"Quando isto passar vamos ver Guimarães como turistas"

O autor Pedro Chagas Freitas quer voltar ao Toural, ao estádio, para ver o Vitória, com o filho, porque "a vida sem andar de baloiço não tem graça nenhuma"
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Pai, porque não vamos ao parque?" A vida sem andar de baloiço não tem graça nenhuma, eu sei, meu filho. Nem sem o abraço dos avós, sem a mesa com amigos à volta, sem gargalhadas no meio da festa. A vida sem andar de baloiço não tem graça nenhuma.

Quando isto passar, vamos ver a vida como turistas. A felicidade pode muito bem ser olhar para a vida como turistas, máquina ao ombro, a sentir o que nos acontece. Acontece-nos tanto que nós não deixamos que nos aconteça. Quando isto passar vamos ver a vida como turistas.

Quando isto passar, vamos descer a nossa D. João IV de braço dado, entrar em todas as lojas, comprar alguma coisa só para dizermos que sim, que agradecemos terem resistido, terem sobrevivido. Agradece-se pouco a sobrevivência, e é a única coisa que temos mesmo para agradecer.

Quando isto passar, vamos subir o Largo da República do Brasil, vamos fazer poses, vou dizer-te que se a igreja lá ao fundo não é um dos cenários mais bonitos do Mundo está lá perto, mas tenho a certeza que é. Depois vamos pela Alameda até ao Toural, vamos correr como loucos, vamos saber que é assim, também assim, que se prova a liberdade. Agradece-se pouco a liberdade, e é a única coisa que temos mesmo para agradecer.

Quando isto passar, vamos ao Milenário, vais ouvir conversas sobre o Vitória, a política, vais sentir que a cidade é mais isto do que outra coisa qualquer, as pessoas que falam do que vêem, do que sentem, que passam a vida sem se limitarem a verem-na passar. Agradece-se pouco a vida não ser apenas tempo a passar, e é a única coisa que temos mesmo para agradecer.

Quando isto passar, vamos ao estádio ver um jogo, e não vais ver jogo nenhum; vais ver a forma como quando a bola se aproxima da baliza as pessoas se vão levantando, como as bocas se preparam para a explosão do golo, as palavras menos próprias que a paixão nos faz dizer, o abraço a desconhecidos quando a felicidade acontece, o milagre inexplicável que faz com que uma bola numa rede nos salve da dor. Agradece-se pouco aquilo que nos cura do que nos faz doer, e é a única coisa que temos mesmo para agradecer.

Quando isto passar, vamos aproveitar tanta coisa. Até lá, aqui estaremos, a ver a cidade pela janela, linda como só ela, o castelo, o Paço dos Duques, a montanha (somos tão grandes que temos uma montanha só nossa). Vista ao longe a cidade é a mesma. A felicidade pode muito bem ser não olhar ao perto.

Estamos fechados e por isso tenho a felicidade de te ver crescer todo o dia, todos os dias. Agradece-se pouco o amor que temos, e é a única coisa que temos mesmo para agradecer.

Mas sim, filho. Sim. A vida sem andar de baloiço não tem graça nenhuma.

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