Refugiados ambientais. "Estas vítimas não têm uma vida mais fácil do que os refugiados de um conflito bélico"
Deixam as suas casas porque não têm água potável, fogem de uma tempestade ou de um incêndio que lhes arruinou tudo o que a terra dava. Uns mudam de região, outros de país à procura de um sítio onde o clima os deixe comer, respirar, viver. Monjur Rashid conhece vários refugiados ambientais. É natural do Bangladesh, onde vive e trabalha como advogado a defender migrantes que mudaram de vida por causa das alterações climáticas.
"Nas últimas duas décadas, o número de refugiados ambientais aumentou muito no meu país, principalmente no sul. Conheci uma pessoa que tinha uma plantação de chá que ficou arruinada por causa da poluição. Teve de mudar de cidade e de vida. Há também quem tenha de deixar a sua casa, porque o nível da água está a subir", conta ao DN em Madrid onde está para participar na Conferência das Partes das Nações Unidas para as Alterações Climáticas. Tudo consequências do aumento das emissões de gases poluentes na atmosfera, que continuam a bater recordes e que provocam a subida da temperatura média do planeta, o aumento do volume dos oceanos, a extinção de espécies animais e de plantas. "Isto é perturbador", comenta Monjur Rashid, num inglês carregado de sotaque.
Veio até à Conferência, que começou nesta segunda-feira na capital espanhola, com um grupo de colegas do movimento global de defesa social Oxfarm. Viajaram juntos, mas separaram-se durante o dia para assistir ao máximo de conferências possível do programa. No final da tarde, juntaram-se para partilhar o que ouviram. Rashid recolheu, no seu caderno preto estilo Moleskine, informação sobre o debate dedicado aos refugiados climáticos. Foi um dos temas fortes do primeiro dia da COP25 (como é conhecida a Cimeira do Clima das Nações Unidas), uma tentativa de colocar a problemática na agenda dos decisores políticos reunidos na capital espanhola durante duas semanas.
A expectativa de que as mais de 190 nações aqui presentes discutam o apoio financeiro dado às comunidades afetadas pelos desastres naturais é grande. Espera-se que a Organização das Nações Unidas (ONU) conclua a primeira revisão do Mecanismo Internacional de Varsóvia para Perdas e Danos, um fundo para responder às emergências climáticas. É este também o desejo de Ibrahim Mbamoko, advogado especializado na área do ambiente e secretário-geral da Associação Carre Geo & Environnement. No entanto, o orador da palestra sobre migração climática deixa claro: é importante agilizar mecanismos para auxiliar estes refugiados, mas há que atacar o problema pela raiz e combater as alterações climáticas. "A emigração ambiental não pode ser uma tentativa de solucionar a mudança do clima", defendeu.
Enquanto existirem - e aumentam a cada dia -, os refugiados não podem ser ignorados. Até porque estas pessoas sofrem muitas vezes, segundo Ibrahim Mbamoko, de outro tipo de problemas que acumulam. "Os refugiados climáticos são, muitas vezes, pessoas mais pobres, com falta de acesso a uma defesa justa e são rejeitados pelos países de acolhimento. É preciso trabalhar nas políticas destes migrantes para dar mais dignidade a quem chega de novo a um país, porque os refugiados climáticos também não saíram do seu país por vontade própria. Tiveram de o fazer. Estas vítimas não têm uma vida mais fácil do que os refugiados de um conflito bélico."
É neste sentido que aponta o estudo "Obrigados a deixar as suas casas", divulgado nesta segunda-feira pela Oxfam, a associação não governamental de que Monjur Rashid faz parte. Segundo o documento, os cidadãos mais vulneráveis às questões climáticas são os mais pobres. Apesar de serem "os que menos contribuíram para a poluição causada pelo CO2, são os que estão em maior risco".
Quem vive em países em desenvolvimento ou de médio rendimento, como a Índia, a Nigéria ou a Bolívia, tem quatro vezes mais probabilidades de ter de se deslocar devido a um desastre natural do que quem vive num país considerado desenvolvido. Já na Europa, ainda de acordo com a ONG, os países onde é mais comum a situação de refugiados ambientais são, por ordem: a República Checa, a Grécia e a Espanha, a "capital da luta contra as alterações climáticas" por estes dias, como apelidou o primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, no seu discurso na cerimónia de abertura da cimeira.
Os desastres climáticos tornaram-se a primeira causa da deslocação de pessoas em todo o mundo na última década. Por ano, mais de 20 milhões de cidadãos deixam as suas casas por causa de uma crise ambiental. Hoje é "três vezes mais provável que alguém seja forçado a deixar a sua casa por ciclones, inundações ou incêndios florestais do que por conflitos, e até sete vezes mais do que por terramotos ou erupções vulcânicas", refere o estudo da Oxfam.
Mariam Traore Chazalnoel, representante da Organização Internacional para as Migrações das Nações Unidas, lamenta estes números, mas não deixa de fazer um comentário otimista: "Foi uma longa jornada até conseguirmos pôr este assunto na agenda. Acho que estamos numa altura em que há vontade política e conhecimento para agir. Isto é um problema real e temos de fazer algo." De facto, os refugiados climáticos não foram esquecidos na 25.ª edição da Conferência das Partes, pelo menos do lado de fora da sala onde decorrem as negociações. O tema está tudo menos escondido, até nas paredes do metro da linha cor-de-rosa - que leva milhares de pessoas à feira de Madrid - se encontram os números de desalojados climáticos, em caracteres garrafais.
Resta saber até que ponto estão os decisores políticos dispostos a avançar durante as reuniões oficiais. O secretário-geral das Nações Unidas lançou o repto e pediu às nações para se entenderem em nome do clima. No discurso de abertura da COP25, António Guterres lembrou que é preciso rever o investimento em políticas ambientais, regulamentar os mercados de carbono, apoiar os países que sofrem com catástrofes ambientais e evitá-las sempre que possível.
"É necessário mudar a economia, o trabalho e os atos individuais. Se queremos a mudança, temos de ser a mudança. Não há tempo nem razão para adiar. Temos a tecnologia e a ciência necessárias, só temos de mostrar a vontade", disse o português.
O sucesso da reunião mundial depende das negociações que decorrerão nas próximas duas semanas e dos anúncios que se espera que os países façam para tornar mais ambiciosas as metas do Acordo de Paris (2015), insuficientes para travar a luta contra as alterações climáticas. Na cimeira do próximo ano, que acontecerá em Glasgow, no Reino Unido, os países terão obrigatoriamente de rever as metas estipuladas no tratado assinado na capital francesa e Madrid é a primeira etapa para alcançar a mudança.