Operação Marquês. Relação anula decisão de Ivo Rosa e depoimento de Bataglia passa a contar

Depoimento de Hélder Bataglia sobre as relações com Ricardo Salgado e a utilização de algumas contas bancárias para fazer chegar 12 milhões de euros a Carlos Santos Silva, alegadamente o testa de ferro de José Sócrates, vão manter-se no processo.
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O juiz Ivo Rosa foi obrigado pelo Tribunal da Relação de Lisboa a incluir na sua análise e decisão sobre a fase de instrução do processo conhecido como Operação Marquês - em que pela primeira vez está acusado um antigo primeiro-ministro, no caso José Sócrates - as declarações que o empresário Hélder Bataglia prestou quando foi interrogado num outro processo judicial.

Além de arguido na Operação Marquês, onde responde por dez crimes (cinco de branqueamento de capitais, dois de falsificação de documentos, dois de fraude fiscal e um de abuso de confiança), o luso-angolano também foi acusado no processo Monte Branco e é o depoimento que prestou essa ação que motivou um acórdão de dois juízes do Tribunal da Relação em que anulam uma decisão do magistrado responsável pela fase de instrução da Operação Marquês.

Ouvido no âmbito do Monte Branco (onde foram investigados pelos Ministério Público crimes de branqueamento, burla e fraude fiscal) Hélder Bataglia terá dado explicações sobre o período em que liderava a empresa ESCOM e representava o Grupo Espírito Santo em África.

Falou ainda aos procuradores do Ministério Público sobre algumas empresas off-shore como a OVERVIEW INVESTMENTS e a GREEN EMERALD INVESTMENT LTD, que são referenciadas na Operação Marquês.

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Segundo a acusação terá também assumido que o empresário Ricardo Salgado (acusado de 21 crimes) lhe terá pedido para utilizar contas bancárias para fazer chegar 12 milhões de euros a Carlos Santos Silva, o amigo do ex-primeiro ministro que é acusado pelo Ministério Público de 33 crimes e de ser a pessoa que fazia chegar essas verbas ao antigo governante, que está acusado de 31 crimes: três de corrupção passiva de titular de cargo político, 16 de branqueamento de capitais, nove de falsificação de documentos e três de fraude fiscal.

São essas declarações no processo Monte Branco que estão agora no centro desta decisão do Tribunal da Relação. O juiz Ivo Rosa, que liderou a fase de instrução e que terá agora de decidir quem dos 28 arguidos na Operação Marquês (19 empresas e nove pessoas) vai a julgamento e se mantém ou altera os crimes de que são acusados, tinha anunciado que iria retirar do processo esse depoimento pois considerava que como tinha sido proferido num outro processo não contava para a Operação Marquês.

A acusação, liderada pelo procurador Rosário Teixeira, contestou essa decisão e agora foi conhecido o acórdão dos juízes da 5.ª secção do Tribunal da Relação que anula o despacho de Ivo Rosa e que considera as declarações de Bataglia como uma prova no processo.

No documento a que o DN teve acesso os dois magistrados do TRL que o assinam alegam que a decisão do juiz de instrução "revela a confusão de conceitos jurídicos, de competência e funções do juiz de instrução, que radica a razão de ser do despacho avulso decidido sobre a questão que nem se suscitava e é ora objecto de recurso".

Para os autores do despacho a "decisão recorrida [a de Ivo Rosa] confunde conceitos e possibilidades de prova e é falha da percepção de que, nesta fase de instrução, se trata de prova indiciária, sem perceber que o que está em causa é um mesmo objecto de prova e não um mesmo processo".

Ou seja, quem terá de decidir se as declarações de Bataglia devem ou não ser valorizadas em julgamento é o juiz que será responsável por essa fase do processo e não Ivo Rosa. "A valoração de determinado meio de prova em fase de julgamento é questão diversa da possibilidade de utilização desses mesmos meios de prova em fase de inquérito ou de instrução, onde está em causa a formulação de um juízo de indiciação", explicam.

Lembram igualmente que as declarações de Hélder Bataglia foram prestadas perante o advogado do arguido "e de acordo com as formalidades legais previstas nos art.ºs 141º e 143º nºs 1 e 2 do Código de Processo Penal, - num ou noutro processo, por factos que constam expressamente da acusação nestes autos, as mesmas são legalmente admissíveis como meio de prova e podem ser valoradas em sede de apreciação indiciária em fase de instrução".

Atualmente os arguidos na Operação Marquês aguardam a marcação por parte de Ivo Rosa da data para ser conhecida a sua decisão sobre a instrução depois de na última audiência o juiz ter dito que não iria "agendar uma data para a leitura da decisão", pois não ser "humanamente possível" existir uma decisão no prazo legal de dez dias, tendo em conta o volume e complexidade do processo.

"Por agora não iremos fixar uma data para a leitura da decisão instrutória, sendo que a mesma será anunciada em data oportuna", revelou a 3 de julho.

Neste processo, em que o procurador Rosário Teixeira pede a ida de todos os arguidos a julgamento, o ex-primeiro-ministro José Sócrates está acusado de corrupção passiva de titular de cargo político, branqueamento de capitais, falsificação de documentos e fraude fiscal qualificada.

O Ministério Público sustenta que Sócrates recebeu cerca de 34 milhões de euros, entre 2006 e 2015, a troco de favorecimentos a interesses do ex-banqueiro Ricardo Salgado no GES e na PT, bem como para garantir a concessão de financiamento da CGD ao empreendimento Vale do Lobo, no Algarve, e favorecer negócios do Grupo Lena.

Estão ainda acusados, o ex-administrador do Grupo Lena Joaquim Barroca, Armando Vara, antigo ministro e ex-administrador da CGD, Henrique Granadeiro (ex-gestor da PT), tal como Zeinal Bava, e José Paulo Pinto de Sousa (primo de Sócrates), entre outros.

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