Quem paga anúncios políticos no Facebook em Portugal?
No dia 2 de abril, a angolana Isabel dos Santos comprou dois anúncios ao Facebook. Não se sabe o que diziam, só que a rede social os considera "políticos" e que, a certa altura, decidiu retirá-los porque infringiam as "políticas de publicidade" da casa. A curiosidade não será satisfeita pelo relatório que foi divulgado nesta sexta-feira, no qual constam todas as 1354 pessoas e entidades que pagaram por mais de seis mil anúncios pouco mais de 63 mil euros, desde março.
O nome da filha do ex-presidente angolano está ao lado dos maiores partidos portugueses, de instituições europeias (Parlamento, Comissão) e de centenas de páginas e marcas que não têm nada que ver com política, nem com Portugal, mas aparecem neste registo que, garante o Facebook, apresenta "o número de anúncios relacionados com política e assuntos de relevância e o montante total gasto com esses anúncios, alcançando pessoas no país selecionado".
Para simplificar, quase todo o dinheiro gasto em anúncios políticos que correram nas páginas portuguesas do Facebook veio de Bruxelas. Só o Parlamento Europeu gastou quase 40 mil euros. Segue-se a Comissão, com quase oito mil euros. E o Partido Socialista Europeu (perto de três mil) e o seu grupo parlamentar (3400) fecham a lista. Todos os outros anunciantes juntos (1350) gastaram menos de dez mil euros.
A Juventude Popular, do CDS, é um dos clientes - apesar de não ter orçamento próprio - seja para dar a conhecer a candidata dos Açores seja para acusar a Juventude Socialista de Cascais de mentir, por exemplo. Ou para pagar um anúncio de boa Páscoa de Francisco Mota, dirigente da distrital de Braga: "Amigos e Amigas desejo Uma Santa e feliz Páscoa, na esperança de que cada família, em especial as Bracarenses, reinvente, no seu íntimo, a Luz de Jesus Ressuscitado. Que as novas e futuras gerações possam confiar na luz da verdade, do mérito, da transparência e da solidariedade. Que o caminho da verdade e da vida inspire os decisores políticos, na garantia do hoje, sem comprometer o amanhã e que renovem os compromissos do Homem Novo."
Mas também há um líder ribatejano da Juventude Socialista, João Seabra Catela, que paga um anúncio para elogiar... o líder da Juventude Popular. Francisco Rodrigues dos Santos é ali descrito como "um militante que já reunia condições de integrar uma lista num lugar elegível nas últimas legislativas". E mais: "é o líder mais conhecido e interventivo entre os demais nas juventudes partidárias"; "a sua popularidade acaba por ser transversal entre as diferentes faixas etárias da população"; "uma posição como cabeça de lista seria a escolha mais acertada para aquele que tem o maior potencial crescimento e angariação de votos entre os quadros do CDS".
Os elogios custaram a Catela cerca de cem euros, e foram pagos ao Facebook no dia 8 de abril. Mas não ficou muito tempo online, explica a plataforma: "Este anúncio foi publicado sem um aviso legal. Após a publicação do anúncio, determinámos que estava relacionado com política e assuntos de relevância nacional, o que exigia a apresentação dessa indicação. O anúncio foi removido."
A regra, entre os políticos portugueses que pagam anúncios, é convocar o público para qualquer coisa. Um almoço com militantes, um debate, um texto que escreveram. Foi o que fizeram, por exemplo, Pedro Marques (PS), Margarida Mano (PSD), José Ribeiro e Castro (CDS), Miguel Viegas (PCP), o site do BE (Esquerda.net) ou o Aliança.
Há também políticos que compram anúncios para criticar. No caso de Altino Bessa, do CDS, o alvo são os adversários internos, a quem quis explicar o que - na sua opinião - tinha acontecido numa reunião do partido em Braga. António Leitão Amaro, deputado do PSD, comprou um anúncio para criticar o PS: "O Governo socialista a dormir, o País a ficar para trás. Mudança para mais crescimento e emprego com qualidade, só com as eleições."
Já o deputado do PSD Bruno Vitorino comprou anúncios para falar do seu tema de eleição: "Uma criança de 6 anos não tem de saber o que é um gay, uma lésbica, um intersexo, para ser educado para ser tolerante com a diferença. #DeixemAsCriançasEmPaz".
O outro anúncio de Vitorino é a partilha de um texto de opinião que escreveu para o Observador. Essa é, curiosamente, outra tendência visível em Portugal. O deputado socialista Paulo Trigo Pereira também comprou um anúncio para divulgar o que ali escreveu. E o Sindicato Nacional do Ensino Superior (SNESup) gostou tanto de um artigo de Gonçalo Leite Velho que resolveu pagar dois anúncios para o difundir nas redes sociais.
Só há, na lista revelada pelo Facebook, um exemplo de anúncio político que foi pago por uma entidade externa a um candidato português. É o apelo ao voto feito pelo partido liberal europeu, ALDE, ao candidato da Iniciativa Liberal, Ricardo Arroja. A rede social chegou a anunciar que iria impedir a publicação de publicidade oriunda de outros países - o que causou polémica, uma vez que a União Europeia tem estruturas partidárias transnacionais que sentem o direito de fazer campanha em vários países. Quer o PPE (a que pertencem o PSD e o CDS) quer o S&D (do PS) optaram por não pagar anúncios com os cabeças-de-lista portugueses dos seus partidos.
Mas a longa lista divulgada pelo Facebook tem um problema: o que significa "política" para a rede social? Uma grande parte dos anúncios agora divulgados - conferidos um a um pelo DN - não são exatamente sobre política, podemos assegurar.
Há centenas de apelos à "salvação do planeta", por exemplo - todos eles vagos e com imagens idílicas. Muitos outros tentam convencer-nos a reduzir o consumo de plásticos. Outros tantos pedem que usemos energias renováveis. A todos o Facebook classifica como políticos.
Mais difícil de entender é que a mesma classificação seja atribuída a dezenas de lojas online que vendem roupa, sapatos, guitarras elétricas, entre outros objetos. Na lista estão, seguramente por lapso, a DHL (empresa de transporte de mercadorias e distribuição), a editora Penguin, entre outras marcas conhecidas que não compraram publicidade política.
Por outro lado, o Facebook revela, nesta lista, que vendeu anúncios, para o público português, a entidades pouco recomendáveis, como o site Per Mariam, que divulga fake news como estas: "George Soros, Barack Obama e Hillary Clinton orquestraram um golpe no Vaticano para derrubar o Papa Conservador Bento XVI"; "múltiplas fontes dentro do Vaticano dizem que o relato de uma orgia gay movida a drogas ao lado da Catedral de São Pedro é verdadeiro" ou "ativistas gays pedem ao gigante de tecnologia Google que remova um aplicativo cristão de sua loja online porque contém informações sobre como superar atrações".