"Para a Grécia, uma Turquia que se aproxime da Europa é sempre bem-vinda"
Qual a importância da atual presidência portuguesa da União Europeia para a Grécia em termos de política externa?
É extremamente importante porque, em primeiro lugar, é o início da relação exploratória com a Turquia e a relação entre a Europa e a Turquia está no centro do Conselho e será discutida a 25 de março. Assim, a presidência tem um papel importante a desempenhar, mas isso não tem apenas que ver com a relação entre a Europa e a Turquia, pois a situação está muito volátil em toda a nossa zona, no norte de África, na Líbia por exemplo. Vamos ter um novo governo americano e vamos ter de ver como vão ser as novas relações entre os EUA e a Europa, por isso, o facto de um país relativamente pequeno, semelhante ao nosso, próximo da nossa forma de pensar, ter a presidência da UE, agrada-nos bastante.
Em termos do futuro da União Europeia, pensa que depois do Brexit e também depois deste desenvolvimento positivo de a UE ter conseguido a vacinação em simultâneo para todos os Estados membros, as perspetivas da UE são melhores do que eram há um ano?
Acredito que a União Europeia é um dos maiores feitos da história humana. Viajei muitas vezes entre a Alemanha, a Polónia e a França e, de cada vez que passava por Auschwitz vinha-me ao pensamento quantos milhões de jovens perderam a vida a lutar e, no entanto, aqui estamos nós numa Europa em paz desde 1945. Mas não é só isso, nós conseguimos criar uma família e avançarmos juntos. Existem problemas, muitos problemas, mas, mais uma vez, este projeto único na história humana precisa de tempo para amadurecer, mas eu sinto-me muito orgulhoso da União Europeia. Ao mesmo tempo, sinto muita pena pelo Brexit. Sendo um europeu convicto, não consigo compreender o Brexit ou, no máximo, consigo compreendê-lo a nível psicológico, mas mais nada. Vamos ver como é que o Reino Unido se verá a si próprio em 10, 20, 30 anos.
Olhando para a UE como um projeto que traz a paz para a Europa, acha que o processo turco com vista à integração na UE, a hipótese de um dia a Turquia vir a ser um Estado membro da UE, pode fazer que as relações entre a Grécia e a Turquia sejam diferentes ou o antagonismo é demasiado forte para ser resolvido apenas porque se tornam parte do mesmo grupo?
É. Devo dizer que o lado mágico da UE é não ser apenas a assinatura de um tratado, é a inscrição numa cultura, numa forma de abordar as coisas, de as compreender. A União Europeia é algo que é muito mais do que um tratado. Então, se a Turquia alguma vez se tornar membro da UE, isso significaria que a Turquia tinha subscrito totalmente a experiência única europeia. Tenho de dizer que, na minha humilde opinião, e acredito que, na opinião da maioria dos gregos, isso seria uma grande época para a Turquia, uma grande época para a paz e uma grande época para a União Europeia. Mas, mais uma vez, isso significaria que a Turquia tinha aceitado totalmente, e aplicado totalmente, o acquis europeu na Turquia. Tenho muita pena de dizer que vejo que isso não acontece e tenho muita pena de que, nos últimos anos, a Turquia se esteja a desviar do processo europeu. Esperemos que com a passagem do tempo a Turquia consiga ver claramente os benefícios para o país de ficar o mais próximo da Europa possível e, quem sabe, em algum momento do futuro tornar-se um membro de pleno direito.
Pensa que há uma perspetiva de negociações greco-turcas em termos de fronteiras, sobretudo a questão das águas territoriais, ou é impossível chegar-se a um acordo com duas posições tão opostas?
Temos uma grande divergência com a Turquia e essa divergência tem que ver com a plataforma continental e a zona económica exclusiva no mar Egeu e no Mediterrâneo Oriental. É isso. Esta não é uma questão difícil de resolver - nós resolvemo-la com Itália, com o Egito, vamos resolvê-la com a Albânia e, uma vez que não conseguimos chegar a acordo sobre especificidades técnicas, vamos a Haia resolvê-las. Teria sido uma forma fácil de resolver a questão com a Turquia - discutíamos e se não chegássemos a acordo iríamos a Haia resolvê-la. Mas existe um grande problema com a Turquia, eles não aceitam os termos de referência e os termos de referência só podem ser a lei internacional e a lei marítima internacional. Se me é permitido referir, a UNCLOS - a convenção da lei marítima internacional - é parte do acquis europeu. A UE assinou esse acordo como bloco europeu, não como um Estado membro. Assim, se a Turquia concordar connosco em discutir e, em caso de desacordo, irmos a Haia, e em usar como termo de referência a lei internacional, então será fácil. Claro que se a Turquia tentar resolver isto usando termos como equidade, o que nos leva a considerar que a Turquia quer interpretar as coisas e, sob essa interpretação usa o casus belli, uma ameaça de guerra contra nós se nós exercermos o nosso direito legal que é a extensão das nossas águas territoriais, então não é uma questão resolúvel de todo. Mas vamos ver.
Uma vez que a Grécia e a Turquia fazem parte da NATO e com a nova administração americana prestes a tomar posse, acha que ambos os países podem beneficiar de uma nova abordagem impulsionada pelos EUA ou a NATO está demasiado afastada desta questão?
A NATO é uma aliança militar e, devo dizer, uma aliança militar muito bem-sucedida. Mas a NATO é um problema quando há divergências entre os seus Estados membros, é uma enorme dificuldade. A atitude da NATO é a de manter distâncias iguais, o que, neste caso, é injusto para nós. Nós não somos o lado a culpar, alguém viola a lei internacional e há uma vítima dessa violação. Manter distância igual de ambos os lados significa que se está, realmente, a cometer uma injustiça para com a vítima da violação da lei. Dito isto, devo dizer, em primeiro lugar, uma palavra amável em relação ao secretário [de Estado] [Mike] Pompeo. Ele foi alguém que compreendeu muito bem o que se passava e tentou muito melhorar a situação no Mediterrâneo oriental. Recordo sempre o seu último discurso no mais recente Conselho da NATO sobre como a Turquia estava a usar de forma errada a sua pertença à aliança. Espero que o novo governo Biden, que tem pessoal muito experiente nas posições-chave, consiga alcançar algo que o governo anterior não conseguiu, apesar dos esforços do secretário Pompeo. Mas, mais uma vez, devo dizer que muito deve ser feito em relação às ações da Turquia e à forma como o país trata a aliança e usa o facto de ser membro da aliança. Para nós, Grécia, uma Turquia que cumpra as regras, que obedeça ao direito internacional, que se aproxime da Europa, é sempre bem-vinda.