Pelo menos com a abstenção do PSD na votação final global, marcada para 3 de julho, o Orçamento Suplementar (OS2020) já está virtualmente aprovado. No entanto, os partidos à esquerda do PS vão continuar a pressionar na especialidade os socialistas para serem introduzidas alterações - e tanto comunistas como bloquistas já afirmaram que mantém em aberto o sentido de voto final..Agora há sinais de que os partidos que auxiliaram o PS na geringonça entre 2015 e 2019 tenham, graças à "colaboração" do PSD com a sua abstenção, margem para passarem da abstenção para o voto contra sem que isso implique o chumbo da proposta do Governo - e a consequente crise política daí decorrente. No OS2020, a pandemia poderá ter como consequência a deslocação do regime da esquerda para o centro, com o regresso do velho "bloco central" (o entendimento PS/PSD que governou Portugal entre 1983 e 1985)..Rui Rio já sinalizou muito claramente que a abstenção do PSD na votação na generalidade que teve lugar na quarta-feira dificilmente se transformará num voto contra na votação final: "Só se houvesse uma alteração profundíssima é que alterávamos o sentido de voto, penso que não vai haver uma alteração profundíssima, o diploma vai para a votação final mais ou menos parecido", disse o líder social-democrata..No Bloco de Esquerda, a principal proposta de alteração ao OS2020 é a da consagração da redução do IVA da electricidade para 6% - uma velha luta dos bloquistas..No debate na generalidade do orçamento suplementar, quarta-feira passada (17 de junho), o Governo remeteu legislação sobre o assunto para um "momento oportuno". Este promete, portanto, ser mais uma vez um tema fonte de atrito entre António Costa e Catarina Martins..Mas, desta vez, o Governo já parece estar salvo à partida pelo PSD (que na discussão do Orçamento do Estado para este ano também tinha defendido esta redução do IVA). Agora, segundo já avisou Rui Rio, é preciso ter em conta que "as propostas são elas e as suas circunstâncias". Dito de outra forma: "É evidente que a situação financeira do país neste momento não tem nada a ver com o que era quando fizemos a proposta: não havia pandemia, havia crescimento económico, havia folga para aguentar uma medida dessas.".De resto, os bloquistas já anunciaram outras nove propostas: a proibição de apoios para empresas sedeadas em offshores, o aumento temporário da taxa da derrama para grandes empresas, um subsídio extraordinário de desemprego e cessação de atividade (para "garantir apoio a todos os trabalhadores que não foram cobertos pelos apoios existentes"), o alargamento do acesso ao complemento de estabilização ("este apoio criado pelo governo neste orçamento deve incluir os trabalhadores temporários e os precários despedidos logo no início da crise"), o pagamento a 100% do lay-off , e mais recursos para o SNS (o BE quer que "a integração definitiva daqueles que reforçaram os serviços durante a pandemia, bem como a eliminação de taxas moderadoras nos exames e análises")..O Bloco vai ainda insistir na criação de um subsídio de risco para os profissionais de serviços de saúde que lidam diretamente com a covid-19. E que a integração definitiva nos quadros do Estado dos trabalhadores que foram provisoriamente contratados para reforçar o pessoal existente no combate à pandemia..Proibição dos despedimentos.Nas medidas de reforço da escola pública defende-se a "redução do número de alunos por turma e reforço do corpo docente") e também há medidas de apoio extraordinário para as corporações de bombeiros voluntários afetadas pela quebra de receitas com transporte não urgente de doentes e com a época de incêndios a decorrer..O PCP também já entregou um primeiro lote de vinte propostas de alteração ao OS2020. Os comunistas vão insistir na proibição dos despedimentos - e isto "incluindo a reintegração de todos os que perderam o posto de trabalho"..Exigem também - tal como os bloquistas - a garantia de que os salários serão pagos a todos trabalhadores a 100%, mesmo aos sujeitos a lay-off. Ao mesmo tempo, avançam com medidas de "melhoria das condições de acesso ao subsídio social de desemprego", bem como com a "consagração de um apoio extraordinário de proteção social a trabalhadores sem acesso a outros mecanismos com o valor de 438 euros". O PCP também defende "a prorrogação e renovação das várias prestações sociais até ao final do ano cujo prazo de vigência terminaria entretanto, designadamente do subsídio de desemprego"..Quanto ao SNS, os comunistas não usam (como o BE) a expressão "subsídio de risco" mas quer um suplemento remuneratório com um acréscimo de 20% sobre o valor base da remuneração para "todos os trabalhadores que foram e têm sido chamados a desempenhar funções essenciais, designadamente no serviço nacional de saúde". Também tal como BE defende, também querem a "integração definitiva nos quadros do SNS de todos os trabalhadores que foram contratados no âmbito do combate à epidemia"..Defendem, por outro lado, que se salvaguarde que "as perdas de salários e rendimentos dos trabalhadores e das famílias sejam acompanhadas pela redução do valor das mensalidades das creches"- e isto "num quadro em que se manifesta cada vez mais a necessidade de se caminhar para a sua gratuitidade"..Já quanto às micro, pequenas e médias empresas, o PCP propõe "um apoio extraordinário" aos empresários com "um valor mínimo de 438 euros", o qual seria determinado em função das quebras de rendimento verificadas com a pandemia. Ao mesmo tempo, insistirá na ideia de suspensão do Pagamento Por Conta e a antecipação da devolução dos valores adiantados desde 2015 em sede de Pagamento Especial por Conta..Os comunistas estão também sintonizados com a ideia, igualmente apresentada pelo Bloco, de proibir apoios estatais a empresas com atividade em Portugal mas com sede fiscal em paraísos fiscais - "uma medida que se destina a excluir dos apoios que têm sido mobilizados para grandes empresas que utilizam este tipo de expedientes para não pagarem os impostos devidos no nosso país"..A TAP também está incluída no lote das preocupações comunistas. Vão aproveitar o OS2020 para voltar a insistir na ideia de nacionalização da companhia, "colocando-a ao serviço dos interesses nacionais". "Esta é a única opção que liberta a empresa da estratégia dos grupos privados e garante que a TAP não venha a ser transformada num apêndice de uma qualquer multinacional do setor como pretende a União Europeia"..O OS2020 foi aprovado na generalidade na quarta-feira passada (17 de junho) e no dia seguinte começou a discussão na especialidade (artigo a artigo). Para 30 de junho está marcada a votação na especialidade, cuja eventual continuação está prevista para o dia seguinte, 1 de julho..O processo deverá encerrar-se com a votação final global do documento apresentado pelo Governo do dia 3 de julho.