosa Grilo a disparar o tiro fatal. O Ministério Público pediu que os dois sejam julgados por um tribunal de júri. Não é o primeiro caso: Leonor Cipriano foi julgada deste modo e a defesa de Bruno de Carvalho requereu que o ex-presidente leonino fosse julgado também por civis. A participação de jurados da sociedade civil não gera consenso entre os juristas..Há quem afirme que o tribunal de júri é solicitado a intervir em casos mediáticos pela acusação, "onde o choque dos factos poderá colmatar algumas lacunas probatórias" e quem seja da opinião que uma vez que a última palavra é dos juízes, é como se os jurados não fossem mais do que uma criança que é colocada no colo do progenitor enquanto este maneja o veículo mas deixa-a mexer no volante, sem em momento algum deter qualquer poder sobre o automóvel..A possibilidade de chamar jurados, isto é quatro cidadãos sem ligação ao Direito que irão integrar com três juízes de Direito o coletivo que irá decidir sobre o caso, está prevista na lei mas não é muito utilizada em Portugal. Só é possível em julgamentos em que a moldura penal é superior a oito anos. Em 2017, por exemplo, houve apenas cinco julgamentos com tribunal de júri em Portugal..Segundo a Procuradoria-Geral da República, o MP requereu o julgamento, em tribunal coletivo, com júri, contra os dois arguidos, pela prática, em coautoria, de crimes de homicídio qualificado agravado, profanação de cadáver e detenção de arma proibida..Os dois serão julgados por um tribunal de júri (além de três juízes, são escolhidos/nomeados quatro cidadãos da sociedade civil). O pedido foi feito pelo MP, mas poderia ter partido da defesa - como no caso de Bruno de Carvalho. A defesa do ex-presidente do Sporting sustentou assim o pedido para que este fosse julgado por um tribunal de júri. "Os jurados populares são garantia imprescindível de independência e imparcialidade", justificou o advogado José Preto..A presença de jurados da sociedade civil tem peso na pena aplicada. Em Portugal, os jurados são chamados a decidir juntamente com os juízes, tanto a condenação ou não como a pena a aplicar, ao contrário de países como os EUA, onde os membros do júri apenas têm de dizer, por unanimidade, se o acusado é culpado ou inocente. .Mediatismo dos casos "convida" ao tribunal de júri.Nos últimos anos, foram vários os processos mediatizados com intervenção destes quatro elementos da sociedade que auxiliam os três juízes a decidirem sobre a matéria em julgamento. Um dos principais foi a condenação de Leonor e João Cipriano pelo homicídio de Joana, filha da arguida, no Algarve em 2004. Foi o MP quem pediu o júri, por não haver corpo da vítima nem provas irrefutáveis. Leonor e João Cipriano acabaram condenados a 20 anos e quatro meses e 19 anos e dois meses de prisão, respetivamente, por homicídio e ocultação, em 2005. As penas foram reduzidas em tribunal superior a 16 anos e oito meses..Para outro processo em que não havia corpos das vítimas, o do rei Ghob, o MP voltou a pedir jurados. Em 2012, Francisco Leitão foi condenado à pena máxima por homicídios de três jovens..De resto, o MP tem feito uso desta possibilidade em vários julgamentos com os procuradores a requererem jurados em casos mediáticos como o do assalto ao BES com sequestro e o do homicídio junto à casa de diversão noturna O Avião, em 2012, em Lisboa. Neste caso, Jorge Chaves, o acusado de ter colocado uma bomba, acionada à distância, no carro da vítima, o dono do bar José Gonçalves, foi absolvido. Acabou por ser assassinado meses depois..Foi a procuradora Cândida Vilar, do DIAP de Lisboa, responsável pela acusação no processo de Alcochete, quem pediu jurados e, na altura, em declarações ao DN, justificou assim a opção por jurados: "Fi-lo porque o caso foi muito mediático e foi a primeira vez que alguém foi morto em Portugal através de um engenho explosivo colocado no carro. Justificava que a sociedade se pronunciasse." O advogado de Jorge Chaves discordou. "É um caso complexo, com provas mais técnicas", disse Melo Alves..No assalto de 2008 à agência do BES, Wellington Nazaré foi condenado a 11 anos, pena depois reduzida a oito anos e meio pela Relação. Estavam em causa crimes de roubo agravado e sequestro. O advogado de defesa, João Martins Leitão, recorda que aceitou bem o pedido do MP e até considera que os tribunais de júri deviam ser alargados a mais crimes.."Devia ser generalizado. Confere mais legitimidade às decisões e devia ser permitido quer sejam crimes graves quer menos graves", afirmou o advogado que considera não ser possível dizer se favorece ou não uma condenação. "Dá