O sacerdócio não foi a única opção. Ismael Teixeira fez um curso profissional de operador de câmara antes de entrar em Teologia na Universidade Católica. Em tempos de pandemia, foi fundamental para lançar a telemissa, a partir da paróquia se São Mamede, em Lisboa, onde é pároco. Acionou uma conta no MB Way para as contribuições dos crentes, também para fazer face aos novos pedidos de ajuda. Hoje à noite vai transmitir o terço pelas redes sociais, para celebrar o 13 de Maio. E continua a treinar para as provas de Ironman (triatlo)..Concorda com o facto de não serem permitidos peregrinos neste 13 de maio? Estou com os nossos bispos, sei que há uma grande polémica, que há muitos cristãos que entendem que deviam ter reagido e manter as celebrações, mas o que pesou na decisão dos bispos é sagrado: a vida humana. A não realização do 13 Maio custa a todos, a vários níveis, também económico, tanto para Fátima como para a Igreja, mas o valor primordial é saúde das pessoas, a vida. Se mantivessem as celebrações, ia juntar-se muitas pessoas e haveria propagação do vírus..Os crentes irão respeitar a decisão? Haverá sempre pessoas teimosas e que vão fazer a sua peregrinação. O Santuário estará com polícia suficiente para evitar que aconteça um ajuntamento, mas haverá sempre quem não obedeça..Haverá alguma celebração na paróquia? Na noite de 13 de maio haverá um terço dentro de portas que será transmitido pelas redes sociais. O Francisco Rebelo de Andrade vai cantar entre os mistérios e convidei cinco pessoas para rezarem cada mistério. Vai estar na igreja um grupinho que representa todas as outras pessoas da paróquia, vai ser um terço online. Vamos iluminar a Nossa Senhora com velas, será um momento de beleza em sua honra..Como é que adaptou a vida de pároco à pandemia? Não tem havido missa ao público, com as portas abertas, mas celebro a missa à mesma na igreja e transmito pelo.e pelo Instagram. Comecei a fazer isto logo quando a Conferência Episcopal suspendeu as missas [13 de março]..Com horários diferentes? Mantive o horário da missa, às 18.30, todos os dias, e é engraçado porque tenho agora uma paróquia muito maior, tenho muito mais pessoas. Na missa durante a semana, o normal seriam 25 a 30 pessoas, agora alcanço 400 pessoas por dia, para já não falar ao domingo, que é o dia de maior tradição na ida à missa. Já tive missas com um alcance de 700 pessoas, quando na igreja estão 250. As pessoas estão em casa e veem a missa pelo Facebook ou pelo Instagram, já se tornou um hábito, um santo hábito..Uma boa consequência desta pandemia? A pandemia obrigou-nos também a usar estas tecnologias e está a dar fruto. Tenho pessoas que vão à missa todos os dias, coisa que antes não faziam, algumas há anos que não iam à missa A paróquia virtual funciona, batizei este projeto de telemissa, fui o primeiro padre a fazer isto. Adulterei o slogan da Telepizza para "telemissa, o segredo está na graça". As pessoas gostaram e tem-se mantido. Chego a muito mais pessoas do que antes, a nível nacional e internacional..Como é que passou a palavra? O facto de praticar desporto, de fazer a provas de Ironman, tornou-me uma pessoa com umas redes sociais muito fortes, No Instagram tenho mais de 15 mil seguidores, no Facebook só posso ter cinco mil, e acho que os tenho. Estou bastante implantado nas redes sociais e isso facilitou a comunicação..Há comunicação nesses momentos? Sim, tenho muitas pessoas todos os dias da semana e que visionam a missa como se estivessem na Igreja. Por exemplo, eu digo: "o senhor esteja convosco" e elas escrevem: "ele está no meio de nós", respondem como se estivessem na missa. E, no final, fazem comentários, escrevem a sua oração, não é só visionar. A paróquia virtual está a funcionar e a solidificar-se..Conquistou um público mais jovem, nomeadamente durante a semana? Essa é outra questão, o normal durante a semana é uma assistência de mais idade, agora, nesta paróquia nova virtual, tem gente mais nova e que não tinha este hábito de ir à missa. Começaram a ganhar o hábito de ir à missa virtual, também porque os meios de comunicação proporcionam essa realidade e as pessoas estão em casa..Celebra a missa sozinho ou tem pessoas na igreja? Tenho um núcleo de cinco pessoas no mínimo e 10 no máximo, apenas houve três dias em que estive sozinho e é complicado.. Faço as transmissões com a ajuda de um telemóvel e iPad e eu sou o câmara. Tenho uma jovem, a Maria, que se voluntariou e acompanha as missas com a viola e canto, o que é mais agradável, é o voluntariado dela. Faço na paróquia porque uma das minhas primeiras medidas que tomei foi ter wireless, justamente para chamar os jovens. A igreja tem um sinal de rede melhor do que na sítio onde moro..Só que esta paróquia virtual não o ofertório, que é uma receita importante da igreja. Não existe, mas uma das coisas que criei nesta fase, até para ajudar as pessoas que nos procuram, foi acionar o MB Way, ou seja, associar um número de telefone à conta da paróquia e as pessoas têm contribuído. Não há dinheiro vivo, as pessoas transferem o dinheiro para a conta da paróquia, ajudando-a e a quem nos pede ajuda. As paróquias vivem da presença das pessoas e com a suspensão das missa na igreja acabou-se com o ofertório..Continua a haver quem encomende missas? Tenho mais intenções agora do que antes, tinha uma ou duas intenções por celebração e, agora, tenho seis, sete, Por