Portuguesa está a desenvolver vacina inovadora para a covid-19

Jovem doutoranda da Universidade da Beira Interior ganhou bolsa para criar uma vacina que, além de preventiva, também pretende ser terapêutica.
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Quando iniciou o doutoramento em setembro, no ano passado, Dalinda Eusébio não podia imaginar que poucos meses depois estaria a trabalhar numa nanovacina inovadora para a covid-19. Mas a vida é assim mesmo, dá muitas voltas. E agora é exatamente isso que a jovem investigadora do Grupo de Biofármacos e Biomateriais do Centro de Investigação em Ciências da Saúde da Universidade da Beira Interior (CICS-UBI) tem entre mãos.

O objetivo é desenvolver uma nova vacina contra a SARS-CoV-2, que pretende ser não apenas preventiva, mas também terapêutica. Ou seja, a ideia é que, mesmo numa pessoa já infetada, a futura vacina também desencadeie uma resposta imunitária capaz de combater a doença.

O projeto de Dalinda Eusébio, depois de ter feito na UBI um mestrado em Ciências Biomédicas, numa terapia génica para o cancro do colo do útero, era manter-se por aí, na mesma patologia, mas focando-se no desenvolvimento de uma vacina.

Tinha ganho uma bolsa UBI-Santander Totta de incentivo ao doutoramento, que há de terminar em dezembro, e estava lançada no trabalho, quando a pandemia virou tudo do avesso - e acabou por lhe abrir o novo caminho.

"Em abril, a FCT [Fundação para a Ciência e a Tecnologia] abriu um concurso para bolsas de doutoramento em covid-19, e eu resolvi concorrer", conta a jovem investigadora, de 25 anos.

"Até esse momento, não tinha pensado trabalhar nesta área, mas pensámos que seria uma boa aposta, que faz todo o sentido, porque foi uma questão de adaptar à covid-19 o trabalho que já estava a fazer para o cancro do colo do útero".

A ideia da nanovacina é engenhosa. Na prática trata-se de produzir um vetor de DNA, ou seja, uma pequena sequência genética que codifica duas proteínas específicas do novo coronavírus, que será depois entregue, ou administrado, nas fossas nasais, através de um composto, que está igualmente a ser desenvolvido no âmbito do projeto.

As sequências genéticas da SARS-CoV-2 que vão integrar a futura vacina não foram escolhidas ao acaso. Pelo contrário, são muito precisas e codificam duas proteínas específicas do vírus, que desempenham um papel-chave no processo de infeção.

Uma delas é a proteína S, a do famoso espigão que o coronavírus usa para entrar nas células humanas. A outra é a proteína N, que está envolvida na própria organização estrutural do vírus.

Neste momento, Dalinda Eusébio já está a trabalhar nas sequências genéticas para o vetor, e também no próprio sistema de entrega que será a base da aplicação da futura vacina.

"Vou testar três compostos diferentes para verificar qual é o melhor para fazer essa entrega", explica a investigadora.

Desafios morosos

Este é um trabalho exigente, cheio de desafios e, portanto, moroso, mas Dalinda Eusébio já tem caminho andado, e também não está só nesta caminhada.

Além do apoio dos seus orientadores, as investigadoras Ângela Sousa e Diana Costa, do CICS-UBI, e o professor Zhengrong Cui, da Universidade do Texas, nos Estados Unidos, conta também com a colaboração das professoras e investigadoras Helena Florindo, da Universidade de Lisboa, e Swati Biswas, do Birla Institute of Technology & Science-Pilani, na índia.

"Não estou a começar de raiz. Os sistemas de entrega já estão a ser caracterizados, e em relação ao vetor já temos os processos realizados e alguns deles otimizados", adianta.

"Nos próximos dois anos vamos desenvolver o sistema e testá-lo em laboratório, em modelos celulares, para selecionarmos depois o mais eficaz e promissor, que será testado em seguida num modelo animal, em ratinhos."

Nessa altura, o nanossistema de vacina que tiver obtido melhores resultados em laboratório será então convertido em pó seco para ser nebulizado diretamente na cavidade nasal de ratinhos.

O objetivo é verificar se ele induz nos animais a resposta imunitária pretendida na presença das proteínas da SARS-CoV-2.

A escolha da administração do produto final por via nasal também não é aleatória. Como as fossas nasais são uma das portas de entrada do vírus no organismo, a esperança é que a sua administração desta forma possa contribuir para desencadear uma resposta imunitária mais eficaz.

Essa não é, no entanto, a única vantagem. Se chegar a bom porto, uma nanovacina em forma de pó seco terá também a grande mais-valia de dispensar a refrigeração durante o armazenamento e a distribuição, evitando assim um custo capaz de encarecer até cerca de 80% a vacinação. Além disso, uma vacina assim é menos invasiva, uma vez que dispensa agulhas e picadas.

"Se tudo correr mesmo muito bem, dentro de três anos poderemos estar a iniciar ensaios clínicos em humanos, e dentro de quatro poderemos ter um eventual protótipo de uma vacina", estima Dalinda Eusébio.

Pode parecer muito em face de uma pandemia que apanhou o mundo desprevenido e parece não ter ainda solução à vista. Mas em ciência é assim mesmo: leva tempo, sublinha a investigadora. "Há uma certa urgência, mas não se pode saltar etapas de segurança", conclui.

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