"Quem quer vida fácil aprende inglês ou espanhol. No Goethe-Institut só estão os corajosos"
"Quem quer a vida fácil vai aprender inglês ou espanhol, no Goethe-Institut só estão os corajosos." Quem o diz é Eulália Alves, professora no instituto alemão desde 2012. A conversa decorre através de ecrãs, como todas as aulas que a professora - que está prestes a regressar das férias em Espanha - deu desde o início da pandemia de covid-19.
"Correu bem", admite agora, olhando para trás. Mas neste início de ano letivo, e com as aulas presenciais a começar só na próxima semana, não deixa de ser estranho para quem visita o instituto situado no Campo Mártires da Pátria, ali bem ao lado da Embaixada da Alemanha em Lisboa, ver os corredores vazios e até o jardim, geralmente fervilhante de gente a aproveitar as temperaturas amenas do outono lisboeta, com apenas meia dúzia de pessoas sentadas às mesas do bar.
"Foi de um dia para o outro e ficámos em estado de choque", confessa Eulália sobre a transição abrupta que todos no Goethe tiveram de fazer para o digital devido à chegada do novo coronavírus. Até porque "a nossa técnica de ensino é muito corporal". Mas a adaptação foi rápida. Por coincidência, ela e outros colegas até tinham feito uma formação nessa área, até porque a covid não foi a única razão para o instituto apostar nas aulas online. E "de repente éramos os peritos", ri-se.
E se é verdade que o ensino através de um ecrã pode ter vantagens - o Goethe-Institut passou a ter alunos não só de Lisboa e do Porto, mas de Cabo Verde, Itália ou Hong Kong -, também foi um desafio que parece estar a ser superado. Que o diga Alcina Viana. Criada em Dortmund, onde viveu 19 anos e fez toda a escolaridade até vir estudar Engenharia Civil para Portugal em 1994, a professora (que tem o alemão como língua materna, como Eulália e todos os docentes do instituto) começou na segunda-feira um curso online de nível 5 e garante: "Os alunos estão muito motivados para este tipo de aulas." E estamos a falar de pessoas com formações muito variadas, como Medicina, Farmácia, Engenharia, Jornalismo, Psicologia, ou até da construção civil. Em comum? "A maioria gostaria de emigrar para a Alemanha ou trabalhar em multinacionais, onde o alemão é uma mais-valia."
Uma realidade que Beata Weber confirma. A diretora do Departamento de Língua explica que "a nossa experiência no Goethe-Institut mostra que, sobretudo em tempos de crise económica, o alemão é muito procurado porque os alunos veem esta língua como uma mais-valia na sua carreira profissional - e têm razão: a procura de mão-de-obra qualificada com bons conhecimentos de alemão é grande, em Portugal e na Alemanha."
O que também aumenta em tempos de crise, segundo Beata Weber, é o interesse das escolas no projeto PEPA. Mas o que é este projeto, afinal? "Existem neste momento cerca de 160 escolas em Portugal nas quais há a possibilidade de aprender alemão. Com 48 (38 em Portugal continental, seis na Madeira e quatro nos Açores) destas 160 escolas temos um acordo que se chama Projeto PEPA [Projeto de Escolas-Piloto de Alemão]. Este acordo que existe há mais de dez anos foi assinado pelo Goethe-Institut Portugal, pela Direção-Geral da Educação, pela Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares de Portugal Continental e pela Associação Portuguesa de Professores de Alemão, e encontra-se sob custódia da Embaixada Alemã."
O objetivo é "ajudar os professores de Alemão possibilitando formações e seminários, tal como bolsas para que lhes permitam frequentar seminários na Alemanha", garante a diretora do Departamento de Língua, mas o acordo também "pretende fornecer ajuda às escolas através do envio de material ou de aconselhamentos específicos na área de alemão. Por último, o instituto oferece programas culturais para alunos". Estes incluem o festival de teatro para alunos Alemão em Cena ou concertos e workshops musicais, o jornal de alunos online Digitale Klicke, para o qual os estudantes das diferentes escolas se reúnem duas vezes por ano para elaborar os artigos, ou o Jugendkongress, um congresso juvenil cujo tópico é a vida sustentável.
Apesar de concordarem que existe um preconceito contra a língua alemã - Eulália fala em "monstro horroroso" e Beata Weber admitir que as pessoas acham "que o alemão é uma língua difícil" -, ambas garantem que quando percebem que afinal não é bem assim, os alunos se entusiasmam.
No mundo há 130 milhões de pessoas que têm o alemão como língua materna, o que abre um sem-fim de oportunidades aos seus falantes. Isso mesmo pensou Marisa Fernandes. Foi ainda em criança que se interessou pela primeira vez pela história e pela cultura da Alemanha, influenciada por duas tias que lá viviam e todos os verões vinham a Portugal e contavam as suas experiências. "Comecei a aprender alemão no ensino secundário, no Liceu Camões, depois tive aulas numa cadeira livre na licenciatura em Ciência Política e Relações Internacionais na FCSH-UNL. Estive sem aulas cerca de dois anos, estudando sozinha em casa, até que em 2011 decidi retomar a sério e vir estudar para o Goethe", conta.
Para uma curiosa sobre o papel da Alemanha na história e nas relações internacionais, o acesso direto às fontes em alemão era essencial. Hoje, aluna de nível C2, o máximo, garante que tanto consegue ler romances como livros mais técnicos "sem estar constantemente a ir ao dicionário", usando a língua alemã tanto "em trabalho como em lazer".
Casada com um alemão e tendo vivido grande parte da vida na Alemanha, onde fez a sua formação académica, a professora Eulália confirma as dificuldades e conta como adora trabalhar com os alunos do nível inicial. Destaca as suas reações quando na primeira aula percebem que o professor só vai falar alemão. "Ficam a digerir o choque", conta com uma gargalhada. Mas depressa percebem que afinal não é assim tão complicado e até os mais tímidos começam a falar.
"Há muitos clichés, sobretudo por causa dos filmes sobre a II Guerra Mundial. Os alunos têm uma ideia do som do alemão que não é real." Um conselho? "Costumo dizer-lhes que mesmo que tenham sotaque, o sotaque português até é simpático, não dificulta a comunicação", e depois "aconselho sempre a que vejam filmes que não são clichés. Há muitos na nossa biblioteca."