Professores fazem nova greve já este mês, com manifestação "enormíssima" na mira
O auditório do edifício número 14 da Rua Castilho, em Lisboa, assistiu esta quarta-feira a reencontros de professores e educadores de vários pontos do país, antigos e atuais colegas de profissão que se juntaram para discutir os problemas que enfrentam nas suas escolas. Eram mais de 400, uma casa cheia, mas o ambiente não era de festa. Adivinhavam uma reunião com temas difíceis. A educação em Portugal já lhes traz mais preocupações do que a satisfação que colheram quando ainda eram uns jovens em busca de uma profissão de sonho. Contudo, o assunto não é novo e, por isso, à semelhança do que acontece todos os anos, sob iniciativa da Federação Nacional dos Professores (Fenprof), uniram-se numa única sala para debater o calendário das suas lutas, aprovado por unanimidade. A próxima greve acontece ainda este mês, mas não afetará o horário letivo dos alunos.
Lá fora, José Gonçalves, antigo professor de 74 anos, aguardava, ansioso, mãos ora nos bolsos ora fora deles. Preparava-se para ouvir velhos e atuais colegas, saber como corre a vida daqueles que escolheram ser educador ou professor, profissão da qual se aposentou "há tantos anos que já perdeu a conta". No seu tempo, lembra, "mesmo que um batalhão saísse à rua, não se lia nada nos jornais". Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades e "agora ouve-se falar muito sobre o que se passa nas escolas e com os professores". Está tudo "a céu aberto" e "ainda bem", desabafa. Mesmo que as lutas tenham mudado tanto desde esse seu tempo, continuam "muitas" e todas elas foram debatidas esta quarta-feira.
O trabalho extraordinário, por exemplo, até poderia ser tema de conversa, mas não era um problema que merecesse o debate que hoje merece, lembra. Por isso mesmo, motiva a próxima greve do calendário sindical aprovado em plenário. "Caso continue a não ser dada qualquer resposta a questões que vêm sendo colocadas ao Ministério da Educação e constituem prioridades reivindicativas dos docentes", a Fenprof, organizador deste plenário, pretende "entregar pré-avisos de greve a toda a atividade" das escolas, nos dias 24 e 26 de fevereiro, lê-se no projeto de resolução entregue pelo sindicato. Uma greve que não afetará o período de aulas dos alunos, visto decorrer em dias de férias letivas, apenas o trabalho a horas extraordinárias dos docentes.
Contudo, o secretário-geral da Fenprof não descarta a "possibilidade de greve em período de avaliações", justificando a ausência desta iniciativa do plano com as "alterações do quadro legal". "Não marcamos, porque não queríamos estar a mandar os professores para uma greve que não sabemos se vamos poder fazer, legalmente, como aconteceu com a última", justificou-se perante os restantes professores, educadores e representantes sindicais presentes na sala.
O calendário da luta sindical arranca já esta quinta-feira, com um debate nas galerias da Assembleia da República, no seguimento da petição enviada pela Fenprof ao governo, em março do ano passado, "Por um regime democrático de gestão das escolas". Ainda em fevereiro, a 27 de fevereiro, o sindicato tem em vista entregar "ao primeiro-ministro cinco mil postais assinados por docentes, de protesto e exigência relativos a carreiras, precariedade e aposentação".
Todas as questões apresentadas em plenário pareceram reunir unanimidade dos professores, desde as consequências da municipalização, que "vem retirar a autonomia que as escolas precisam" à consideração de que as opiniões e metas do governo se encontram distantes da realidade escolar. Por isso mesmo, o projeto de resolução aprovado esta quarta-feira aponta como objetivo "instar junto do primeiro-ministro a substituição do atual ministro da Educação", Tiago Brandão Rodrigues. Um governante que o secretário-geral da Fenprof considera ser "um obstáculo à negociação". "Não deixa que exponham a sua ideia, no momento em que percebe que não vai de encontro à sua. Até podemos ter acordos e desacordos, mas que seja alguém capaz de dialogar", disse.
O documento aprovado pelos presentes no auditório será ainda hoje entregue ao primeiro-ministro, em mãos, na sua residência oficial, para onde partiram após o plenário.
No mesmo, os sindicatos decidem também, no início de março, apresentar quatro principais propostas à tutela: a normalização da carreira docente, com a recuperação do tempo de serviço de seis anos, seis meses e 23 dias e a progressão dos 5.º e 7.º escalões; o rejuvenescimento da profissão, com alterações no regime de aposentação e no direito à pré-reforma; a regulamentação dos horários de trabalho; e "alterações ao atual regime" de contratação de professores.
