Pandemia na infância. "Os abusos domésticos e online aumentaram para proporções alarmantes"

Dubravka Šuica, vice-presidente da Comissão Europeia para a Democracia e Demografia, considera problemáticas as descobertas feitas por Bruxelas. Uma em cada cinco crianças sofre de ansiedade ou solidão.
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A vice-presidente da Comissão Europeia para a Democracia e Demografia, Dubravka Šuica, que tem a cargo a pasta dos direitos das crianças, teme "consequências enormes" para os mais novos, com desigualdades acentuadas por causa da pandemia. "Os abusos domésticos e online aumentaram para proporções alarmantes, muitos ficaram para trás na educação, e uma em cada cinco crianças indicou sofrer de ansiedade, ou solidão, devido ao isolamento ligado à covid-19", apontou Dubravka Šuica, admitindo que "isto é problemático".

Perante os problemas "já existentes" mas que a pandemia elevou a níveis "alarmantes", Bruxelas veio agora propor medidas para evitar que as "desigualdades" alarguem o fosso, que coloca um número "elevado" de crianças do lado desfavorecido. "Cerca 18 milhões de todas as crianças na União Europeia estão em risco de pobreza ou exclusão social, o que representa uma grande parte da população da União Europeia", lamentou a vice-presidente, dizendo-se apostada em fazer com que alguma coisa mude com a Estratégia para a Infância e a proposta de Garantia para as Crianças, que vai canalizar verbas europeias para iniciativas de apoio aos mais novos.

"Cinco por cento do Fundo Social Europeu+ devem ser destinados à pobreza infantil, e 25 por cento reservados para a inclusão social", assegurou, dando também os exemplos "do Mecanismo de Recuperação e Resiliência que deve ajudar as crianças e os jovens na educação e [aquisição de] competências", e do Fundo Europeu para o Desenvolvimento Regional "que também deve ser fonte de financiamentos". "O que queremos alcançar é igualdade de acesso à educação, à saúde, ao cuidado, às atividades desportivas, à cultura, independentemente da origem das crianças, da formação, ou do género", afirmou Dubravka Šuica, em entrevista ao DN e à TSF.

Mas a vice-presidente reconhece que a "vontade" carece de empenho a 27. "Tenho a certeza que, se houver estas metas de longo prazo, teremos sucesso, mas apenas se trabalharmos juntos e se os Estados membros alinharem", desafia. "Propomos aos Estados-Membros que identifiquem quem são as crianças com carências", afirma, consciente de que ao fim de um ano de pandemia a dúvida e a incerteza pairam sobre o futuro das gerações mais jovens. "Continuamos a não vislumbrar quais são as consequências desta crise socio-económica e sanitária. Mas serão enormes", lamenta, advertindo que "é preciso tratar da solidariedade intergeracional".

Os Estados da União Europeia devem ser capazes de "proporcionar às crianças necessitadas um acesso efetivo a uma nutrição saudável e a habitação adequada". O exemplo apontado é o acesso a "refeições saudáveis, também nos dias em que não têm escola". Para "as crianças sem-abrigo e as suas famílias, devem ter acesso a alojamento adequado".


Bruxelas lança também uma Estratégia para a Infância, em que o conceito de direitos da criança surge reforçado com propostas como o direito à "participação na vida democrática", ou o acesso a uma justiça adaptada à infância. "Temos em consideração as necessidades delas e agimos no seu melhor. Também publicámos online documentos amigos das crianças. Estão escritos, como agora costumamos dizer, na 25.ª língua da União Europeia, que é uma linguagem amiga das crianças", defendeu a vice-presidente. "A Comissão irá, por exemplo, contribuir para a formação judiciária especializada e colaborar com o Conselho da Europa para aplicar as Diretrizes de 2010 sobre a justiça adaptada às crianças", refere uma nota da Comissão.

Numa altura em que muitos jovens continuam com aulas online, Bruxelas pretende também atualizar a Estratégia Europeia para a Internet, que aborda a questão do direito à navegação segura. "Estamos a tratar disso num tópico especial nesta estratégia, sobre violência online, tentando ensinar as crianças a saberem distinguir o que é importante, do que não é importante online", afirma a vice-presidente, identificando os "dois problemas diferentes". "Um é a violência online e outro é que as crianças são excluídas porque não têm computadores, ou ligação à internet", apontou, admitindo que se trata de "um tema complexo, com o qual teremos que lidar nos próximos anos".

A Comissão espera agora que os Estados-Membros possam adoptar "rapidamente" a proposta de recomendação do Conselho que estabelece uma Garantia Europeia para a Infância. Assim que este passo estiver concluído, os governos deverão apresentar a Bruxelas os seus planos de ação nacionais sobre a forma como tencionam implementá-la. A Garantia Europeia para a Infância complementa o segundo pilar da Estratégia para os Direitos da Criança, que é apresentado como "um dos principais resultados do plano de ação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais, adoptado em 4 de março deste ano", e a partir do qual a União Europeia traça o objectivo de reduzir em, pelo menos, "15 milhões o número de pessoas em risco de pobreza ou exclusão social até 2030, incluindo cinco milhões de crianças".

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