A frase é comum a dois dos principais responsáveis do setor do livro: "Não há filas à porta das livrarias infelizmente, nem são fonte de contágio." É o que afirmam Paulo Oliveira, CEO do Grupo BertrandCírculo, e Pedro Sobral, vice-presidente da APEL e diretor-geral das edições do grupo Leya, sendo que ambos referem uma estranheza por o governo ter fechado de forma mais drástica no segundo confinamento as portas às livrarias e ao que a lei portuguesa considera um "bem essencial"..Apesar de o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa ter "proibido proibir" o fecho das livrarias, o primeiro-ministro manteve a maior parte delas encerradas. Uma situação incompreensível para Paulo Oliveira: "Se é um bem essencial, não deve ser proibido, o que torna estranho o comportamento do governo." A opinião de Pedro Sobral não diverge: "No primeiro confinamento, o livro foi considerado um bem essencial e agora não. Vive-se um contexto complexo, pois esse bem essencial está restrito ou proibido de ser vendido nos seus pontos de eleição, as livrarias.".Ambos coincidem noutra estranheza, a da incerteza sobre a reabertura das livrarias: "Os números da pandemia mostram que antes dos meados de março isso não acontecerá e daqui a um mês será a melhor perspetiva. Além de que deverá acontecer de uma forma faseada conforme a sua dimensão e localização a exemplo do primeiro desconfinamento", adianta Paulo Oliveira. A opinião de Pedro Sobral vai no mesmo sentido: "Quem mais sofre são as livrarias independentes e as cadeias livreiras, como a da Bertrand, da Almedina, da Ler Devagar, que estão fechadas. Ou seja, o que está aberto não representa a maioria do mercado.".A esta questão junta-se o facto de ser nas livrarias que o livro se vende em todos os seus géneros. "Neste momento ter abertas as abertas as FNAC, os El Corte Inglés e as papelarias não significa que as editoras lancem todos os livros porque falta a componente mais relevante do mercado: a livraria. Sem elas, chancelas importantes e mais literárias como a D. Quixote, a Caminho ou a Quetzal, não têm espaço para se mostrarem", acentua Pedro Sobral. É o caso de um dos grandes lançamentos deste início do ano que foi adiado, o novo romance de Arturo Pérez-Reverte, um entre "dezenas de livros que ficaram por editar na Leya desde o início do ano", de outras dezenas nas chancelas da BertrandCírculo, tal como em todas as editoras nacionais..Quantos livros deixaram de se vender? A resposta é fácil de encontrar, afinal a queda de mercado em 2020 atingiu um valor de 17% e no que respeita a unidades foi de 18,3%. Números que correspondem a 2,1 milhões de livros..Será possível existir recuperação destas perdas? Outra vez, a resposta é fácil: "Este prejuízo não é recuperável, o que não quer dizer que o mercado não possa recuperar. O que está perdido não se recupera, pois para isso ter-se-ia de vender neste ano mais 2,1 milhões de livros, o que é impossível", refere Paulo Oliveira..Pedro Sobral acrescenta: "Neste ano o mercado já perdeu seis milhões de euros devido ao confinamento. É uma situação catastrófica, basta comparar com a grande crise financeira de 2011, quando o mercado perdeu 25%, valor que só estava a ser recuperado no princípio de 2020. Demorámos nove anos a recuperar, portanto imagine-se o que será desta vez.".Podem fazer-se comparações entre a situação portuguesa e a de outros países da Europa? Pedro Sobral destaca o facto de na maioria destes países as livrarias não estarem fechadas: "A única semelhante foi no País de Gales e em França, onde tudo foi fechado durante 15 dias, no entanto após esse período o livro voltou a estar à venda nas livrarias. Em Portugal, poderemos ir assim até à primeira semana de abril, o que é péssimo para um mercado tão frágil como o do livro.".Sobral não quer fazer comparações: "Em França, existe uma base de leitores muito alargada, que compra livros habitualmente em milhares de livrarias espalhadas por todo o país, desde a pequena aldeia à grande Paris. No confinamento viram-se filas nessas livrarias antes de fecharem e quando abriram regressaram à normalidade, porque essas pessoas consideram a leitura e o livro um bem normal. Em Portugal, o livro é um bem de impulso, com maior concentração de vendas no Natal, pois não se compra para ler mas para oferecer. A comunidade de leitores que compra livros regularmente, seis a sete por ano, é muito pequena, daí que a nossa média seja de um livro e meio por ano enquanto a média francesa anda nos dez . Mesmo em Espanha, a média é de quatro a seis livros. Como é um mercado muito volátil, não é preciso ser economista para imaginar o que nos espera até ao fim da década.".Paulo Oliveira alerta para outra questão: "O grande problema é a alteração dos hábitos de consumo e de leitura que o processo de confinamento gera, um afastamento do livro por se recorrer muito a plataformas de streaming, áudio e vídeo, que o fecho das livrarias ajuda e induz. Será permanente ou não? A boa notícia é que durante o período após o fim do primeiro confinamento, mesmo