O historiador britânico Tom Gallagher decidiu escrever a sua primeira biografia após ter publicado mais de vinte livros e o protagonista é Salazar. Não será por acaso que a obra que chega amanhã às livrarias portuguesas, Salazar - O Ditador Que Se Recusa a Morrer, é sobre uma das mais resistentes figuras da política nacional, pois tem "mantido" a História de Portugal sob o seu interesse desde que em 1983 lançou o primeiro trabalho: Portugal - Uma Interpretação do Século XX..Em entrevista, admite que "se no futuro tiver a oportunidade de rever esta biografia, estou recetivo a ouvir pessoas que sintam, talvez por meio de ligações familiares, poder lançar uma luz adicional sobre Salazar e a sua época". Não se incomoda em ficar sujeito a críticas quando diz "que a época salazarista não é aquela que causa tensão na sociedade quotidiana"..Depois da biografia de Filipe Ribeiro de Meneses, e dos vários trabalhos de Franco Nogueira publicados há mais de 40 anos, esta é a única investigação de fôlego a ser feita sobre Salazar. Ao perguntar-se-lhe quais são as suas expectativas em relação a novos estudos académicos sobre Salazar, Gallagher considera que existem vários temas em falta para melhorar a visão da época que estudou. Dá exemplos: "O papel do poder judicial na era de Salazar é uma dessas áreas, certamente bastante sensível; o papel da Misericórdia, e as ações caritativas em geral, têm sido pouco estudadas; a evolução da universidade de Coimbra durante o Estado Novo é outra; há famílias que refletiram os valores do regime em diferentes partes do país que podem merecer uma monografia, bem como nenhum dos três presidentes de 1926 a 1974 ter sido objeto de uma biografia séria e este é um lapso importante, especialmente no caso do presidente Carmona. Além destes temas, o pensamento de Salazar merece ser tema de um volume completo.".A bibliografia consultada é muito ampla, mas existem bastantes referências a artigos de jornais. Os historiadores portugueses não estão a cumprir a sua função? Neste assunto, como em muitas coisas na vida portuguesa, determo-nos demasiado nas personalidades não nos leva muito longe. Se Salazar não tivesse sido uma figura de destaque em Portugal, mas noutro país europeu dos meados do século XX, francamente não tenho a certeza se ele teria recebido muito mais atenção dos historiadores nacionais. O facto de ter sido uma figura cautelosa e de mentalidade tradicional numa era de radicalismo liberal, na verdade de experimentação, desencoraja a atenção excessiva dos analistas que geralmente são influenciados pela época em que vivem. Salazar era um fóssil pitoresco após 1974, mas na conturbada Europa de hoje, ele parece uma figura mais substancial e representativa..O que mais o interessou nesta biografia? Fiquei interessado em tentar uma avaliação biográfica porque o espírito da época está a deixar de ser liberal. Na verdade, muitos liberais influentes estão a renunciar ao liberalismo e Salazar começava a parecer uma figura menos anacrónica. Em diferentes cantos do mundo, muitos políticos começavam a lidar com os problemas de ordem, estabilidade e viabilidade económica que ele enfrentou há quase um século, quando a tendência da política em Portugal deixou de ser progressista. Também é um facto que outros países bem conhecidos encobriram episódios discordantes no seu passado nacional mais completamente do que em Portugal. A França era conhecida por se recusar a enfrentar os quatro anos de ocupação alemã de 1940 a 1944 até pelo menos quarenta anos após o seu término. Uma enorme pressão foi colocada sobre os editores, cineastas, etc., para não explorarem o período traumático..Em Portugal não? Não se deve esquecer que vários historiadores lançaram muita luz sobre a personalidade do governante, o seu estilo de governar, as suas preferências políticas, etc. Vêm imediatamente ao pensamento Manuel Lucena, José Freire Antunes, Filipe Ribeiro de Meneses, António Barreto, Fernando Rosas, Jaime Nogueira Pinto e Bernardo Futscher Pereira. A lista não é exaustiva e outros nomes certamente serão adicionados no futuro..Citaçãocitacao"Por estranho que pareça, o tema da corrupção não é aquele em que os académicos que têm pouco amor pelo Estado Novo se concentraram muito.".Como vê a relação atual dos portugueses para com a governação e herança de Salazar? Alguns clamam pela vinda de outro Salazar, embora as sondagens desde há muito tempo mostrem desprezo pela classe