para as duas situações, favorecer ou não, consoante os casos. O que acontece é que se houver mais pessoas a decidir, com intervenção da sociedade civil, temos uma decisão com mais legitimidade.".Inspetora da PJ foi absolvida por júri.Veja-se o exemplo da inspetora da PJ Ana Saltão, acusada pelo MP de ser a autora do homicídio da avó do marido em Coimbra. O caso foi julgado com júri pedido pelo MP e a arguida foi absolvida. Depois, a Relação, e aqui não há jurados, condenou-a a 17 anos de cadeia, pena anulada mais tarde pelo Supremo. Na repetição do julgamento, voltou a ser absolvida por falta de provas e pela existência de dúvidas sobre a sua culpabilidade..No primeiro julgamento, em 2014, os quatro jurados que auxiliaram o coletivo de Coimbra foram uma empregada de balcão, de 30 anos, uma técnica administrativa, de 51, uma empregada fabril, de 41, e um eletricista, de 41. Estes foram os jurados efetivos do julgamento de Ana Saltão, com os quatro suplentes a serem uma educadora de infância, de 33 anos, uma empregada de balcão, de 23, uma escriturária, de 43, e um estudante, de 22 anos..O julgamento do engenheiro agrónomo Ferreira da Silva que matou o ex-cunhado a tiro com a neta ao colo em Oliveira do Bairro teve também jurados. Mas, neste caso, quem pediu foi um assistente no processo, o advogado que representava a família da vítima. O arguido, pai de uma juíza, foi condenado em 2012 a 20 anos de prisão, com a intervenção dos jurados, mas a pena foi depois reduzida a 16 anos, após recurso para a Relação..Os arguidos também pedem jurados quando o crime ocorre em circunstâncias especiais, em que a emotividade pode ser um fator de "aproximação" aos jurados. Nem sempre tem efeito, como foi o caso recente de um homem julgado em Almada pelo homicídio de um ex-comando. O arguido foi punido com 19 anos e meio de cadeia por ter matado a tiro a vítima, com o tribunal pelos três juízes e quatro jurados a reconhecer que foi agredido antes pelo homem que matou mas que isso não serve como justificação para ter ido buscar uma arma e voltar ao local da zaragata inicial para disparar três tiros que causaram a morte da vítima..Mero expediente processual, criticam advogados.Os tribunais de júri não são consensuais entre juristas. Além de custarem dinheiro ao Estado, já que os jurados são pagos ao dia (ver Perguntas e respostas abaixo), há quem levante outros problemas. Os advogados Nuno Cerejeira Namora e José Taborda apontam várias falhas ao sistema. Desde logo pegam numa crítica recorrente de que os juízes de Direito acabam por, na prática, ser quem toma a decisão final.."Dificilmente se concebe uma soberania popular exercida num contexto altamente permeável a influências decisórias por parte dos juízes que, não só conhecem o tabuleiro de jogo como estão familiarizados com as suas peças e as regras pelas quais elas se movem. Parece-nos, assim, de admitir que, em alguns casos, os jurados mais não consubstanciaram que aquela criança que é colocada no colo do progenitor enquanto este maneja o veículo mas deixa-a mexer no volante, sem em momento algum deter qualquer poder sobre o automóvel. Não obstante, ela deleita-se no aparente domínio que detém", escrevem num texto publicado na revista Vida Judiciária..Os advogados do Porto criticam também a necessidade de levar para tribunal pessoas da sociedade civil. "Desde logo, levanta uma neblina de suspeição no que concerne à independência dos juízes, classe que comporta um regime de incompatibilidade e impedimentos com assento constitucional", avaliam, com a convicção de que "assim, o tribunal de júri, nos moldes atuais, abre a porta, pelo menos em tese, a que o discurso popular não só irrompa pelo tribunal mas também domine a deliberação decisória"..Além disso, Cerejeira Namora e José Taborda rejeitam "esta visão idílica e desprendida de um poder decisório nas mãos da soberania popular", e questionam como um leigo pode, num curto espaço de tempo, decidir sobre matérias complexas. "Como será possível, num número reduzido de sessões, explicar aos jurados em que consiste a culpa, um dos grandes dogmas da teoria do ilícito e que influenciará a medida a aplicar? Como se conseguirá, de forma cabal, explanar que uma confissão pode ser instrumentalizada por um dos coarguidos em desfavor de um outro coarguido? Não nos parece que seja possível, pelo menos não ao nível que é exigido.".Em conclusão, os dois colegas de escritório dizem que os jurados não passam de expediente processual usado por arguidos e MP: "O tribunal de júri é hoje, amiúde, solicitado a intervir em casos mediáticos pela