com as limitações de então, os que entravam nas livrarias compraram mais. Mas os que lá vão são os mais interessados em ler.".Feira do Livro de novo adiada.Quando se pergunta se a Feira do Livro irá salvar a situação das editoras, Pedro Sobral refere que "ainda não se sabe nada sobre o evento, mas suspeito de que não haja condições para se realizar em maio e junho. Acho que vai ser adiada, pois com o desconfinamento a partir de abril e faseado, dificilmente se pode começar no fim de maio. Nem faz sentido.". "Esqueço-me algumas vezes de que tenho a máscara posta. Terrível a sensação de que um dia me posso esquecer do que sou antes do que nos aconteceu num princípio de um ano que nasceu igual aos outros. Terrível a sensação de que temos a vida parada, de que as nossas crianças perderam a memória de como eram as brincadeiras sem pessoas escondidas, sem o afeto que vem das mãos, dos sorrisos e abraços..Uma vida adiada e amplificada pelo ruído de ruas vazias - mesmo quando circulam pessoas. Uma vida adiada com encontros prometidos para breve e livros escondidos em livrarias de portas fechadas. Também o meu último livro aguarda pelo instante em que pode existir. Também ele, tal como nós, está num caixote que o protege de um inimigo invisível. Também ele, tal como nós, teme o perigo de não reconhecer a liberdade quando ela finalmente chegar..Esqueço-me de que tenho a máscara posta. E esqueço-me bastas vezes de que a vida passa muito depressa. Que a vida é um mar por vezes revolto que nos leva para fora de pé quando não sabemos para onde ir. E não saber para onde ir é ainda mais grave do que todas as outras coisas que o são. Na nossa vida, na vida das cidades, dos países, das civilizações..As livrarias estão fechadas e os livros numa prisão domiciliária sem direito a visitas. Isso diz sobre o que somos. Diz sobre o lugar onde nos posicionamos. Na Europa poucos países têm as livrarias abertas? Sim, é verdade. Mas isso diz também sobre o lugar onde a Europa se posiciona, sobre a dificuldade de se criarem novas palavras, sobre a complexidade de oferecermos ao pensamento e à cultura a dignidade das coisas essenciais..O meu livro por nascer está em prisão domiciliária. Ainda não viu a luz do dia e já está preso como se fosse um criminoso retirado do inferno de Lombroso. Mas na verdade é a nossa civilização que precisa de ser resgatada de uma prisão de pensamento que nos está a condenar à irrelevância. As livrarias deviam estar abertas. Como as padarias. O pensamento deveria ser regado e a indústria que resiste todos os dias deveria ser protegida. Porque quando falirem... quando falirem restar-nos-á fechar as portas em definitivo..Ficheiros Secretos Luís Osório Editora Contraponto.O meu livro de crónicas, Adeus, Futuro, deveria ter sido publicado no dia 5 de Fevereiro e, por causa da decisão do Governo de não permitir a venda de livros senão online (recentemente, embora contrariado, aceitou a sugestão do Presidente da República de pelo menos deixar vender nos locais que já estavam em funcionamento), foi adiado e não sei ainda quando efectivamente sairá. A data tinha sido planeada para fazer coincidir o seu lançamento com o festival Correntes d"Escritas, a que vou há mais de vinte anos mas onde estranhamente nunca apresentei um livro meu. Foi, portanto, mais uma estreia adiada sine die, até porque só costumo publicar um livro de tantos em tantos anos..Por outro lado, já havia bastantes entrevistas apalavradas e marcadas (na rádio, na televisão e nos jornais) que ignoro se virão a manter-se quando o livro sair, porque, na altura em que finalmente for possível vender livros em todo o lado, a enorme quantidade de títulos que ficaram retidos desde Janeiro nos armazéns das editoras vai sair toda de uma vez, ao monte, numa espécie de concorrência autofágica quer nas lojas (onde o espaço reservado a cada título será obviamente menor do que o esperado), quer nos meios de comunicação (nos quais não haverá disponibilidade para entrevistar todos os autores nem páginas para criticar tantos livros). Todos ficarão por isso a perder, já para não falar da difícil gestão que os responsáveis pela Comunicação das editoras terão de fazer, com pilhas de meninos nos braços....Para mim, porém, que sou também - ou sobretudo - editora, a questão do meu próprio livro é uma migalhinha no universo. O problema maior é que vivemos num país que, depois de ter acabado com um analfabetismo de séculos, tem agora uma população completamente dependente do audiovisual e do digital que lê e se informa cada vez menos. E, em vez de combater este outro tipo de analfabetismo concedendo inequívoca importância à leitura e promovendo-a, sobretudo em confinamento, permite-se a venda de jogos de computador e revistas de baixa extracção (que nada fazem pela cultura), mas impede-se a abertura de bibliotecas e livrarias, que podiam, respectivamente, ter um serviço de empréstimo e vender ao postigo, cumprindo todas as regras de segurança. E a situação é também absurda porque os menos ignorantes, aqueles que lêem livros, são