Neste ano, a covid-19 tirou-nos os filmes de verão do cinema de estúdio americano. Tenet, de Christopher Nolan, aprazado para o final do mês, pode ser a exceção, mas nada vai ser como antes. Os filmes das férias grandes eram, sobretudo para os mais jovens, um símbolo de um novo ciclo e uma possibilidade de fuga. Portugal, nos últimos anos, já estava com o passo acertado com os americanos, e as estreias mundiais eram acontecimentos que a nível financeiro produziam resultados muito acima da média, mesmo com a concorrência das férias, da praia e do apelo ao ar livre..Agora, com cinemas às moscas, o advento do blockbuster é uma espécie de saudosa memória. Saudosa, se pensarmos no filme que inventou o termo, Tubarão, lançado no verão de 1975 para mudar a maneira de se consumir uma obra nas salas, em que o primeiro fim de semana ditava o sucesso ou o fracasso de um título. Foi a partir do thriller imortal de Steven Spielberg que a regra de muitos ecrãs para o mesmo filme vingou. Claro que mais tarde veio criar vícios e perversões, chegando-se ao novo século com produtos ruidosos formatados para agradar a uma demografia juvenil refém da estética dos videojogos. Com bom senso descobre-se que o franchise de Michael Bay, Transformers, era uma entrada para a avalanche dos filmes do universo Marvel, em última análise o anti-Tubarão..Mas as boas memórias dos summer movies trazem-nos reencontros com sessões que marcaram uma geração. Matinés na cidade ou na província que juntavam grupos de amigos e colegas. Filmes que se tornavam casos de afeição nos cinemas fora do centro comercial. São muitos os da geração de 1970 que se lembram das lotações esgotadas de Indiana Jones e o Templo Perdido nos Alfa Triplex, um dos primeiros multiplex de Lisboa. O filme de Steven Spielberg no verão de 1984 ganhava um elã de celebração mútua do chamado "regresso da grande aventura". O reencontro da personagem de Indiana Jones provocava um efeito de euforia. Tratava-se de um dos filmes mais lúdicos de Spielberg, uma arrojada mistura de fantasia com a chave do suspense excêntrico do original Os Salteadores da Arca Perdida..Outro dos filmes de verão de Hollywood que marcaram uma geração foi Momento da Verdade II, do experiente John G. Avildsen, outra sequela que se tornou objeto mítico para a miudagem dos anos de 1980. Chegou em 1986 e foi como que uma visita a uma família que tinha encantado há dois anos, o mestre de karaté e o jovem tímido interpretado por Ralph Macchio. A cristalização dos valores iconográficos do filme preenchiam-se por uma rede de afetos melodramáticos e por uma pureza genuinamente eighties. Glory of Love, a canção de Peter Cetera na qual se embalava o marketing do filme, também foi importante e ajudou muitos casais a ficarem mais românticos nesse verão..Mas os filmes de verão também podem ser filmes de culto. Quem em 1985 viu The Breakfast Club - O Clube, do saudoso John Hughes, percebe. Era um filme de verão sobre castigos escolares: um grupo de jovens de uma escola secundária é obrigado a passar tempo junto depois de mau comportamento. Hughes dava-nos uma comédia perfeita sobre as dores de crescimento na adolescência. Sim, porque é no verão da nossa juventude que estamos mais moldáveis pelos filmes e pelos livros... Breakfast Club mexeu também com as pistas de dança de todas as discotecas perto da praia graças ao tema Don't You Forget about Me, dos escoceses Simple Minds..Também em 1985, em plenas férias, Rambo III, de Peter MacDonald, arrasava. Tratava-se do pináculo da popularidade de uma personagem que se transformava num herói de ação tipo máquina de matar. Nesta aventura sangrenta e grunha no Afeganistão já estávamos longe da complexidade emocional do primeiro Rambo, mas a estética brutamontes animava as famílias e o filme tornava-se num autêntico campeão de verão. Na altura, no Algarve, os cinemas-esplanadas funcionavam e a lotação esgotava com o nome Stallone..Por vezes, a saga James Bond chega no verão. Em 1987, Timothy Dalton estreava-se como 007 em The Living Daylights - Risco Imediato, de John Glen, onde já se destacava Benicio del Toro como vilão secundário. A excitação de arranjar bilhetes para o fim de semana de estreia era só por si um evento veraneante. Verdade seja dita, Bond no verão é bem refrescante....O verão é também sinónimo de franchises, e esta época tem sido amiga de Missão: Impossível. Foi em pleno agosto que nos chegou o primeiro. Missão: Impossível, de Brian De Palma, marcava o verão de 1996 e apanhava a popularidade de Tom Cruise no pico. Tratava-se de uma sofisticada reinvenção da série televisiva com o mesmo nome. Depois disso, qual amuleto, é no verão que têm chegado as sequelas que tanta alegria têm dado a cinéfilos de vários esquadrões....E, coincidência, ou não, as mais afamadas sequelas também foram lançadas no verão. Algumas continuações de Arma Mortífera pareciam que faziam parar as férias. Mel Gibson e Danny Glover eram uma dupla filmada por Richard Donner com uma diversão jovial que não cansava, mas a sequela que será sempre memorável pertence a Joe Dante e ao seu Gremlins 2 - A Nova Geração, cheio de humor anarquista. Spielberg produzia um divertimento que em Portugal conseguia algo muito raro na altura: consenso dos críticos e adesão em massa do público (mesmo com uma campanha de marketing que produzia t-shirts com um erro ortográfico: "A Nova Generação")..Aliás, o verão cinematográfico em Portugal deve muito a Steven Spielberg, ao produtor e ao realizador. Como produtor é responsável por filmes de verão como MIB - Homens de Negro, Regresso ao Futuro III ou Um Dia a Casa Vem abaixo, mas como realizador, além de Tubarão, foi feliz com sucessos como A.I. - Inteligência Artificial, Guerra dos Mundos ou A Cor Púrpura, este último já com um cheirinho de rentrée e estreado em setembro..Outra ideia de filme de verão, despreocupado e com extrema qualidade de entretenimento, é Em Busca da Esmeralda Perdida, o clássico de Robert Zemeckis, capaz de criar uma entusiasmante mistura entre comédia e aventura. Outra pérola dos anos 80, década que conciliava maravilhosamente as sessões de reprise com as novidades vindas dos EUA....Dê por onde der, o cinema celebrado no verão tem um outro sabor. Esperemos para ver como Tenet entra na história neste contexto...