política. O partido Chega recusou-se a invocar Salazar como modelo. Não é nenhuma surpresa para mim que André Ventura tenha afirmado que: "precisamos de deixar para trás os fantasmas do passado". Ao contrário de Salazar, ele está interessado no desenvolvimento económico e acredita firmemente nas eleições e na liberdade de expressão. Mas, diz ele, "espero terminar os meus dias como ele - pobre e incorruptível"..Salazar já é um desconhecido? É claro que muita gente conhece Salazar, mesmo quem não se preocupa muito com a política. Em 2007, 41% dos espetadores da série de televisão Grandes Portugueses votaram nele como a maior figura da história portuguesa. Provocou grande surpresa e consternação entre os formadores de opinião que Salazar permanecesse um tão importante ponto de referência. Salazar é lembrado com uma certa nostalgia talvez por características de que as pessoas sentem falta não só em Portugal: cidades limpas e sem criminalidade, o país a contar para alguma coisa no mundo, mais civilidade, bom humor, harmonia entre as gerações, etc. Muitos estão prontos para bloquear a ausência de liberdade, a existência da PIDE, as misérias sociais, a censura, a falta de eleições. Dada a assiduidade eleitoral frequentemente baixa, talvez isso não deva ser uma grande surpresa. Os políticos portugueses temem um renascimento do interesse por Salazar. Devido à sua falta de prestígio na sociedade, talvez se sintam incapazes de controlar a narrativa do autocrata morto. Mas acho que o medo de ter um museu - ou centro interpretativo - no seu local de nascimento é neurótico, talvez até um pouco ridículo..Afirma que a ascensão de Salazar ao poder "foi pouco convencional e a sua conservação durante 40 anos foi notável". A que se deve essa longa duração enquanto governante? Uma característica importante que vem de há muito tempo e que os escritores liberais sobre o Estado Novo às vezes esquecem é que, em muitos aspetos, Portugal é um país conservador. Acho que muitas pessoas ainda aderem a alguns dos princípios básicos do conservadorismo no seu comportamento e nas suas perspetivas. Salazar tinha o talento de explorar essas características nacionais para fins políticos. As condições para um período de governo conservador existiram depois de 1926 de uma forma que não existiam no século após 1808 ou nos quase 50 anos depois de 1974. Ele foi capaz de aproveitar o desejo de ordem, estabilidade e recuperação económica, e foram relativamente poucos os que ficaram tristes com o facto de a sua fórmula envolver a dissolução de partidos políticos que não haviam conquistado o afeto popular durante o seu tempo à frente dos assuntos nacionais. A maneira como lidou com as crises ibéricas e europeias mais amplas aumentou a sua credibilidade. Foi astuto o suficiente para resistir, apesar de uma queda acentuada no apoio interno depois de 1945, acompanhada mais tarde por surtos de isolamento internacional. É percetível que os reveses internos e externos não resultaram em "esgotamento" ou paranoia. Ele era excecionalmente teimoso e obstinado por trás de uma aparência afável. Essas são características incomuns para um governante em qualquer sistema político. Apesar das ameaças ocasionais de renúncia, a sua autoconfiança era enorme. Ele também atraiu ajudantes competentes e não alienou muitos deles se compararmos com os líderes de Estados democráticos como o Reino Unido..Qual a explicação para que Salazar mantivesse opiniões conservadoras enquanto o mundo evoluía à sua volta? O seu conservadorismo não era tático ou oportunista, mas real. Era adepto da mudança lenta e criteriosa e procurava orientação para o futuro com base na sabedoria do passado. Mário Soares escreveu uma vez sobre a regra de ouro de Salazar - "deixar estar, para ver como fica". A crença que adquiriu no início dos anos 1920 de que partidos barulhentos e competitivos prejudicavam Portugal nunca o abandonou. Ele não ficou impressionado com o renascimento da política eleitoral na Europa Ocidental após 1945 e parece não se ter preocupado com a abolição das eleições diretas para Presidente da República em 1959. Pode ter sido que a falta de gratidão demonstrada nas cidades por ter feito com que Portugal e o seu império passassem pelo período da II Guerra Mundial praticamente ilesos, o tenha convencido a "aprofundar" e não alterar as características essenciais do seu regime. Os comunistas eram a principal componente de uma oposição fraca e