seguramente os mais bem preparados para saber que «etiqueta respiratória» é tossir para o cotovelo e que as máscaras não se usam do nariz para baixo; são os que sabem evitar ajuntamentos e respeitar o distanciamento, ao contrário dos que continuam a plantar-se aos dois e aos três diante dos quiosques de jornais a ler as gordas e a folhear o jornal emprestado... às vezes até lambendo o dedo para virar a página..Fechar as livrarias é, no fundo, dizer à população que os livros podem ficar arredados do público porque não são essenciais. Quando estão abertas as lojas de champôs, tintas e lacas, eu não consigo deixar de me perguntar: será que o cabelo para estes senhores é mais importante do que a cabeça?.Adeus, Futuro Maria do Rosário Pedreira Editora Quetzal. Susana e António Ribeiro de Andrade, Rui Vieira e Miguel Noronha são as minhas personagens prontas para o mundo, dentro de um livro intitulado Da Meia-Noite às Seis. Imagino-as a tentar sair das páginas, a analisar os caixotes onde estão reclusas, a tentar a grande evasão. Tenho pena delas, estas personagens que habitam uma história que deveria estar na mão dos leitores. Escrevi o livro no primeiro confinamento, de rajada, quase como uma cronista do tempo. Não é um livro sobre a pandemia, é sobre estas personagens antes e durante a pandemia, numa dimensão de futuro, algures em 2022. Quis refletir sobre o que será este novo normal. Não escrevi sobre as livrarias fechadas e as floristas abertas, sobre a água que não se pode vender a partir de certa hora ou de outras particularidades deste tempo..Nunca imaginei que fosse possível entender o livro como um bem não essencial. Escrevi sobre a falta de afeto, de partilha, de encontro físico. Sobre a solidão, o luto, a redenção, o poder recuperador da amizade e essa magia que é uma rádio. Ancorei a narrativa na pergunta que faz Caetano Veloso na canção Cajuína: existirmos, a que será que se destina?.A pandemia trouxe-me momentos pesarosos, também algumas alegrias e uma delas é este livro enclausurado. É sempre entusiasmante quando nos nasce uma personagem, toma forma, apodera-se de nós, vive connosco. Com estas quatro que estão à procura da grande evasão para chegar ao leitor, aprendi, comovi-me, incomodei-me, reuni novas questões. Ajudaram-me a digerir com mais alento as novidades deste monotema que tomou a nossa vida de assalto, o vírus que está em todo o lado e que nos diminuiu a possibilidade de expressarmos os afetos, de partilharmos, de fazermos os gestos que proporcionavam felicidade..Pergunto-me como será daqui para a frente: os jovens terão a sua vida amorosa em que moldes? O que significará uma vida mais reclusa para o seu desenvolvimento emocional? Os mais velhos conseguirão sobreviver à crueldade de uma solidão imposta? São perguntas que permitem percorrer várias pistas. Um livro também é isso: um ativador de perguntas. Da Meia-Noite às Seis é uma história sobre e de intimidade. Não é preciso guardá-la dos olhares de quem precisa de ler, de quem percebe a importância da leitura. É preciso desconfiná-la e deixá-la encontrar os seus leitores..Da Meia-Noite Às Seis Patrícia Reis Editora D. Quixote. Há pessoas para quem escrever um livro nunca foi um projeto, mas quando a ideia é sugerida passa a fazer sentido, outras que já tiveram a sua estreia e por isso já sabem ao que vão e depois há aquelas pessoas que, como eu, sempre tiveram o sonho de escrever, mas acreditam que a oportunidade nunca irá surgir. Mas surgiu. Há cerca de ano e meio o convite surgiu e o tema já estava mais do que pensado e debatido na minha cabeça..Foi um projeto muito desejado que foi interrompido por uma pandemia que o fez permanecer impresso e fechado durante mais tempo do que previsto e que me fez, numa primeira fase, esmorecer. Em menos de 24 horas olhei para ele em formato físico pela primeira vez, partilhei com emoção um vídeo em direto da sua chegada a minha casa e do momento em que o tive em mãos, contei a minha história, a sua história, expliquei o poder dos sonhos que nos movem, emocionei-me e, algumas horas depois, comuniquei também que ia ter de adiar, por tempo indeterminado, o realizar de um sonho, que agora estava no coração de tanta gente..É curioso que muitas pessoas partilharam comigo mensagens de tristeza, não por mim, mas porque, estando em casa e mais disponíveis, muitas delas sozinhas (re)descobriram a companhia dos livros e viam agora estes parceiros de luta em tempo de covid-19 afastados pela decisão do governo de impedir a venda de livros..Depois do choque inicial percebemos que há problemas mais graves no mundo, que há pessoas que lutam pela vida num hospital e que o adiar de um sonho é apenas isso, o adiar de um sonho. Mas a revolta por saber que podia fazer companhia aos dias solitários de algumas pessoas, dando-lhe ferramentas importantes no contexto, mantêm-se até que as livrarias estejam novamente abertas e eu, assim como outros autores, possamos partilhar as nossas ideias e fazer companhia às "nossas" pessoas..Economisses Susana Rosa Editora Influência