As provas físicas de admissão no curso de sobrevivência da NATO em condições extremas de frio, na Noruega, eliminaram logo vários candidatos. Mesmo sendo das forças especiais, nem todos conseguiram correr oito quilómetros com 25 quilos de areia às costas em menos de uma hora e quatro minutos e, a seguir, fardados, nadar 200 metros no rio e ainda flutuar dez minutos.."Achei a água ligeiramente fria, porque os rios da Noruega vêm das montanhas", recorda com humor o primeiro-sargento fuzileiro Roberto Alípio, um dos 20 militares de dez países da NATO que chegaram ao fim do curso em ambiente ártico e de onde saiu há uma semana - e para começar a dar instrução a um o novo curso de sargentos do Corpo de Fuzileiros, agora sob temperaturas da ordem dos 20 graus centígrados.."É estranho, estão, à vontade, mais 40 graus" em Portugal do que na Noruega, onde as noites passadas ao ar livre chegavam aos 30 graus negativos - apenas com a roupa de corpo e uma lona para o abrigo. Nem um saco-cama ou uma esteira", conta o militar ao DN..Roberto Alípio explica que o curso na Noruega "é totalmente distinto" do que tirou em Portugal, ministrado pela Força Aérea - na serra da Malcata - e que se centra nas técnicas iniciais do processo de sobrevivência..O da NATO visa formar formadores em ambiente ártico e subártico, o que justificará as duas fases em que está dividido o curso de cinco semanas dado pelo centro de excelência da NATO para as Operações em Tempo Frio (CWO, sigla em inglês), em Elverum: as primeiras três em agosto e setembro - já com temperaturas negativas durante a noite - e as últimas duas em fevereiro, em que os menos 30º à noite parecem ainda mais frios quando está vento..Vencidos os testes físicos, os 20 instruendos - dez noruegueses e dez de outros nove países da NATO - começam a primeira fase do curso em ambiente subártico, com temperaturas diurnas na casa dos 12 graus positivos e três negativos durante a noite..Oito horas a procurar lenha."É um exercício de sobrevivência extremamente longo e exigente, em que na primeira fase temos aulas práticas das 8.00 às 15.00" para aprender a construir abrigos adequados às temperaturas geladas, arranjar lenha seca suficiente para se aquecerem durante toda a noite, ou apagar rastos a fim de se poder descansar "com alguma tranquilidade" em território inimigo..A partir das 15.00 "somos deixados sozinhos e isolados em ambiente não permissivo" até à manhã seguinte, isto durante seis noites consecutivas, conta o sargento da infantaria de Marinha. Nessa altura, encontrar madeira seca em quantidade suficiente para a fogueira poder manter-se ativa durante toda a longa noite torna-se tão ou mais importante do que a procura de água e comida, por muito bons que sejam em técnicas de caça e pesca.."Se não arranjarmos lenha, temos de continuar em movimento" para não arrefecer, frisa. A alternativa é "fazer um abrigo de emergência na neve", uma caverna onde não se pode fazer uma fogueira por mínima que seja. A vantagem é que as temperaturas no interior desses buracos improvisados "são de zero graus". Como? "A neve compactada tem efeito de isolamento" e, se conseguirem ficar sobre uma estrutura acima da entrada, o calor do corpo ajuda a aquecer o espaço interior, explica o especialista..Madeira seca na neve?.A verdade é que existe madeira seca numa floresta coberta de neve e recolher a quantidade necessária para uma noite inteira exige qualquer coisa como "seis a oito horas seguidas" - e em que percorrer cem metros pode demorar "45 minutos", garante Roberto Alípio..As seis noites seguintes do curso de sobrevivência são dedicadas à fase da evasão, em que são também "deixados isolados e sozinhos ou, no máximo, dois a dois no caso de uma fuga assistida"..A fase do inverno.Roberto Alípio, natural de Arcos de Valdevez e com 36 anos, alistou-se na Marinha em 2001 e por influência do pai, que ali tinha feito o serviço militar obrigatório. Em 2002 esteve em Timor-Leste, integrado na missão da ONU, e em 2004 integrou as forças que estiveram de prevenção durante uma crise político-militar ocorrida na Guiné-Bissau e que poderia exigir a evacuação dos portugueses ali residentes..Uma década depois foi para o Afeganistão, envolvido na proteção do aeroporto de Cabul e a missão de que "gostei mais pelo grau de dificuldade, em que nunca se pode baixar a guarda e se vive 24 horas sempre com atenção" a qualquer situação ou movimento suspeito..Mesmo assim, e apesar dos conhecimentos de SERE serem iguais no frio ou no calor, Roberto Alípio foi apanhado de surpresa ao atravessar um lago na Noruega que não se podia rodear e acompanhado por quatro operacionais também equipados e armados até aos dentes: o gelo fino quebrou sob as botas e caíram à água - momento em que o relógio dos instrutores entrou em contagem decrescente: tinham 20 horas para sair, secarem o fardamento e estarem prontos a combater..Esta segunda parte do curso, no chamado ambiente ártico e numa zona a norte daquela onde tinha estado no fim do verão, "é também uma prova extremamente desafiante", diz o operacional. "Podemos estar debilitados a nível físico, mas a mente está sempre numa onda positiva" para sobreviver..Voltando ao buraco que se abriu no meio do lago: "A preocupação é, rapidamente, começar a correr para a floresta" à procura de madeira seca ou árvores mortas - onde "estivemos dez horas a arranjar lenha para secar a roupa", lembra o sargento fuzileiro..Com o movimento do corpo a ajudar, torna-se crucial "adiar ao máximo o mudar de roupa" (leia-se calças interiores e meias, com sacos de plástico pelo meio nos pés). E as armas? "Secam depressa", garante.