A Fenprof inicia também uma "campanha à escala nacional que dê grande visibilidade à exigência de 6% do PIB para a Educação", atualmente nos 3,4%.
O plenário teve lugar na sede da Associação de Comerciantes, a poucos metros da Avenida da Liberdade, o epicentro de inúmeras manifestações de professores e educadores, que desceram a rua com palavras de ordem, desenhadas nas camisolas ou em riste nos seus cartazes. A primeira de grandes dimensões aconteceu em 2008. A Marcha da Indignação, como assim ficou conhecida, juntou mais de 100 mil profissionais no coração de Lisboa e ficou qualificada como a maior manifestação de sempre de um único grupo profissional em Portugal. Passados 12 anos, a luta, ainda que diferente, continua.
Desde então, Portugal já perdeu quase 30 mil professores e educadores, tendo agora cerca de 140 mil profissionais. O que só por si tornaria difícil repetir o feito de há 12 anos, por não existirem tantos pés para pisar a mesma calçada. "Já não é possível fazer uma greve dessas, porque já quase não há esse número de professores", lembrou Mário Nogueira, em entrevista ao DN. Além disso, hoje os profissionais "sentem alguns cansaços, alguns desânimos, algumas acomodações" e "também já começa a surgir muita descrença (na luta sindical)".
É nestas alturas, contudo, que a luta deve impor-se sobre as vontades, avança Mário Nogueira. Por isso, as manifestações prosseguem e a Fenprof espera que haja já uma outra no decorrer do 3.º período. Com mais ou menos professores do que aquele março de 2008, o secretário-geral não tem dúvidas de que será "enormíssima".
A escassez de professores tem trazido mazelas às escolas, obrigadas a recorrer a profissionais sem habilitações e alunos a fazer horário extracurricular para garantirem a sua avaliação no final do ano letivo. E o tema não foi esquecido no plenário desta quarta-feira. "Que preço é que o país vai pagar quando não tiver professores qualificados?", lançou a questão Manuela Mendonça, da Fenprof. O cenário, diz, "está para breve".
Tudo isto "era previsível", confidencia o professor aposentado José Gonçalves. Ao longo dos anos, com início já no seu tempo, "a imagem errada dos professores foi sendo construída e disseminada". "Pensam que não trabalhamos, que não fazemos falta", frisa. A seu ver, este caminho só tinha uma sina: uma classe envelhecida, porque os mais novos não escolhem esta profissão. "Um jovem que hoje quer ser professor? Ui, dizem-lhe logo que isso não tem futuro", remata.
De acordo com os dados do relatório Educação em Número 2019, da Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC), só há mil professores abaixo dos 30 anos em Portugal, quando há 20 anos eram quase 30 mil. Vários cursos de educação no ensino superior continuam a ficar vazios, ao passo que a classe docente vai envelhecendo. A professora Henriqueta é a prova destas estatísticas, como lembrou esta quarta-feira em frente à plateia. "Chamo-me Henriqueta, tenho 20 anos de trabalho, 16 de serviço. Quando entrei era a mais nova na escola, hoje continuo a ser e isso preocupa-me", conta.
A professora lamenta o "excesso de trabalho burocrático" ao qual os professores estão sujeitos. "Ninguém vê o trabalho pela noite dentro", desabafa. "Mais do que uma greve, precisamos de uma atitude de muita firmeza. A medida mais acertada seria exigirmos fazer as sete horas diárias presenciais, exatamente nos termos do código de trabalho", reivindicou.
Só a luta sindical, na opinião destes profissionais, poderá obrigar o governo a tomar medidas sobre os problemas que enunciam. Se não fosse os sindicatos, diz Mário Nogueira, "não tínhamos conseguido que as carreiras descongelassem". "Foi a luta dos professores que já fez conta da recuperação do tempo de serviço" - ou os famosos 2A9M18D (dois anos, nove meses e 18 dias) - "e é a luta" que vai voltar a regular o relógio para a recuperação de seis anos, seis meses e 23 dias, remata o secretário-geral da Fenprof.
O professor José Gonçalves promete acompanhar todas as batalhas. Mesmo aposentado, "nunca se deixa de ser professor", ainda mais quando "a luta de hoje é a luta de gerações que ensinamos".