ele não queria torná-los mais fortes..Estava sozinho nessa política? Ele tinha aliados continentais, os democratas-cristãos na Alemanha e em Itália, e mais tarde de Gaulle em França, que não o pressionavam para mudar. Como teria reagido o general Franco em Espanha se Salazar tivesse optado por uma "abertura"? Suspeito que não reagiria bem. Salazar via o liberalismo como uma fórmula para o individualismo destrutivo que colocava as sociedades em perigo ao privá-las da sua virtude. Ele troçou da ideia de que liberalismo e democracia eram uma parceria natural. No fundo, o liberalismo era intolerante e jacobino, como havia sido demonstrado na Península Ibérica do século XIX e, para alguns, está a ser demonstrado novamente na América de Joe Biden. Ele estava convencido de que a época liberal era transitória, embora provavelmente temesse a desintegração do mundo humano em vez de uma recuperação conservadora..Sendo monárquico, fez sempre questão de não restaurar a monarquia. Só assim podia reinar? A identificação de Salazar com a igreja e a monarquia surgiu porque via a fé religiosa e uma monarquia hereditária como baluartes contra a anarquia e a tirania. Elas propiciavam uma estrutura de ordem sem a qual os homens se tornam monstruosos de acordo com o filósofo do século XVIII Charles de Maistre. Mas Salazar desconfiava da Igreja como instituição e não havia candidato para uma restauração da monarquia em Portugal que tivesse muitas hipóteses de consolidar o seu regime. Provavelmente, a sua melhor hipótese de sobrevivência residiria no aparecimento de um sucessor civil competente. Tal pessoa poderia ter preservado um sistema amplamente nacionalista enquanto o adaptava, movendo-se talvez numa direção gaullista. Mas, no final da década de 1960, não havia ninguém que pudesse fazer isso e, portanto, criou-se um vácuo. Ele falhou na criação de um grupo forte de donos de propriedades privadas - artesãos, pequenos proprietários, lojistas - que desejassem preservar um estilo de vida baseado no conservadorismo em vez do radicalismo..Manter a neutralidade durante a II Guerra Mundial foi de um génio político ou era o que mais interessava às grandes potências? Se existe algum consenso sobre a governação de Salazar, é sobre o seu papel na prevenção de que o conflito global do início dos anos 1940 atingisse Portugal. Provavelmente, enfrentou pressões maiores do que qualquer um dos outros países neutros europeus: Suécia, Suíça ou Irlanda. Os ingleses viam Salazar como uma presença indispensável em Portugal e mostravam muita latitude para com ele. Sir Frank Roberts, posteriormente embaixador britânico na Rússia, negociou com Salazar sobre os Açores e disse posteriormente que ele era a única pessoa capaz de governar Portugal eficientemente, sendo as possíveis alternativas "um lote desgraçado, os melhores deles, políticos de café continentais de quinta ordem". O regime espanhol também passou a ver Salazar como uma presença inestimável na Península, mas demorou mais para que Franco adquirisse essa visão. Com os americanos, Salazar passava às vezes momentos terríveis, pois não havia encontro de vontades. Ele era definitivamente a "velha Europa" aos olhos dos impetuosos tecnocratas civis que planeavam a guerra e enfrentou a implacabilidade americana várias vezes durante a guerra e o seu próprio comportamento intransigente, combinado com o papel restritivo da Grã-Bretanha, pode ter evitado por pouco o desastre para o seu regime..Os Estados Unidos foram sempre o principal "inimigo" da governação salazarista? Salazar tinha boas relações com vários diplomatas americanos importantes, como George Kennan e Dean Acheson. Que partilhavam o seu conservadorismo e teriam achado fácil envolverem-se com um conservador que promovia as virtudes da disciplina, da contenção e de uma aceitação não sentimental da realidade. Como Salazar, eles estavam preocupados com o comunismo e a sua tentativa de eliminar características inerradicáveis da natureza humana a fim de construir um novo sistema radical de governo. Salazar, provavelmente, era demasiado educado para lhes falar sobre a sua consternação com a sociedade americana. Via a forma de governar americana como tolamente idealista, excessivamente otimista, impulsiva e tremendamente apressada. A ânsia da América por uma rápida descolonização em África, a fim de construir uma barreira contra o comunismo, era para ele uma combinação de perigosa ingenuidade e ganância