Portugueses procuram alternativa sustentável ao plástico

Estudo do ITQB Nova desvendou a química de dois polímeros vegetais, um deles abundante na cortiça. Equipa está agora a tentar desenvolver um novo biomaterial reciclável e sustentável.
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Um grupo de investigadores do ITQB NOVA conseguiu pela primeira vez determinar em pormenor a estrutura química de dois polímeros vegetais, uma espécie de plástico natural, abrindo portas ao desenvolvimento de novos materiais bioplásticos totalmente recicláveis, que poderão tornar-se a breve prazo uma resposta eficaz para mudar de vez o paradigma da civilização do plástico poluente.

Liderada por Cristina Silva Pereira, a equipa extraiu pela primeira vez, a partir de cascas árvores e de frutos, a estrutura intacta da suberina e da cutina - os tais dois polímeros vegetais.

Foi esse passo que, por sua vez, permitiu determinar, também numa estreia absoluta, a estrutura química em 3D daqueles polímeros, e estudar minuciosamente o papel que cumprem no funcionamento das plantas: esse conhecimento será agora decisivo para o desenvolvimento dos novos bioplásticos totalmente recicláveis, como acredita a equipa.

O estudo sobre a cutina, que constitui uma rede mais exterior nas estruturas vegetais, e que está presente na cutícula de folhas e frutos - sendo, portanto, de muito fácil acesso -, acaba de ser publicado na edição de agosto da revista científica Plant Physiology.

O estudo sobre a suberina, que existe nas raízes e cascas de árvores e plantas e que está presente na cortiça, o material que a equipa do ITQB usa para fazer a sua investigação, foi publicado já neste ano na Material Today Bio.

A investigação, financiada pela União Europeia através do programa Horizonte 2020 e do European Research Council (ERC), foi feita com ressonância magnética nuclear no próprio ITQB, que dispõe "do magneto com maior resolução em Portugal para fazer este tipo de estudos", explica a coordenadora da investigação.

Nesta altura, a equipa está já no passo seguinte: a tentar produzir em modo experimental um novo biomaterial a partir daqueles polímeros, utilizando resíduos das indústrias de tomate e da cortiça, e "com resultados promissores", assegura Cristina Silva Pereira.

"Até ao final do ano tomaremos uma decisão sobre se vamos registar patente, ou se precisamos ainda de continuar a estudar o processo", adianta a investigadora.

Do plástico poluente aos bioplásticos recicláveis

Desde que se descobriu em 1997, por mero acaso, a gigantesca ilha de plástico do oceano Pacífico, a consciencialização sobre o problema da poluição pelo plástico tem evoluído a par e passo com os conhecimentos que a ciência foi ganhando.

Descobriu-se entretanto que as ilhas de plástico, que atingem nesta altura proporções idênticas à de países de grandes dimensões, existem em todos os oceanos. Mas, além desse problema que é bem visível, até do espaço, o plástico gerou um outro que não se vê a olho nu, e cujas repercussões nos ecossistemas e na saúde humana são ainda uma incerteza. Esse problema chama-se microplásticos.

Os estudos científicos mostraram que os plásticos, sendo materiais robustos, que podem permanecer até 500 anos no ambiente, se fragmentam ao longo do tempo em pedaços cada vez mais pequenos, que acabam por inundar o ambiente e entrar na cadeia alimentar. Hoje sabe-se que eles já lá estão, não só no peixe que consumimos mas também na própria água que bebemos.

A par das medidas que os países têm entretanto tomado para reduzir o consumo do plástico e promover a sua reutilização, taxando os sacos, por exemplo, e proibindo os utensílios de utilização única, o mundo da ciência lançou-se à procura de alternativas mais sustentáveis.

Surgiram assim os bioplásticos, que nesta altura são sobretudo feitos a partir de diferentes produtos vegetais, como a celulose, os PHA (polihidroxialcanoatos), que existem, por exemplo, no milho, na batata ou em óleos vegetais, ou os PLA (ácidos polilácticos), retirados também do milho, batatas ou trigo, entre outros. No entanto, todos eles têm ainda, pelo menos por enquanto, algum senão: ou não são completamente recicláveis, ou têm propriedades mecânicas pobres, ou são de difícil processamento.

É aqui que entra o trabalho da equipa do ITQB NOVA sobre a suberina e a cutina, que já leva cerca de uma década e que pretende chegar mais longe: ao desenvolvimento de um biomaterial sustentável que possa substituir o plástico.

"Estes polímeros desempenham funções específicas nas plantas, nomeadamente na proteção contra agentes patogénicos ou os raios ultravioletas, na permeabilidade à água ou na seleção dos iões, e nós decidimos estudar a sua química a nível fundamental para podermos avançar a partir daí", explica a coordenadora do estudo.

"As plantas têm a capacidade de manipular estes polímeros com objetivos específicos, o que significa que se compreendermos esse processo, poderemos pensar em reproduzir essas funções específicas e até criar outras que possam ser interessantes para o desenvolvimento de novos bioplásticos completamente recicláveis, garantindo assim que a nossa solução será completamente sustentável", sublinha.

A cutina e a suberina têm a grande vantagem de serem muito abundantes na natureza. E há ainda uma grande disponibilidade de cascas de frutos e de batatas enquanto resíduos de processos industriais, por exemplo, "que poderão assim ser reaproveitados para a produção de um biomaterial sustentável, numa estratégia de economia circular", nota a investigadora do ITQB NOVA.

Os estudos ainda não estão concluídos. A equipa continua a estudar os segredos da química destes dois polímeros vegetais, explorando também rearranjos possíveis nas suas estruturas, para avaliar eventuais ganhos de propriedades, e até a possível combinação entre ambos.

A investigação prossegue também com resíduos industriais, nomeadamente os que provêm das indústrias de tomate e da cortiça, para apurar processos com vista ao desenvolvimento de novos materiais sustentáveis que possam substituir os plásticos de uma vez por todas. Quando? Não há ainda uma resposta definitiva.

"Os resultados são promissores, mas a ciência leva tempo", nota a investigadora. "Não vale a pena tentar acelerar a chegada ao mercado de um produto sobre o qual não sabemos tudo e que depois se volta contra nós".

Mas Cristina Silva Pereira olha para esse futuro com otimismo. "Estou confiante de que o que estamos a estudar é um contributo para virmos a ter um material alternativo sustentável para substituir o plástico", afirma. "E se isso acontecer no meu tempo de vida é bom", conclui.

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