acusação, onde o choque dos factos poderá colmatar algumas lacunas probatórias; já a defesa solicita esta intervenção para aqueles (raros, quiçá raríssimos) casos suscetíveis de comportar uma forte empatia popular. A título de exemplo, lembremo-nos do caso Joana, ou do apelidado rei Ghob ou ainda, e mais recente, o dos incendiários do Caramulo. Em todos estes casos foi requerida a intervenção do tribunal de júri. Em todos estes casos os arguidos foram condenados em pesadas penas de prisão. Por todo o exposto, estamos perante um expediente processual tipicamente instrumentalizado pela defesa ou pela acusação, questionando-se, hoje e como sempre, a necessidade e pertinência da sua subsistência.".Em cinco anos, houve 38 julgamentos com jurados da sociedade civil.Segundo dados fornecidos pelo Ministério da Justiça (MJ) ao DN, nos últimos cinco anos houve 38 julgamentos que contaram com a participação de jurados da sociedade civil. No ano passado foram cinco, enquanto em 2016 ocorreram nove. Nos anos anteriores a estatística regista cinco em 2015, sete em 2014 e 12 em 2013. Na maioria das situações estavam em causa crimes de homicídio (23) ou tentativa de homicídio (4), com os restantes julgamentos a decidirem sobre crimes como violação, abuso sexual de crianças, incêndio florestal, roubo, burla e tráfico de droga..No total destes cinco anos foram 51 os arguidos que foram julgados com recurso a jurados, sendo que a maioria deles, 36, foi punida com condenação enquanto 19 foram absolvidos por falta de prova. Em 2016, registou-se um maior número de absolvições, seis no total, do que condenações (5). O MJ não disponibilizou dados de 2018 nem sobre quem requereu o tribunal de júri. Não são permitidos jurados em casos que envolvam crimes de terrorismo e criminalidade altamente organizada..Perguntas e respostas.Quem integra um tribunal de júri?.É sempre composto o tribunal de júri pelos três juízes do coletivo, com um deles a ser juiz presidente, pelos quatro jurados selecionados e pelos quatro jurados suplentes que devem assistir às sessões do julgamento para substituir algum dos efetivos em caso de necessidade..Quem pode ser jurado?.Podem ser convocados os cidadãos portugueses inscritos no recenseamento eleitoral desde que sejam cumpridas certas condições como ter idade inferior a 65 anos, possuir a escolaridade obrigatória, não sofrer de doença ou anomalia física ou psíquica que afete o desempenho do cargo, estar no pleno gozo dos direitos civis e políticos, não estarem presos ou detidos..Há pessoas excluídas?.Sim, está vedado o cargo de jurado a quem seja membro do Conselho de Estado, deputado, juiz, advogado ou funcionário da justiça. De fora ficam também os professores das faculdades de Direito..Como são selecionados os jurados?.O tribunal recorre a cadernos de recenseamento eleitoral. Depois é feito um sorteio de pré-seleção de cem pessoas. Estas são notificadas e respondem a um inquérito para verificar se cumprem os requisitos básicos. É feito então novo sorteio e 18 jurados são chamados a tribunal. São ouvidos pelo juiz, pelos procuradores e pela defesa. Estes dois últimos intervenientes podem recusar dois jurados cada. Após estas reuniões, são escolhidos os quatro efetivos e os quatro suplentes..Os jurados são compensados?.Sim, recebem uma verba do Estado por cada dia de julgamento. São 102 euros. No período em que são jurados "têm direito a uso, porte e manifesto gratuito de arma de defesa"..Que crimes podem ser julgados por júri?.Praticamente todos os crimes, com exceção do terrorismo e da criminalidade organizada. Só pode ter jurados um processo em que esteja em causa uma moldura penal superior a oito anos, isto é, casos graves como homicídio. O tribunal do júri tem ainda competência para julgar crimes de tortura e discriminação racial, religiosa ou sexual, crimes contra a segurança do Estado (traição à pátria, violação do segredo de Estado, espionagem) e violações do direito internacional humanitário (genocídio, crimes contra a humanidade, crimes de guerra)..Quem pode pedir tribunal de júri?.Qualquer das partes do processo o pode fazer: o Ministério Público, o assistente ou o arguido. Por regra, se o requerimento estiver dentro do quadro legal, não pode ser recusado..Pode um cidadão recusar ser jurado?.Sim. Há situações previstas na lei, como são os casos de militares no ativo, de pessoas que apontem razões objetivas relativas à sua imparcialidade, ou pessoas quem tenha morrido um familiar direto há menos de um mês. Podem ainda pedir escusa os ministros de qualquer religião ou membros de uma ordem religiosa.