Os trabalhos de demolição da panificadora ou Panreal começaram ao final da tarde de segunda-feira e prosseguem esta terça-feira perante o olhar atento dos defensores da preservação do imóvel que foi projetado pelo artista transmontano Nadir Afonso, falecido em 2013. O espaço privado onde está localizado o imóvel, construído em 1965, foi adquirido pelo Lidl..Várias máquinas estão a demolir a antiga panificadora de Vila Real, a Panreal, um edifício que marca a carreira de Nadir Afonso por ser sido um dos seus últimos projetos de arquitetura.."Eu acho que Vila Real está de luto, Portugal está de luto e nós também estamos de luto. Vila Real está a enterrar um pedaço do Nadir, está a destruir um pedaço da sua história", afirmou Laura Afonso ao jornalistas no local..A viúva do artista plástico realçou aquilo que considerou ser a "maneira cobarde como se fazem as coisas", já que a demolição teve início ao final da tarde de segunda-feira.."Às 18:00 vêm para aqui para quê? Para camuflar as coisas? Nem sequer têm coragem de assumir uma posição. Isto não tem explicação, é muito triste", salientou..Laura Afonso criticou também a postura da câmara municipal, a qual disse "ter promovido um concurso de ideias para o aproveitamento do edifício da panificadora" e que "queria dar uma utilização digna ao espaço", mas que depois "mudou de ideias"."É a submissão do poder político ao poder económico (...). A partir do momento em que o Lidl manifestou interesse na Panreal, a atitude da câmara alterou-se", afirmou..Laura Afonso disse ainda que sobre este edifício foram feitas "seis teses de mestrado"..Projeto foi aprovado por unanimidade.O espaço privado onde está localizado o imóvel, construído em 1965, foi adquirido pelo Lidl. Numa resposta escrita à agência Lusa, o Lidl explicou que a "aquisição do terreno em questão foi concretizada após as devidas aprovações e licenciamentos, cumprindo todos os procedimentos e despachos legais". "O tempo previsto de obra será de sete meses. Esta aquisição inclui-se no processo de renovação do nosso parque de lojas, que temos vindo a empreender de Norte a Sul do país, e que tem como objetivo a renovação da nossa loja existente em Vila Real", salientou a cadeira de supermercados..De acordo com informação disponibilizada pela Câmara de Vila Real, o Lidl apresentou um projeto que prevê a demolição de dois edifícios existentes, a atual loja e a Panreal (como é conhecida localmente a panificadora), e a sua substituição por um outro com maior área..O projeto foi aprovado por unanimidade pelo executivo na reunião de câmara da semana passada..O Lidl sublinhou que, ao longo deste processo, desenvolveu "múltiplos esforços, ao reunir com a família e a Fundação Nadir Afonso, sempre com uma intenção clara de incluir uma componente de homenagem e memória do pintor" e adiantou que "à data nenhumas das sugestões foi aceite". "Independentemente dos imóveis estarem ou não classificados, a manutenção das estruturas existentes é uma prioridade para o Lidl, sempre que seja viável acomodar às necessidades do nosso negócio", afirmou..Segundo a empresa, "neste caso em particular, a estrutura e configuração não permitem qualquer ajustamento à ocupação pretendida". "Acresce a isso que o espaço está em avançado estado de degradação com múltiplas placas de amianto, que, como é sabido, é um risco para a saúde pública", referiu o Lidl..O edifício tem um projeto congénere em Chaves. Os dois imóveis marcam a carreira de Nadir Afonso, por serem os seus últimos projetos de arquitetura. Esta terça-feira manhã, num cartaz feito de papelão e colocado numa grade junto à obra foi escrito: "Centenário Nadir Afonso 1920-2020, licença para demolir o património, autorização Câmara Municipal de Vila Real".."Vou ficar aqui o dia todo", garantiu Mila Simões de Abreu, professora universitária que integra a Associação Alter Ibi, que há três anos defende a preservação do edifício desenhado por Nadir Afonso. Na sua opinião, "a Panreal está a ser destruída e hoje Portugal ficou um bocadinho mais pobre"..Na segunda-feira, Mila Simões de Abreu anunciou uma providência cautelar para travar a obra. Questionada hoje pela agência Lusa, a professora disse que o assunto "está a ser estudado". "Vamos usar todos os meios legais que estejam ao nosso alcance para fazer com que haja justiça", frisou..A responsável alertou ainda para aquilo que considerou ser uma "situação preocupante", nomeadamente a retirada de amianto do edifício, aparentemente "sem serem cumpridas todas as regras de segurança", uma situação que foi exposta aos polícias que se encontravam nas proximidades do local..Durante a manhã, foram vários os curiosos que passaram junto ao edifício e pararam para ver os trabalhos das máquinas que estavam a proceder à demolição. Maria Rosa não quis entrar na polémica à volta do edifício projetado por Nadir Afonso e apenas recordou a padaria onde foi cliente assídua até ter fechado. "Vinha aqui todos os dias comprar pão e os meus filhos vinham da discoteca e paravam aqui para comprar pão quente", contou..José Luís vive há 40 anos na zona da Araucária e afirmou que foi também, durante anos, cliente da padaria. Hoje, mostrou-se a favor da demolição e defendeu que é preciso resolver o problema do edifício degradado, que serviu de albergue a toxicodependentes e, mais recentemente, a imigrantes de leste. "Isto assim, como está, é uma vergonha. É o escarro da cidade", salientou..Em abril de 2017, já tinham sido demolidas partes da fachada da panificadora. A Direção-Geral do Património Cultural (DGPC) arquivou em abril de 2018 o procedimento de classificação para Imóvel de Interesse Público, proposto por um grupo de cidadãos, considerando que o edifício já não reúne características para uma classificação de âmbito nacional. Em 2019, a Câmara de Vila Real decidiu não classificar a panificadora como imóvel de interesse municipal.