económica. Por isso, Salazar nunca procurou familiarizar-se verdadeiramente com a política americana..A manutenção de uma política colonial fora do tempo foi o seu grande erro ou não poderia ter agido de forma diferente? O paradoxo é que a cautela de Salazar tornou a sua obstinação em África cada vez mais inútil. Ele estava determinado a manter um ultramar português, mas a sua cautela impediu a adoção de quaisquer políticas inovadoras que poderiam ter garantido esse objetivo e evitado o golpe de 1974. O ministro dos Negócios Estrangeiros, Franco Nogueira, montou uma defesa habilidosa da posição de Portugal em África, o que reduziu a hostilidade dos EUA mesmo enquanto o presidente Kennedy ainda estava vivo. Mas nenhuma política imaginativa projetada para transformar as estruturas políticas ocorreu no terreno. Adriano Moreira tinha ideias ousadas, mas carecia de habilidade para ser um ator político eficaz. A idade de Salazar fez com que recuasse perante a ideia de ser inovador em África: ele temia recuar de uma posição unitária, quando reformular a relação com África era provavelmente a única hipótese - provavelmente pequena - de evitar a descolonização em condições desfavoráveis. Salazar estava a remar contra a maré. A existência de um regime de apartheid amplamente odiado na África do Sul manchou a presença de Portugal em Angola e Moçambique e nenhuma atenção foi dada pela opinião mundial hostil às melhorias atrasadas, mas reais, na posição dos africanos naqueles países..Descreve o sucessor Marcello Caetano como "indeciso" e alguém que desmantelou a maior parte das defesas do regime. Não estava à altura do cargo? Para alguns, é notável que um crítico de longa data do estilo de Salazar e de algumas das suas políticas tenha sido aquele que o sucedeu. Mostra como a CIA estava errada em 1949, quando relatou ao presidente Truman as "fações palacianas" geridas "com uma firmeza draconiana" por Salazar. A presença de longa data de Caetano no regime expôs algumas das suas vulnerabilidades. Ele foi incapaz de encontrar espaço para a sua energia e visão durante a juventude. Foi-lhe permitido criar a sua própria fação, cujos membros eram em grande parte atraídos por Caetano, não pelo que ele representava, mas sim pelo seu papel de dispensador de mecenato. Substituiu Salazar em 1968 porque não havia mais ninguém. Esta foi uma indicação reveladora de que o poder do regime estava cada vez mais "fossilizado"..O regime democrático que sucedeu a Salazar/Caetano desmentiu a incapacidade dos portugueses para viverem desse modo. No entanto, é muito crítico da "corrupção em alto nível", da "fraca gestão da economia" e da "incapacidade do Estado". É uma herança do salazarismo? Por estranho que pareça, o tema da corrupção não é aquele em que os académicos que têm pouco amor pelo Estado Novo se concentraram muito. Os defensores do regime foram rápidos em apontar que nenhuma grande revelação sobre a corrupção sistemática nas décadas anteriores a 1974 surgiu depois daquele ano. O almirante Henrique Tenreiro, figura dominante na indústria da pesca, era visto como um símbolo da venalidade. Ele foi mantido detido por um longo período depois de 1974 e o seu histórico foi tema de um inquérito exaustivo por parte do Estado. Mas, curiosamente, nenhuma prova que pudesse ter levado a um processo por corrupção foi desenterrada..Até que ponto influenciou o pós-1974? É inútil fingir que o salazarismo não integrou traços do regime monárquico ou do regime republicano liberal e que, por sua vez, não influenciou aspetos da ordem pós-1976. É possível descrever o Portugal de Salazar como uma extensão moderna e mais complexa e autoritária de uma política gerida à maneira oitocentista sob liderança civil e professoral. O Portugal democrático de advogados, educadores, especialistas em relações públicas e políticos em tempo integral também herdou algumas das características fechadas e restritas do Estado Novo. Os historiadores terão de trabalhar muito mais arduamente do que têm feito para desenterrar exemplos de pilhagem e saque na época do Estado Novo que se comparem aos escândalos financeiros que regularmente irrompem à luz do dia, especialmente desde a chegada de muito dinheiro europeu..Refere que um ano após o derrube do regime, em 1975, havia mais presos políticos do que em qualquer outro momento do reinado de Salazar. Essa é uma verdade que os seus opositores políticos irão sempre esconder? Um relatório