Ricardinho. O adeus em lágrimas à seleção e os desafios para o futuro
Acabou-se a magia pela seleção nacional. Aos 36 anos, Ricardinho, o mágico do futsal, decidiu deixar de representar Portugal. Já não vai ao Euro 2022, em que a seleção defende o título ganho em 2018, mas o presidente da Federação, Fernando Gomes, desafiou-o a fazer mais um jogo para a despedida e convidou-o para embaixador da seleção nacional de futsal.
"Apesar de me custar muito, foi uma caminhada inesquecível. Lembrar que comecei com 16 anos em Rio Maior, não sabia que o caminho ia ser tão perfeito. É hora de dar lugar aos mais jovens. Sou português, vou ser sempre português e vou continuar a apoiar a seleção nacional e o futsal", confessou ontem o jogador, na cerimónia do adeus à seleção, na Cidade do Futebol, antes de se emocionar para dizer "um até já" à seleção.
Os últimos dois anos "foram de muito desgaste, sobretudo psicológico", com a saída a mal do Movistar, a pandemia, o projeto falhado do ACCS Paris e uma das piores lesões que um atleta pode sofrer (rotura num tendão da perda direita). Por tudo isto, o jogador sabia que só "tinha uma bala no cartucho para disparar, que era o Mundial". Em outubro, agarrou-se "à crença do selecionador" e liderou a seleção a um inédito título mundial.
E é como campeão mundial e europeu de futsal que o miúdo baixinho do bairro de Valbom que sonhava ser jogador de futebol diz adeus aos jogos por Portugal. É um adeus às quinas, mas não ao futsal. Vai continuar a jogar no ACCS Paris, despromovido na secretaria à II divisão francesa de futsal.
Fernando Gomes mostrou tristeza pelo adeus do ainda capitão e fez-lhe dois desafios: "Que aceites tornares-te a partir de hoje embaixador vitalício da nossa seleção. Que nos permitas fazer a tua última internacionalização em solo português, num pavilhão cheio."
O presidente da Federação Portuguesa de Futebol preferiu olhar para o homem em vez de enumerar os feitos do jogador. "Que nos ensina o Ricardo quando não está a jogar? Que raramente a vida começa no local óbvio. Ele como atleta nasceu fora dos grandes clubes. Temos de trabalhar para a base em vez de olhar para medalhas ou troféus. E não sei se há atleta de alto nível a ir a escolas, clubes e associações como ele, a ensinar rapazes e raparigas a jogar. É um motor de ignição para praticantes", elogiou o dirigente, entre a "mágoa" de não ter ainda o pavilhão para as seleções pelo qual Ricardinho sempre trabalhou e cujas obras arrancarão no próximo ano. E quem sabe levará o nome dele.
Já o selecionador Jorge Braz definiu-o como um exemplo de superação e alguém que contagia quem o rodeia. "Por isso foi possível tocar o céu. Na vida mais do que taças, títulos e campeonatos, o teu legado é o melhor exemplo que pode existir. Que orgulho ter feito parte deste teu percurso e que orgulho ter contribuído para o legado. Muito, muito obrigado!", disse o técnico nacional, que não esqueceu as vezes que Ricardinho lhe chateou o juízo: "Não trouxe a prancheta para atirar-te com ela, mas foram 11 anos a aturar-te."
Em março já tinha antecipado a possibilidade de dizer adeus após o mundial na entrevista que deu ao Diário de Notícias, onde também confessou que queria sair no auge. Deixa assim de vestir a camisola do país que serviu durante 187 jogos e que ajudou a conquistar os dois principais títulos da modalidade - o Europeu de 2018 e o Mundial de 2021 -, por entre mais de 30 troféus coletivos!
O seis vezes eleito o melhor jogador de futsal do Mundo (2010, 2014, 2015, 2016, 2017 e 2018) vestiu a camisola das quinas durante 3673 minutos ao longo de 18 anos. O primeiro jogo foi frente a Andorra, a 26 de junho de 2003, no Torneio Internacional do Algarve. Tinha 18 anos e entrou para o lugar de Zézito aos 35 minutos. Portugal ganhou, por 8-4, sem qualquer golo de Ricardinho, que agora se despede como melhor marcador de sempre da seleção com 141 golos apontados.
O último jogo foi aquele que deu o título mundial à seleção, frente à Argentina (2-1), em Kaunas, na Lituânia, na final do Campeonato do Mundo, em que levantou o troféu e foi eleito o melhor jogador do torneio. Já tinha sido o MVP do Euro 2007 e Euro 2018.
Começou no Gramidense, mas foi no Benfica que se notabilizou antes de espalhar magia no Japão, Rússia, Espanha e França. Rivaliza com Falcão pelo título de melhor de sempre e se o futsal é conhecido em Portugal e em algumas partes do mundo muito se deve ao génio de Ricardinho e aos seus "cabritos".