A vitória da Real paciência sobre o domínio da força e da estatística
E vão 14! O Real Madrid festejou este sábado a conquista da Liga dos Campeões, uma competição que em 2020 tentou aniquilar para fundar uma Superliga europeia, só com os melhores e os mais ricos da Europa. O triunfo merengue sobre o Liverpool (1-0), além de lhe valer 136 milhões de euros mostra como o jogo cínico cabe no futebol moderno e pode bater os melhores e os mais geniais intervenientes do espetáculo futebolístico.
Mérito do "mister Champions" Carlo Ancelotti, que é agora o único treinador com quatro orelhudas no currículo (e ainda tem duas como jogador), superando Bob Paisley (Liverpool) e Zinedine Zidane (Real Madrid), ambos com três troféus. O italiano ganhou duas pelo AC Milan (2002-03 e 2006-07) e outras duas pelo Real Madrid (2013-14 e 2021-22) e já se tinha tornado nesta temporada o único da história a vencer os cinco principais campeonatos da Europa.
E se Vinícius Jr. marcou o golo, Courtois segurou a vitória.
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A final começou com um atraso de mais de meia hora por "questões de segurança". O anúncio nos altifalantes do estádio criou alguma apreensão nas bancadas ainda meio despidas e levou a UEFA a explicar a medida "em defesa dos adeptos", uma vez que um terço das 75 mil pessoas com bilhete para a final ainda estava fora do recinto. Para não começar o jogo sem os milhares de adeptos que tentaram forçar a entrada, a maioria afeta ao Liverpool (foram travados pela polícia), o organismo atrasou o início da Champions.
E depois de um segundo aquecimento, o jogo entre reds e blancos começou... devagar, devagarinho. O adiamento do apito inicial descarregou as pilhas das equipas ou seria mais um exemplo do cinismo estratégico de Ancelotti e do jogo cerebral de Klopp? A verdade é que não havia espaço para jogar e só aos 15 minutos começou a haver alguma emoção, quando Salah tentou surpreender Courtois. Depois foi Mané (que pode ter feito o último jogo pelos reds antes de se transferir para o Bayern) a tentar. O guarda-redes belga do Real Madrid fez duas defesas soberbas em pouco mais de cinco minutos (uma delas com ajuda do poste) e mostrou porque é o guarda-redes com mais defesas na prova.
Com o português Diogo Jota no banco, o Liverpool ia crescendo no jogo, muito por causa da dinâmica pelo lado direito. Aos 35 minutos, os ingleses tinham oito remates, cinco deles à baliza, contra zero (!) do Real Madrid, que tentava levar a bola no pé até Benzema, mas sem sucesso. Conseguiu-o num passe longo antes do intervalo, que acabou com a bola na baliza. Foi preciso o VAR entrar em ação para descortinar se o lance era ilegal. Não foi golo, mas ainda deu para assustar os adeptos do Liverpool que festejaram a anulação do golo como se de um golo red se tratasse.
A final que demorou a começar também demorou a ter golos (válidos). Só aconteceu no segundo tempo... como aconteceu nas outras duas finais entre os dois emblemas (o Real venceu em 2018, por 3-1, e o Liverpool ganhou em 1981, por 1-0). Os reds voltaram dos balneários com a mesma dinâmica do primeiro tempo, enquanto o Real continuava interessado em pausar o ritmo e fechar espaços - não confundir com posição defensiva. Foi mais um adormecer o adversário para dar o golpe fatal. Aos 59 minutos, e contra a corrente do jogo, Valverde foi pela direita, sem grande marcação, e conseguiu meter a bola na área, onde Vinícius Júnior apareceu ao segundo poste a finalizar (foi o segundo remate à baliza feito pelos merengues no jogo todo).
A resposta de Klopp foi... colocar Diogo Jota para o lugar de Luis Díaz. Sem mexer na estrutura da equipa, o técnico alemão apostava na iniciativa individual do português para ajudar Salah e Mané a criar mais desequilíbrios. Mas o problema não estava em criar oportunidades, mas sim em finalizá-las com sucesso. E muito por culpa de Courtois, que já depois dos 80 minutos voltou a voar para impedir aquele que seria um grande golo do egípcio. Foram as mãos do belga que seguraram a taça e deram ao Real Madrid a 14.ª Liga dos Campeões. No novo formato Champions (desde 1992) este foi o 8.º título - ninguém venceu mais neste formato.
Ficou assim provado que a vitória não é para quem ataca mais, mas quem ataca melhor! A vitória do Real Madrid impediu o pleno do futebol português. Depois de Gonçalo Paciência (E. Frankfurt) vencer a Liga Europa e de José Mourinho, Sérgio Oliveira e Rui Patrício conquistarem a Liga Conferência, Diogo Jota não conseguiu vencer a Liga dos Campeões. E Cristiano Ronaldo já não é o único jogador que venceu cinco Champions. Bale, Benzema, Carvajal, Isco e Marcelo também têm agora cinco.
"Sou um homem de sorte. Tive a sorte de chegar este ano e tivemos uma época fantástica, com um grande plantel, de muita qualidade e de caráter mental muito forte. Esta época foi top", reagiu Ancelotti, antes de ser questionado sobre a exibição de Courtois: "Foi inacreditável, não acredito." O guardião belga estava eufórico e pediu desculpa ao irmão em direto... por falhar o casamento dele, no domingo.
"Foi uma época fantástica. Estamos muito felizes por isso. Não posso acreditar. Foi um jogo difícil. Sofremos na primeira parte, mas no final, com todos os jogos que fizemos, penso que merecemos vencer esta competição. Não sei o que dizer mais, não consigo dizer mais nada..."
Em contraste com a alegria de Ancelotti, Klopp não escondeu a desilusão dos reds: "No balneário ninguém sente que é uma ótima temporada, obviamente... Fizemos um bom jogo, não um jogo perfeito, mas não acho um jogo perfeito teria sido possível de levar a cabo com a forma como o adversário jogou."
Para o técnico alemão, a equipa do Liverpool deveria ter sido mais ambiciosa e olhou já para a final de 2023 e pediu para "reservarem o hotel" já que a final é em Istambul, onde o Liverpool foi campeão de forma épica em 2005. O treinador lembrou as outras finais perdidas ao serviço do clube de Anfield: "Não é mau chegar à final e já é algo de sucesso. Não é o sucesso que queremos ter, mas acho que voltaremos de novo a uma final."
isaura.almeida@dn.pt