No início desta semana, os moradores da freguesia dos Olivais, em Lisboa, começaram a ser alertados para a aplicação do herbicida Roundup Ultra Max e para que tivessem cuidado no contacto com a pele "nas 24 horas após a aplicação". O químico em causa é o glifosato, produto envolvido em polémicas e sobre o qual recaem suspeitas de ser nocivo à saúde de pessoas e animais e até de poder causar cancro. Em Portugal, a aplicação do glifosato não é proibida - a Comissão Europeia decidiu autorizar o herbicida até 2022 - e dos 308 municípios, apenas 16 já deixaram de o utilizar em zonas urbanas. Em Lisboa, só quatro freguesias não o usam..O efeito tóxico do herbicida divide opiniões, mas em 2015 o glifosato foi classificado pela Agência Internacional para a Investigação sobre o Cancro (IARC), um órgão da Organização Mundial de Saúde, como "carcinogéneo provável para o ser humano" e o seu uso, em testes, provocou cancro em animais de laboratório. Em Portugal, é o herbicida mais usado e serve para matar ervas daninhas e infestantes..No ano passado, um tribunal de São Francisco, nos EUA, condenou a Monsanto (comprada pela Bayer), que comercializa o produto, a pagar 290 milhões de dólares (255 milhões de euros) por esconder os perigos do herbicida Roundup, que terá estado na origem do cancro desenvolvido por um jardineiro. Uma indemnização posteriormente reduzida, mas que provocou danos elevados na imagem e nas contas da gigante alemã..Em fevereiro,novos dados revelaram que os especialistas contratados pela União Europeia para avaliar o herbicida mais usado no mundo copiaram uma grande quantidade de informação dos relatórios produzidos pela indústria. Uma revelação que reacendeu a discussão, já que foi esse documento que serviu de base à renovação da autorização do composto por mais cinco anos, em 2017, na UE. Contudo, apesar das acusações, a Comissão Europeia decidiu manter o herbicida autorizado até 2022..Em 2017, o Conselho de Ministros aprovou a proibição do uso de fitofármacos em espaços públicos em Portugal. Desta forma, a aplicação de produtos como o glifosato ficou proibida em jardins, parques de campismo, hospitais e centros de saúde, lares de idosos e escolas. Mas a sua utilização para limpar as ruas continua a ser permitida..Margarida Silva, da Plataforma Transgénicos Fora, explica a resistência em abandonar o produto. "O glifosato é muito barato, é eficaz, não é preciso estar sempre a aplicar. O único problema é que é péssimo para a saúde e para o ambiente", diz ao DN.."A cultura instalada nas empresas e entre as pessoas que usam estes químicos é que o glifosato não faz mal. E até 2015 todos concordavam [que não era prejudicial], porque não havia dados que demonstrassem o contrário", acrescenta..Um ano antes, em março de 2014, a Quercus lançou uma campanha, em colaboração com a Plataforma Transgénicos Fora, destinada às autarquias e com o objetivo de "alterar a prática generalizada do uso dos herbicidas para controlo de plantas infestantes (também designadas de espontâneas ou daninhas)". .A iniciativa consta de um manifesto de adesão - que as câmaras municipais e juntas de freguesia podem assinar - e no qual se comprometem a "abandonar o uso de herbicidas e, em particular, do glifosato, nas áreas da sua responsabilidade, quer diretamente quer através de empresas concessionárias, tendo em vista contribuir ativamente para um melhor ambiente no seu território e para a proteção da saúde e da qualidade de vida dos seus habitantes"..Em quatro anos, apenas 16 municípios e 36 freguesias aderiram à campanha e começaram a usar métodos alternativos à utilização do glifosato - como a monda mecânica ou outros meios manuais -, mas este é um número que está a crescer, diz Alexandra Azevedo, membro da Quercus e coordenadora da campanha Autarquias sem Glifosato/Herbicidas..Maioria das freguesias de Lisboa segue exemplo dos Olivais."Mafra foi o último município a aderir [em abril], mas temos a informação de que o município de Serpa também já não utiliza o