PCP em tribunal. "Fez tanto pela legislação laboral, mas não a aplica aos funcionários"

O Partido Comunista está perto de conhecer a sua sentença, depois de ter sido acusado de despedimento ilegal. O caso está a ser julgado pelo Tribunal do Trabalho de Lisboa e, esta sexta-feira, foi dia de alegações finais.
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"Nenhum partido fez tanto pela legislação laboral, mas parece que aos seus funcionários não se aplica isto", disse Pedro Namora, representante de Miguel Casanova no processo que o opõe ao Partido Comunista Português (PCP). O caso chegou ao Tribunal do Trabalho de Lisboa há cerca de um mês. O ex-funcionário tenta provar que o seu despedimento, em maio de 2018, começou a ser desenhado quando se mostrou contra o apoio do partido ao Governo de António Costa - resultando naquilo que hoje conhecemos como a 'Geringonça'. Já o PCP alega "abandono do local de trabalho". Desde então, mais de dez testemunhas foram ouvidas pela juíza e esta sexta-feira foi dia de alegações finais, uma última oportunidade para os advogados de ambas as partes se defenderem antes da sentença.

A sessão de julgamento começou com mais uma tentativa da juíza Susana Costa Cabral para ver os dois lados chegarem a acordo: "antes de começarmos as alegações, acham que há alguma hipótese de chegarmos a acordo?". Mas a intenção da magistrada saiu frustrada.

Não é, aliás, a primeira vez que o PCP e Miguel Casanova tentam chegar a consenso. Segundo o representante do ex-funcionário, "como este não pretendia que o assunto transitasse para a comunicação social e para o público em geral", foi enviada uma primeira carta ao partido, com um pedido de reconciliação. "Enviei no dia 18 de julho e passaram-se três semanas sem qualquer resposta. Telefonei a um dirigente e fomos a uma reunião", relatou em tribunal. Contudo, o efeito não foi o esperado e o PCP terá rejeitado um acordo. Pedro Namora disse ter-se sentido "absolutamente destratado". "Foi-nos dito: 'não, isso está absolutamente fora e questão'".

Namora garantiu ainda que o autor da acusação comunicou a sua situação a todos os membros do Comité Central (perto de 140) e que nunca obteve resposta até hoje. "Nada. Zero. Silêncio absoluto. E entre estes está Arménio Carlos, sindicalista da CGTP", remata.

Miguel Casanova continua a acreditar que a sua frontalidade e opiniões divergentes das dos colegas do partido foram a principal razão para que fosse dispensado das suas funções, mas Luís Corceiro, advogado do PCP, garantiu que não. "O PCP não tem absolutamente nada contra esta pessoa. E não há provas disso", alegou. "O que mudou não foram as regras, o que mudou foi o autor. E é aí que nós tocamos no plano da confiança e a lealdade."

"O que é anormal, surpreendente até", começou por dizer, "é que um ex-funcionário do PCP mova uma ação judicial contra o seu partido". "Nada lhe tira esse direito. A questão é pôr-se o próprio contra o próprio."

PCP alega abandono do trabalho

Recusando-se a ser transferido para outro local de trabalho e para outras tarefas, Miguel Casanova terá continuado a comparecer no edifício Arrábida, onde operava a Organização Regional de Setúbal (ORS), da qual tinha sido dispensado. Contudo, quando, em março do mesmo ano, o seu gabinete é ocupado por outro funcionário, continua a apresentar-se na organização, agora sentado do lado de fora, na rua, à espera que lhe fossem delegadas tarefas. Contactado pelo DN a propósito das razões que levaram à dispensa do funcionário, o PCP disse apenas que "a pessoa envolvida abandonou o trabalho, não foi despedida". Uma tese que Luís Corceiro voltou a colocar em cima da mesa.

"O autor alegou que a partir de março começou a apresentar-se diariamente ao serviço. Aguardou na rua? Não se percebe. Depois veio-se a saber que não era na rua, era no café", disse o advogado.

A linha de argumentação do PCP tem sido justificar o despedimento com o que designam "abandono do local de trabalho", uma ideia que a acusação tem tentado deitar por terra. "O autor não presta qualquer atividade desde janeiro de 2018? Mas passa pela cabeça de alguém que se o autor estivesse a trabalhar desde janeiro não lhe ia ser instaurado um processo disciplinar?", questionou Pedro Namora. "Para o PCP; o Miguel era um bandido e não trabalhava. Só tinha de fazer uma coisa: instaurar um processo disciplinar. Mas não fizeram isso, porque sabiam que era o PCP que estava em falta".

Segundo o representante de Miguel Casanova, para que exista abandono do trabalho, o ex-funcionário teria que demonstrar vontade em recusar qualquer integração laboral. Mas este não será o caso de Casanova, uma vez que a única exigência que deixa em tribunal ao PCP é que seja reintegrado nos quadros.

Uma outra motivação que a lei prevê para justificar abandono do trabalho deve-se ao número de faltas injustificadas. De acordo com o Código de Trabalho, o máximo são 10 faltas e o PCP apontou apenas nove a Miguel. "Cabe ao empregador provar o abandono de trabalho, mas não provou coisa nenhuma", constata Pedro Namora.

Já Luís Corceiro defende que não há forma de "provar a intenção de voltar ao vínculo laboral com o PCP", mas "com a atitude e comportamento" do ex-funcionário "indiretamente percebemos" que o mesmo já não teria interesse em retomar as suas funções. Principalmente, justifica, por Casanova nunca ter alegado qualquer prejuízo com a mudança do local de trabalho, algo que poderia ser sustentado pela lei laboral portuguesa. "Em matéria de despesas, não há prejuízo. Até porque as deslocações que fez em serviço sempre foram pagas", esclarece.

Acrescenta que "o autor nunca tomou a iniciativa de sugerir sequer a integração num setor diverso", por isso, "isto é abandono do trabalho". O advogado disse não compreender a recusa do ex-funcionário perante a ordem do partido e entidade empregadora, até porque quando Casanova chegou ao partido teria completa consciência de que a movimentação de funcionários é um processo "normal". "Não só sabia como aceitou ser funcionário nestas condições. Até porque começou por Setúbal, foi para Palmela, Almada e regressou a Setúbal."

Na altura, "ele tinha 35 anos, não 15, e tinha perfeita noção dos estatutos, das regras. Esse vínculo tem riscos e compromissos. Ele sabia o que o esperava", remata.

O advogado de Casanova, Pedro Namora, aproveitou a audiência para recordar e sublinhar o que foi proferido por José Capucho, um dos quatro dirigentes do PCP e a primeira testemunha a ser ouvida em tribunal, em que este terá desvalorizado a lei laboral perante o que são os estatutos do partido. "Este PCP continua a achar que os estatutos do partido se sobrepõem à Constituição e à lei do trabalho portuguesa. É à lei constitucional e do trabalho que os estatutos se devem subordinar, porque é isto que protege as pessoas", disse.

Do outro lado, Luís Corceiro, advogado do partido, não deixou a questão sem resposta: "os estatutos só são ditados porque estão de acordo com a lei constitucional."

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