Os desafios de Biden
Henry Kissinger escreveu que quando Richard Nixon chegou à Casa Branca em 1969 encontrou o país numa situação de quase guerra civil. Joseph Biden Jr., o 46.º presidente dos Estados Unidos, não irá encontrar uma situação muito mais favorável e nela terá de concentrar boa parte das suas energias e empenho, nos primeiros meses da sua presidência. E não será fácil sarar as feridas que hoje afligem a nação americana, a começar pelo grande problema de saúde pública, pelas gritantes desigualdades sociais e raciais, pelas dificuldades na recuperação económica e pela profunda divisão política que faz que existam, na verdade, dois EUA de costas voltadas. As crises que os Estados Unidos atravessam são de tal ordem que o país parece necessitar de um plano tão arrojado e decisivo como o New Deal que o presidente Franklin Roosevelt lançou na sequência da grande crise do final dos anos 1920 ou como o que Lyndon Johnson ensaiou com a sua Great Society de 1964.
Em paralelo, Biden vai ter de repensar o papel e a postura dos Estados Unidos em termos internacionais. É certo que existem hoje em dia determinadas características do sistema internacional que não irão mudar com a tomada de posse do novo presidente. É o caso, nomeadamente, da crescente afirmação da China e da centralidade da região da Ásia-Pacífico. Mas a posição dos Estados Unidos face a estes desafios será certamente diferente da que foi nos últimos quatro anos. Biden e a sua administração precisarão de recuperar uma postura colaborante e diplomática, nomeadamente com os aliados atlânticos, incentivar a convergência entre as democracias, recuperar o espírito multilateral e restabelecer algumas prioridades deixadas para segundo plano, como o ambiente e as alterações climáticas. Biden terá de descobrir rapidamente não apenas aquilo que pode fazer pelo seu país, mas também aquilo que pode fazer pelo mundo.
Diretor do Centro de Estudos Internacionais, ISCTE