glifosato, estamos só a aguardar que assine o manifesto. Outras duas freguesias também se irão juntar à lista", revelou a ativista. "É muito pouco, mas já é um começo", afirma..Em Lisboa, apenas quatro das 24 freguesias deixaram de usar glifosato: Estrela, São Vicente e Carnide e Penha de França. No entanto, a câmara municipal tem vindo a reduzir o uso de herbicidas e "estão a ser implementadas várias medidas positivas de uma conceção mais natural e de baixa manutenção de alguns espaços (como separadores centrais), mas tanto quanto se sabe ainda não abandonou totalmente o glifosato, e haverá ainda muito a fazer ao nível das juntas de freguesia", revela Alexandra Azevedo..A decisão de usar o produto nos espaços urbanos é variável e a gestão urbana pode ser competência da autarquia ou da junta de freguesia, por isso é que um município poderá não usar o químico, mas uma freguesia do mesmo concelho poderá optar pelo seu uso. "Ainda só passaram quatro anos [desde que o glifosato foi classificado como carcinogéneo provável para o ser humano]. Estou convencida de que acabará por ser proibido - os sinais já são muitos. Mas também não acho que deva ser proibido sem mais nem menos, ia empurrar as pessoas para soluções piores", afirma Margarida Silva..Ao DN, e após a publicação da notícia esta quinta-feira, a Junta de Freguesia dos Olivais (JFO) esclareceu que "utiliza pontualmente, de forma controlada, na diluição permitida, um herbicida sistémico, para combater as ervas infestantes na calçada da freguesia" a acrescentou que a "deservagem mecânica e manual têm sido os métodos preferenciais para o combate das ervas nos passeios, porque até 2017 a equipa da Divisão de Ambiente Urbano da junta aplicava vinagre de álcool e cloreto de sódio..O ano passado, um ofício da Direção Geral de Alimentação e Veterinária acabou por inviabilizar aa utilização de vinagre de álcool ou sal, esclarece a junta de freguesia, que manifestou o intuito de "dar preferência a metodologias alternativas em detrimento dos produtos fitofarmacêuticos, porém face à dimensão da freguesia - cento e noventa ruas e oitenta e oito circuitos - não é viável a eliminação integral deste método".."Desde o inicio do ano até ao presente momento, com mais recursos humanos e mais meios mecânicos, não foram aplicados produtos fitofarmacêuticos na zona norte da freguesia, excetuando duas situações", acrescentou..Quais são as alternativas ao glifosato?.A ativista da Plataforma Transgénicos Fora diz que em relação ao uso do glifosato, Portugal precisa de "uma mudança cultural e não apenas de uma mudança de princípio ativo". E dá exemplos, como o uso de um herbicida natural - o ácido pelargónico é dos mais utilizados -, mas ainda assim deveria ser usado "como herbicida de transição", refere Margarida Silva, para quem o ideal é que no futuro o uso de herbicidas - químicos ou naturais - seja completamente erradicado..Mafra, o último município a aderir à campanha Autarquias sem Glifosato/Herbicidas, anunciou que vai deixar de utilizar produtos fitofarmacêuticos à base de glifosato e outros herbicidas e também se comprometeu a reforçar o pessoal e a dar prioridade à utilização de meios mecânicos nas limpezas.."Quando não existam outras alternativas viáveis, nomeadamente meios de combate mecânicos, deverá recorrer-se à aplicação autorizada, por utilizadores profissionais, de herbicida biológico à base de ácido pelargónico", refere o memorando da campanha..Na assinatura do manifesto, em abril, Mafra anunciou um investimento de 300 mil euros na aquisição de 11 varredouras de ervas daninhas, a distribuir uma por cada junta, e seis tratores de corte de ervas daninhas para as freguesias mais rurais do concelho..(Notícia atualizada às 17:08 com a inclusão da Junta de Freguesia da Penha de França. A campanha Autarquias sem Glifosato/Herbicidas só contabiliza as câmaras municipais e juntas de freguesia que assinaram o manifesto.).(Adicionado esclarecimento da Junta de Freguesia dos Olivais a 26 de julho, às 18:21).