Pandemia. Portugal, o bom exemplo. Suécia, o mau?

Em Portugal, o número de óbitos por milhão de habitantes é de 116, enquanto na Suécia é de 350. OMS diz que poderá haver lições a retirar do exemplo sueco. Serão positivas?
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"O modelo sueco é um fracasso, não uma panaceia", é o título da análise publicada na quinta-feira por Frida Ghitis na World Politics Review. No artigo, a analista de assuntos mundiais expõe alguns dos argumentos daqueles que têm criticado a postura contracorrente que a Suécia adotou em relação à pandemia.

O governo sueco, que decidiu confiar na sua população e não fechou escolas nem restaurantes, tem recebido mais críticas do que elogios, ao contrário de Portugal, que é visto como um exemplo e até como um mistério pela comunidade internacional.

Há um mês, o New York Times escreveu mesmo que "comparando os balanços de mortos nos países da Europa Ocidental, Portugal parece ser uma exceção. Ao ponto de alguns evocarem um milagre português".

Por outro lado, e voltando ao artigo de Frida Ghitis, antiga correspondente da CNN, a Suécia, que até inspirou os EUA a avançar mais cedo para o desconfinamento - em nome da economia -, está agora no olho do furacão, à medida que o número de mortes cresce - 3529, de acordo com o último balanço.

"As ações das autoridades suecas, que até agora mereceram o apoio da população, podem ser vistas pelas gerações futuras de suecos como um capítulo vergonhoso da história do país, que resultou em sofrimento e em milhares de mortes desnecessárias", escreve a antiga correspondente da CNN.

Tal como Portugal, a Suécia tem cerca de 10 milhões de habitantes, e, tal como no caso português, a população idosa ronda os 20 por cento. No entanto, segundo dados do Worldometer, em Portugal, o número de óbitos por milhão de habitantes é de 116, enquanto na Suécia é de 350 por milhão de habitantes.

Tal como a maioria dos países, a população idosa tem sido a mais atingida na letalidade causada pela covid-19, mas os críticos garantem que estes óbitos poderiam ter sido evitados se tivessem sido tomadas medidas de proteção dos grupos de risco.

Esta semana, o governo sueco percebeu o erro - ou a falta de estratégia - e anunciou que iria gastar 2,2 mil milhões de coroas suecas (2,07 mil milhões de euros) para aumentar o número de funcionários que cuidam de idosos, uma vez que metade dos óbitos em pessoas com mais de 70 anos aconteceram em unidades de cuidados de saúde do país.

Suécia confiou na população. Portugal está agora a fazer o mesmo

O que a Suécia fez, e que lhe tem granjeado duras críticas, foi confiar nos seus cidadãos. Não restringiu as deslocações e acreditou que os suecos iriam cumprir a distância social. Ginásios, escolas, restaurantes e lojas permaneceram abertos durante a propagação da pandemia.

"Quando as economias de todo o mundo começaram a parar, num esforço para impedir a carnificina infligida pelo coronavírus, a Suécia destacou-se com uma abordagem que parecia desafiar a prescrição da maioria dos especialistas. Em vez de encerrar, o governo sueco optou por medidas muito mais brandas. A ideia parecia atraente. Sugeriu a possibilidade de conter a pandemia a um custo económico muito menor", escreve Frida Ghitis, lembrando como, há duas semanas, o país recebia aplausos.

"O fundador do site de notícias Business Insider, Henry Blodget, escreveu que a experiência da Suécia mostrou como medidas de restrição mais flexíveis podem ser tão eficazes quanto as que estrangulam as economias do Ocidente", escreve a analista.

O The New York Times contou a experiência sueca de forma positiva: a confiança incomum dos suecos em relação ao seu governo, o cumprimento voluntário de medidas como evitar reuniões com mais de 50 pessoas e outras regras simples.

"A vida tem de continuar", dizia a manchete do New York Times sobre o caso sueco.

O volte-face: de bestial a fracasso

Em duas semanas, tudo mudou. A Suécia é agora o país com uma das maiores taxas de mortalidade por covid-19 no mundo. O número é particularmente sombrio em comparação com os países vizinhos da Suécia. Regista mais de 3500 mortes, um número muito elevado para os 299 óbitos da Noruega, os 284 da Finlândia e mesmo os 533 da Dinamarca.

"Se a taxa de mortalidade da Suécia fosse a mesma da Noruega, milhares de suecos estariam hoje vivos", lê-se no artigo da World Politics Review.

O modelo sueco, que parecia pelo menos salvar a economia, também parece não ter dado resultado neste campo. A análise cita as previsões do Riksbank, o banco central sueco: a mais otimista prevê uma contração do PIB de 6,9%; a pessimista antevê uma queda de 9,7% do PIB.

Números muito parecidos aos da Noruega (5,5% de queda no PIB), Finlândia e Dinamarca (6 a 6,5%). Para piorar, enquanto a Suécia vê o número de novos casos e de mortes a aumentar, os países vizinhos estão já em desconfinamento. Na Dinamarca, o número de mortes pelo novo coronavírus diminuiu para um dígito e Copenhaga está há quatro semanas na fase de reabertura.

"A Dinamarca fez tudo isto com um número de mortos que é apenas uma pequena fração dos da Suécia", lembra Frida Ghitis.

O coro de vozes que se ergue agora contra a Suécia não encontra, contudo, eco na Organização Mundial da Saúde (OMS), que na conferência de imprensa de 29 de abril abordou a estratégia do país.

Michael Ryan, diretor-executivo da organização, disse que "existe uma perceção de que a Suécia não adotou medidas de controlo e apenas permitiu que a doença se espalhasse. Nada pode estar mais longe da verdade", frisou.

"A Suécia implementou uma política de saúde pública muito forte, baseada no distanciamento físico, no cuidado e proteção de pessoas em lares e muitas outras coisas. O que a Suécia fez de diferente foi confiar no relacionamento com seus cidadãos e na capacidade e disposição dos 'cidadãos de implementar distanciamento e de se 'autorregular', se quiser usar essa palavra", disse Michael Ryan.

"Têm feito testes, aumentaram, de forma significativa, a capacidade de cuidados intensivos, e o sistema de saúde foi sempre capaz de responder ao aumento do número de casos", frisou o responsável da OMS.

OMS: há lições a aprender "com os colegas da Suécia"

"Como muitos outros países da Europa, a Suécia experimentou muitos, muitos, casos de doença em lares, mas isso, infelizmente e tragicamente, não é caso único na Europa. Mesmo quando os números diminuem, (...) os mais velhos ainda estão a morrer, em grandes números, em lares", frisou Michael Ryan, que até aposta precisamente na Suécia para testar como vamos todos viver na era pós-pandemia.

"Teremos que estar cientes de que o vírus está presente e, como indivíduos, famílias e comunidades, faremos todo o possível no dia-a-dia para reduzir a transmissão desse vírus. Isso pode significar ajustar a maneira como vivemos as nossas vidas. Acho que, talvez, na Suécia eles estejam a ver como é que isso se faz em tempo real. Acho que pode haver lições a serem aprendidas com os nossos colegas da Suécia", vaticinou.

Uma visão mais otimista do que a que está presente na análise de Frida Ghitis, que no entanto não descarta que o modelo sueco possa, no final da crise sanitária mundial, ser considerado um sucesso.

"Cada país pode contar os danos, as mortes, as doenças e a devastação económica [no final da pandemia] Talvez então, a abordagem da Suécia surja como um triunfo. Mas, por enquanto, parece um fracasso trágico e sombrio", remata a analista.

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