isso digo que esta paróquia virtual está a funcionar, funciona mesmo..Manuseava bem estas novas ferramentas ou teve de aprender? Sim, fui um dos padres que inovaram nas redes sociais e, antes de ser padre, fiz um curso profissional de câmara, foi a minha primeira profissão, o que facilitou muito agora. Sei como obter um bom enquadramento, a colocação da luz, criar uma maior dinâmica e beleza, não fiz transmissões pirosas. Há coisas transmitidas nas redes sociais e que não têm qualidade, para isso não vale a pena..Como é que surgiu esse curso, hesitou na vocação? Desde pequeno que fui acompanhado nos estudos por sacerdotes, mas depois tive uma fase da minha vida, entre os 18 e os 20 anos, em que quis fazer outras coisas, numa espécie de teste à minha vocação. Decidi tirar um curso profissional diferente, com pessoas do mundo normal, com raparigas, e escolhi o de operador de câmara, fiz esse curso e que durou um ano. Era um bom cameraman, segundo os meus professores, havia trabalho e a ganhar bem, 200 contos por mês [mil euros]. Era bastante dinheiro para um miúdo de 19 anos, isto há 27 anos. Falei com os meus pais e disse-lhes que ia trabalhar como profissional de televisão, mas, antes de iniciar a nova profissão, fiz um retiro de um mês, que é quando tomo a decisão mais firme de ser padre. Tirei Teologia na Universidade Católica e ordenei-me padre aos 26 anos. Depois, fiz psicologia, temos de estar sempre em formação..Ficou a aprendizagem para assumir esta nova faceta da igreja, outras paróquias seguiram essa via? Só algumas. Os padres mais velhos, e são muitos, não têm essa facilidade de manuseamento das redes sociais, dos smartphones. Em Lisboa, missa todos os dias como em São Mamede, talvez só o faça o padre Nuno, em Benfica, que é diretor da Voz da Verdade e tem o curso de Jornalismo,.O facto de ter mais pessoas a assistir à missa poderá ter que ver com o período difícil que estamos a viver? Há aqui muitas motivações, uma das razões pode ter que ver com o momento, as pessoas têm medo e, se calhar, agarram-se mais a Deus. O vírus pôs o mundo em estado de alerta, recorda-nos a nossa fragilidade, não somos nada. Fomos à Lua e não conseguimos dominar um vírus, isso também deve ter voltado as pessoas para Deus, para a fé, para a Igreja. Para outras, se calhar, é um entretém, estão em casa sozinhas e estão entretidas 30 a 40 minutos. Há a vantagem de ser uma igreja doméstica, não têm de sair de casa para assistir à missa. Sei de famílias que, aos domingos, ligam o iPhone ou o iPad à televisão e assistem todos juntos, com a mesma postura com que estão na igreja, Têm mandado imagens disso. Não podem ir à igreja, mas querem ter a igreja em casa, chamamos a isto igrejas domésticas e que surgiram com esta pandemia..Há mais pedidos de ajuda junto à paróquia? Sim, há mais pessoas a pedir ajuda. Antes da missa, tem-me aparecido sempre alguém a pedir ou alimentos ou dinheiro, também me apareceu um grupo significativo de reclusos, sete, que foram libertados devido à pandemia..Como é que vieram parar a São Mamede? Sou o capelão, o padre assistente espiritual do Estabelecimento Prisional de Lisboa, conhecem-me e vieram bater à minha paróquia. Foram postos na rua com um saco de plástico nas mãos e precisaram de ajuda para aqueles primeiros dias: pagámos dormida, viagens, comprámos roupa e produtos de higiene, arranjámos malas e mochilas para os pertences dele, demos telemóveis, para começarem a organizar-se. Ajudámos naquela primeira semana, agora estamos a acompanhar dois, a tentar arranjar emprego, porque estas pessoas ficam um pouco estigmatizadas e é difícil encontrarem trabalho. Agora, mais ainda, com esta crise..Também entregam alimentos? Temos um minibanco alimentar na paróquia, para ajudar as famílias que nos pedem mantimentos. Quando têm necessidade de uma refeição, a paróquia tem o Centro Social e Paroquial de São Mamede, que é uma IPSS, e vão lá tomar a refeição. Desde que começou a crise, desde que começaram a despedir e a pôr as pessoas em la- off, apareceram mais pessoas a necessitar de apoio..As igrejas voltarão a abrir as portas no final do mês. Como irão adaptar-se às novas limitações? As igrejas só podem ter um terço da ocupação. Já tivemos a ver isso na paróquia, como vamos sinalizar os bancos para as pessoas se sentarem, etc. Vamos desdobrar as duas missas de domingo, e que habitualmente estão cheias, para garantir menos pessoas em cada missa. Tinha uma missa às 12.00 e outra às 18.30, e vamos ter mais uma às 10.30 e outra às 19.30..Acabam as missas no Facebook e no Instagram? Não, vou continuar a emitir a missa pelo Facebook, uma missa diária, nomeadamente para as pessoas mais velhas e que não é aconselhável virem à igreja. É a possibilidade que tenho de chegar a mais pessoas, que me seguem no Brasil, na Suíça, na França, na Espanha. Chego a pessoas que me seguem em Trás-os-Montes, onde nasci. Os meus pais, com quem estou umas duas vezes por ano, podem assistir à minha missa, para a minha mãe é uma alegria. Está em Valpaços e vê o filho a celebrar a missa pelo Facebook..Tem continuado a treinar? Tenho uma bicicleta em casa e treino em casa. E uma vez por semana, saio com a bicicleta ou vou correr pelo Monsanto, espero que as provas possam regressar em setembro..Qual foi a última em que participou? A última de prova foi a 11 de janeiro, um trail, o último Ironman foi em setembro, em Cascais.