elaborado para o Conselho da Revolução em 1976 revelou abusos generalizados dos direitos humanos nos 18 meses do período revolucionário anterior. O facto de ter estado embargado até à sua divulgação pelo presidente de Portugal em março indica uma reticência por parte de pessoas influentes em que tal se tornasse do conhecimento geral. Um dos que sofreram severas torturas foi o tenente-coronel Marcelino de Mata, natural da Guiné-Bissau e o mais condecorado oficial do exército português. A sua morte recente trouxe esses factos à tona..Conclui que "em nenhum outro momento dos últimos 300 anos foi Portugal tão influente como sob Salazar". Por que razão não inspira a ideologia dos partidos conservadores pós-25 de Abril? Falando em primeiro lugar da esquerda política, o antifascismo tornou-se um dos seus símbolos legitimadores em toda a Europa. Mas as aparências enganam. A esquerda radical fez eco de Salazar, desejando exercer um controle ainda mais amplo sobre a economia e a sociedade civil do que ele desejava. Também teve uma visão restritiva sobre quem deve ser autorizado a participar na política e o valor que deve ser atribuído às decisões da maioria eleitoral. O centro-direita sempre teve o cuidado de não ser acusada como nostálgica de elementos do Estado Novo e, por outras palavras, de ser pós-salazarista. Assim, especialmente o PSD, retratou-se como um partido socialmente liberal na política interna. Curiosamente, teve pouco tempo para o nacionalismo de Salazar e endossou a iniciativa das potências anglo-saxónicas e da UE, algumas das quais tiveram resultados bastante infelizes. O Chega parece falar mais sobre Salazar e a sua época apenas para diferenciar o partido da austeridade salazarista e do desdém de Salazar pelo veredicto das urnas..Da leitura desta biografia parece sentir-se uma admiração pelo protagonista. Concorda? Admirei o seu poder de permanência e a sua capacidade de projetar a influência de Portugal no mundo por boas e não tão boas razões. Foi capaz de usar elementos da sua personalidade como ferramentas de controlo e sobrevivência e parece ter tido a força mental suficiente para evitar que reveses e deceções depois de 1945 enfraquecessem a sua determinação de continuar no poder. É impressionante que tenha ficado calmo na maior parte do tempo e mantido a paranoia sob controlo. Portanto, como um técnico de poder, ele desperta obrigatoriamente algum respeito. Conseguiu articular uma defesa do interesse nacional português enquanto os decisores políticos contemporâneos acham difícil fazê-lo em relação à China, à Rússia e a uma Alemanha recém-afirmativa. Além disso, remou contra a maré insistindo que os problemas do mundo não surgiam da imposição de ideologias imperfeitas ou dos efeitos de civilizações corruptas. Ele pensava que muitas das falhas da humanidade eram intrínsecas e difíceis de erradicar, um legado da história evolutiva do homem..E o que encontrou de negativo? Ter falhado na promoção da renovação e em permitir que o regime evoluísse de forma que não dependesse mais dele. Na era pós-1945, deveria ter confiado menos no Reino Unido e sido mais assertivo nas suas relações com "o Aliado Mais Antigo". A rápida descolonização britânica foi o equivalente à vitória dos republicanos na Guerra Civil de Espanha: enfraqueceu gravemente o seu regime e um Portugal pluricontinental. Também geriu mal o exército e, sem dúvida, deveria ter visto a partir do desafio de Delgado e da tentativa de golpe de 1961 que os militares não poderiam mais ser um pilar confiável do seu regime. Acelerou desnecessariamente as tendências que levaram muitos a mudar do interior para o litoral ou, simplesmente, para fora de Portugal. Essa mudança demográfica enfraqueceu um Portugal tradicional com mentalidade nacional. E houve também um grande desperdício da energia católica porque deu espaço insuficiente para que os portugueses de mentalidade religiosa desempenhassem um papel ativo na vida pública. Por razões diferentes, esse continuou a ser o caso após 1974..Salazar - O Ditador Que Se Recusa A Morrer. Só poderia ser este o título do seu livro? Obviamente, não. É inspirado pela observação do jornalista francês Roland Faure que o entrevistou um ano antes da sua morte quando ele já estava muito doente: "Uma situação estranha e dramática, impregnada da grandeza irreal deste personagem shakespeariano: o rei que não queria morrer...".Tom Gallagher.Editora D. Quixote.478 páginas