Justa Nobre não tem mãos a medir. Com o restaurante fechado desde o primeiro dia em que o Governo decretou o estado de emergência devido à pandemia de covid-19, a chef decidiu imediatamente lançar um serviço de take away às terças e quintas-feiras, com dois pratos fixos. "Comida de conforto", que é o que precisamos neste momento. E para domingo está a preparar um menu especial de Páscoa que inclui o seu famoso cabrito no forno, à transmontana. "Estamos a dar volta como é possível. Temos que aguentar com aquilo que podemos fazer", explica ao DN a responsável pelo restaurante O Nobre, em Lisboa. "Regra geral, no domingo de Páscoa, servimos mais de 150 almoços no restaurante. Este ano vai ser diferente.".Até quarta-feira, Justa Nobre já tinha encomendas para mais de 120 doses de cabrito. "Não tenho parado de atender o telefone", diz, satisfeita, numa conversa também ao telefone, por entre o barulho de tachos e panelas. "Já não posso aceitar muito mais encomendas porque só temos quatro estafetas e temos que fazer o possível para o cabrito chegar às casas das pessoas até à hora do almoço de domingo.".A chef, conhecida pela sua sopa de santola, não foi a única a reinventar o seu negócio nesta Páscoa. A Pastelaria Versailles, por exemplo, não só criou um serviço de take away, todos os dias, nos restaurantes do Saldanha e de Belém, como terá um serviço especial no domingo de Páscoa, com a possibilidade de se escolher cabrito assado no forno com batatas e grelos, bacalhau lascado com broa ou arroz de pato. "Este ano vai ser uma Páscoa especial", explica ao DN Horácio Fernandes. "Nós geralmente estamos abertos o ano todo, só fechamos nos dias 25 de dezembro e 1 de janeiro, mas este ano tivemos que nos adaptar.".O chef Leopoldo Garcia Calhau transformou a sua Taberna num serviço "Calhau Rolante". A trabalhar sozinho, sem os habituais colaboradores, Leopoldo mantém um serviço de take away com uma ementa muito semelhante à que tinha no restaurante e que é composta, sobretudo, por pratos inspirados na cozinha alentejana (como por exemplo mão de vaca, perdiz confitada, bochecha de porco e o tal pudim da mãe Joana). "Não tenho um menu específico para a Páscoa mas vou estar a fazer entregas durante o fim de semana, incluindo no domingo", explica ao DN..E porque na quarentena também há histórias bonitas, conta-nos esta: uma das encomendas que Leopoldo Calhau tem para domingo é de uma mãe que está no Alentejo e que, impossibilitada de nesse dia cozinhar para a filha que está em Lisboa, decidiu garantir que ela vai ter uns petiscos com "sabor a casa"..O cabrito e o borrego, um no norte, o outro no sul do país, são os dois pratos típicos desta época. E mesmo sem os tradicionais encontros de família, que este ano estão proibidos, parece que os portugueses fazem questão de continuar a ter refeições especiais neste dia de festa. Seja já preparado, seja para preparar em casa..Na semana passada, a Associação Nacional de Caprinicultores de Raça Serrana (ANCRAS), com sede em Mirandela, lançou um alerta, queixando-se de que o número de encomendas de cabrito estava muito abaixo do que seria expectável. Mas uma onda de solidariedade nas redes sociais ajudou os produtores transmontanos de cabrito serrano a escoar toda a produção. "Estávamos muito preocupados mas, de repente, a mensagem espalhou-se nas redes sociais, na quinta e sexta-feira passadas recebemos mais de seis mil mails com encomendas", conta ao DN Arménio Vaz, presidente da direção da ANCRAS.."Acho que as pessoas não sabiam que nos podiam encomendar diretamente o cabrito e quando perceberam que era possível e que nós fazíamos a entrega, sem terem de ir ao supermercado, começaram a fazer encomendas." De tal forma, que a ANCRAS nem conseguiu dar resposta a todos os pedidos: "Vendemos 650 cabritos e não podemos vender mais porque o matadouro também está a funcionar com metade do pessoal e não consegue dar resposta. Vamos tentar fazer as entregas até quinta-feira à tarde.".Arménio Vaz ainda está incrédulo com todo o apoio que os produtores receberam: "Passámos o fim de semana inteiro a receber aos mails, era o mínimo que podíamos fazer. Felizmente algumas pessoas não se importaram de só receber o cabrito já depois da Páscoa"..E porque Páscoa sem amêndoas e ovos de chocolate não é a mesma coisa, há muita gente também a encomendar esses doces para lhes serem entregues em casa. A Arcádia, famosa chocolateria do Porto, fechou as suas 27 lojas quando foi decretado o estado de emergência mas precisou de apenas alguns dias para se reorganizar e voltar a abrir 11 lojas, em vários pontos do país, só para atender os pedidos do Uber Eats. "Nós já trabalhávamos com o Uber Eats mas, de facto, nestas últimas semanas tivemos muito mais compras por aqui", explica ao DN Francisco Bastos, um dos administradores da Arcádia..Além disso, a Arcádia continuou a vender através da sua loja online e, ainda, nesta última semana antes da Páscoa, viu-se forçada a abrir duas lojas no Porto e duas em Lisboa, só para entregar encomendas. Nestas três semanas antes da Páscoa, revela Francisco Bastos, a Arcádia viu as vendas na loja online aumentarem para 15 vezes o valor registado no mesmo período do ano passado. O que significa que, mesmo impedidas de sair de casa, muitas pessoas não prescindem das suas guloseimas..Entre outras campanhas de solidariedade, destaca-se esta: a Arcádia aliou-se ao Uber Eats e à Regina para criar um "pack" especial de Páscoa, com amêndoas e ovos de chocolate. Por cada pack comprado até sábado, as duas marcas concorrentes comprometem-se a entregar um conjunto de amêndoas e coelhos de chocolate aos profissionais do hospitais de São João, Santo António e Pedro Hispano, no Porto. Para que também eles tenham uma Páscoa mais doce.