PGR nega ter autorizado RTP a divulgar interrogatório de Bruno de Carvalho

O programa <em>Sexta às Nove</em> da RTP de 30 de novembro passou excertos do interrogatório de Bruno de Carvalho, alegando que tal fora autorizado pelo Ministério Público. A PGR desmente, afirmando que não foi requerida autorização para a reprodução do áudio do interrogatório. Advogado de Bruno de Carvalho diz que vai "pedir explicações" a Cândida Vilar mas considera que se pode estar perante "um crime contra a realização da justiça", cometido pela procuradora.
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"Não foi requerida, nem autorizada, reprodução de tal áudio."

A Procuradoria-Geral da República respondeu assim à pergunta do DN sobre a alegada autorização que a RTP teria recebido para divulgar excertos do primeiro interrogatório de Bruno de Carvalho como arguido do processo de Alcochete. De acordo com a PGR, "foi apenas requerida [pela RTP] cópia do áudio do interrogatório, requerimento que foi deferido".

A PGR esclarece também que a autoridade judiciária que neste momento preside ao processo e tem competência para autorizar a entrega de peças processuais é o Ministério Público, e portanto a procuradora Cândida Vilar, do Departamento de Investigação e Ação Penal de Lisboa.

Das respostas dadas pela PGR ao DN não faz parte qualquer referência às possíveis consequências da divulgação, nomeadamente, à imagem do que tem sucedido noutros casos de divulgação de vídeos ou áudios de interrogatórios, a abertura de um inquérito.

Mas para José Preto, advogado de Bruno de Carvalho, está em causa, mais do que a atuação da RTP, a da procuradora: "Quando damos a um jornalista alguma coisa sem mencionar que não é publicável, ele publica -- tem de haver o bom senso de perceber qual a prática jornalística." Assim, crê, "quem falhou aqui foi a procuradora. Vou pedir que me explique o que aconteceu, por que não me deu conhecimento disso. Pedi a cópia integral dos autos e deram-ma, e não está lá nenhum despacho da senhora procuradora a autorizar o acesso ao áudio do interrogatório. Tenho o dever estatutário de a ouvir, e depois verei".

Mas José Preto não tem dúvidas de que "as declarações in camera -- ou seja, em diligência secreta -- não são passíveis de divulgação, nem de autorização para divulgação. Há uma interdição absoluta, está excluído do âmbito das coisas publicáveis".

O advogado considera pois que se pode estar perante "um crime de prevaricação de funcionário", previsto no artigo 369º do Código Penal. Este, intitulado "denegação de justiça e prevaricação", aplica-se quando um funcionário, "no âmbito de inquérito processual, processo jurisdicional, por contra-ordenação ou disciplinar, conscientemente e contra direito, promover ou não promover, conduzir, decidir ou não decidir, ou praticar ato no exercício de poderes decorrentes do cargo que exerce". A pena é até 2 anos de prisão, a não ser que "o facto for praticado com intenção de prejudicar ou beneficiar alguém", caso em que sobe para cinco anos.

José Preto, que assume não ter, "em princípio, nenhuma atitude de excecional condescendência em relação à senhora procuradora Cândida Vilar -- embora nos contactos pessoais seja muito gentil, no exercício profissional é pessoal de mais, cheia de opiniões e rompantes, não pode ser --", recusa assim que esteja em causa, neste caso, o crime de desobediência, pelo qual já foram acusadosjornalistas que divulgaram vídeos de interrogatórios, e que está a ser investigado em vários inquéritos abertos recentemente, em relação à divulgação de áudios, pela CMTV, de inquirições do processo de Alcochete e também do do homicídio de Luís Grilo.

O advogado escreveu aliás, na madrugada desta quarta-feira, um post no Facebook no qual explicita a sua interpretação da lei ao caso. Neste, afirma que "a impossibilidade legal de divulgar ou reproduzir o teor das declarações em referência [em interrogatório] decorre do art.º 88º/1 do Código de Processo Penal, tratando-se, como se trata, de um depoimento "in camera"", e que mesmo para autorizar o acesso ao áudio do interrogatório do seu constituinte a procuradora teria de o ouvir: "Não sendo situação prevista no nº 2 do art.º 88º CPP, tal divulgação não é autorizável naqueles termos, insuscetíveis de aplicação, não deixando de ser seguro que mesmo as autorizações naqueles termos concedíveis não dispensam a audição e consentimento prévio de quem possa ser visado ou atingido pela divulgação." E garante: "Nem Bruno de Carvalho nem o seu defensor consentiram na ilegalidade da eventual autorização invocada e, menos ainda, na da divulgação efetivada."

E conclui: "A infração cometida não está abrangida pela fórmula "sob pena de desobediência", antes nos parecendo dever inserir-se, a confirmarem-se os indícios, noutro lugar dos crimes contra a realização da justiça, como se proporá, se a Ex.ma titular da acusação pública não apresentar publicamente - como o exige o abuso publicitado - as explicitações que ao caso cabem." Até porque, frisa, "a perturbação gerada por tal abuso é gritante, dando azo a "depoimentos" fora do processo de quem nele ainda não depois - e deve depor - e forçando o arguido, sob assédio assim intensificado, a defender-se em praça pública e diretamente, em razão do abuso referido".

O artigo 88º do Código de Processo Penal, a que José Preto faz referência, tem a epígrafe "Comunicação Social" e estabelece, no número um, que "é permitida aos órgãos de comunicação social, dentro dos limites da lei, a narração circunstanciada do teor de atos processuais que se não encontrem cobertos por segredo de justiça ou a cujo decurso for permitida a assistência do público em geral".

No número dois do artigo, adverte-se que "não é porém, autorizada, sob pena de desobediência simples", a reprodução de "peças processuais ou documentos incorporados no processo, até à sentença de 1.ª instância, salvo se tiverem sido obtidos mediante certidão solicitada com menção do fim a que se destina, ou se para tal tiver havido autorização expressa da autoridade judiciária que presidir à fase do processo no momento da publicação". No mesmo crime incorre quem transmitir ou registar imagens ou tomadas de som "relativas à prática de qualquer ato processual, nomeadamente da audiência, salvo se a autoridade judiciária referida na alínea anterior, por despacho, a autorizar", sendo que "não pode, porém, ser autorizada a transmissão ou registo de imagens ou tomada de som relativas a pessoa que a tal se opuser."

Recorde-se que a PGR anunciou a abertura de um inquérito à conduta da procuradora Cândida Vilar no interrogatório a Fernando Mendes, após um excerto do mesmo, no qual a funcionária gritava com o arguido e fazia considerações desprimorosas sobre ele, ser divulgado pela CMTV.

A PGR esclareceu também, em resposta às perguntas do DN, que, "até ao momento, nenhum jornalista requereu a constituição como assistente no inquérito de Alcochete, não se tendo localizado qualquer queixa relativa à divulgação do áudio de Bruno de Carvalho".

O ex presidente do Sporting foi detido para interrogatório a 11 de novembro e interrogado a 14, sendo conhecidas as medidas de coação apenas a 15. Acusado como autor moral de 40 crimes de ameaça agravada, 19 de ofensa à integridade física qualificada, 38 de sequestro, um de detenção de arma proibida e ainda por crimes de terrorismo, Bruno de Carvalho teve de pagar uma caução de 70 mil euros e está obrigado a apresentações diárias às autoridades.

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