O ataque de duas das principais figuras envolvidas na Operação Marquês à acusação do Ministério Público começa nesta segunda-feira e vai prolongar-se por toda a semana. Carlos Santos Silva, hoje, e José Sócrates, entre quarta e sexta-feira, vão tentar, através do interrogatório às testemunhas que indicaram, demonstrar ao juiz Ivo Rosa que não há razão para serem levados a julgamento..Nenhum dos dois vai marcar presença no Tribunal de Instrução Criminal - aliás, são os únicos arguidos que se disponibilizaram para ser ouvidos nesta fase que ainda não tem data marcada para comparecerem perante Ivo Rosa -, mas os seus advogados vão tentar demonstrar que as acusações de branqueamento de capitais, fraude fiscal e fraude fiscal qualificada, falsificação de documentos, corrupção passiva e ativa de titular de cargo político não têm força legal para justificar a ida a julgamento..Se a defesa de José Sócrates optou por um pedido de abertura da fase de instrução mais focado no papel do juiz Carlos Alexandre - o magistrado do Tribunal Central de Instrução Criminal que esteve encarregado do processo na fase de investigação e que autorizou, por exemplo, a detenção do antigo primeiro-ministro - e na tentativa de que a sua ligação ao caso terminasse, a ponto de alegar genericamente que as acusações não tinham razão de ser e pedir para serem ouvidas cinco testemunhas, os advogados de Carlos Santos Silva foram muito mais expansivos. O documento em que pedem a abertura de instrução tem 251 páginas e inúmeras críticas à forma como o empresário e o homem que a acusação acredita ser o testa-de-ferro do ex-governante foi investigado..Resumidamente, a equipa do Ministério Público acredita que Carlos Santos Silva - que nunca escondeu ser amigo de Sócrates e que lhe foi emprestando dinheiro e pago despesas - movimentou milhões de euros nas suas contas que na realidade pertenceriam ao antigo governante e que beneficiou nos seus negócios da influência do homem que liderou o executivo entre março de 2005 e junho 2011..A estratégia de Carlos Santos Silva está, essencialmente, baseada na tentativa de contrariar as ilações retiradas pelo MP na sequência de movimentações de dinheiro comunicadas pela Caixa Geral de Depósitos ao abrigo da lei de combate ao branqueamento de capitais:.- A transferência em fevereiro de 2012 de 600 mil euros de uma conta de que era titular no Banco Espírito Santo para uma conta da sociedade liderada pelo atual presidente da Belenenses SAD, Rui Pedro Soares, na CGD, mas em que o dinheiro acabou por dar entrada nas Sociedades Anónimas para o Futebol do Belenenses e do Beira-Mar..- A comunicação à Unidade de Informação Financeira da Polícia Judiciária da transferência de cerca de 520 mil euros de uma conta em nome de Maria Adelaide Monteiro, mãe de José Sócrates, para outra em nome deste. Dinheiro que teria sido pago por Carlos Santos Silva na sequência da compra de várias casas que Maria Adelaide Monteiro teria herdado..A defesa do empresário diz que os processos de averiguação a que estas comunicações deram origem serviram para obter documentos e informações financeiras por parte da Autoridade Tributária (AT) e que depois tudo isso culminou em suspeitas de âmbito criminal sem qualquer supervisão do MP..Alega ainda a nulidade da forma como foram obtidos os documentos relacionados com o pedido de Carlos Santos Silva para integrar o Regime Extraordinário de Regularização Tributária ao abrigo do qual repatriou os cerca de 20 milhões de euros que tinha numa conta num banco na Suíça, tal como a autorização que a investigação teve para efetuar escutas telefónicas e a migração de provas que foram recolhidas pela investigação no processo Monte Branco para a Operação Marquês..Aliás, a defesa de Carlos Santos Silva chega a frisar que além de ter percebido - ao consultar a acusação - que o empresário estava a ser vigiado desde 2005, o que sempre esteve em causa não era "averiguar o crime de fraude fiscal qualificada eventualmente praticado por Carlos Santos Silva, mas sim ter legitimidade para a investigação a José Sócrates"..Entre os vários argumentos apresentados e as críticas expressas, os advogados questionam a "liberdade" de atuação da Autoridade Tributária e a rapidez com que alguns atos foram feitos, mesmo em períodos que dizem ser de férias. Por isso, pediram para que lhes fosse facultado um documento com os períodos de férias gozados pelo inspetor Paulo Silva em 2013..Este elemento da autoridade tributária foi quem liderou por parte das Finança a equipa que participou na fase de inquérito da Operação Marquês e por isso é uma das testemunhas que Carlos Santos Silva chamou a depor nesta fase de instrução do processo. A outra testemunha é o inspetor da PJ Luís Flora..De que estão acusados?.Carlos Santos Silva está acusado de 33 crimes: branqueamento de capitais (17), falsificação de documentos (10), fraude fiscal qualificada (3), fraude fiscal (1), corrupção passiva de titular de cargo político (1) e corrupção ativa de titular de cargo político (1)..Já José Sócrates foi acusado pelo Ministério Público de 31 crimes: branqueamento de capitais (16), falsificação de documentos (9), fraude fiscal qualificada (3) e corrupção passiva de titular de cargo político (3)..O que alega em sua defesa?.Os advogados de Carlos Santos Silva alegam que a decisão de repatriar cerca de 20 milhões de euros que o empresário tinha em contas bancárias na Suíça teve como motivação o aproveitamento do Regime Excecional de Regularização Tributária, a que aderiu em dezembro de 2010, e que assim, devido a essa decisão, não há justificação para o acusar de fraude fiscal e de branqueamento de capitais..É que, segundo os representantes do empresário, a divergência de verbas que circularam nas suas contas entre 2009 e 2012 e o que declarou como rendimentos ao fisco entre 2004 e 2012 - 3,8 milhões de euros - é explicada por esse repatriamento de verbas. Por outro lado, defendem que a utilização de prova obtida na investigação que foi feita às contas bancárias e a empresas de Carlos Santos Silva no âmbito da Operação Monte Branco não pode ser utilizada no processo Marquês..Frisam, aliás, que a abertura da investigação pelos crimes de fraude fiscal e branqueamento de capitais mais não foi do que "um artifício legal [...] para conseguir [...] colocar sob escuta telefónica José Sócrates"..Já a defesa do antigo primeiro-ministro, no pedido de abertura de instrução, foi bastante crítica com o juiz Carlos Alexandre, o magistrado da fase de inquérito, acusando-o de ter permitido e promovido "a devassa e intrusão permanente da vida pública e privada, profissional, familiar e até íntima do arguido, durante anos - através da manutenção da investigação para lá de todos os prazo e limites razoáveis e aceitáveis, autorizando e fazendo executar interceções telefónicas, escutas ambientais e outras gravações de som e imagem, buscas, apreensões e varejos vários, a detenção-espetáculo e a prisão preventiva para investigar, como prova e presunção de culpa e instrumento de retaliação pessoal, a própria dedução de acusação ou acusações, não obstante a absoluta inexistência de indícios que as justificassem ou fundamentassem e tudo sempre em manifesto desrespeito dos requisitos legais"..Negando em temos genéricos todos os factos da acusação, os advogados João Araújo e Pedro Delille pedem para ser ouvidas as testemunhas Carlos Costa Pina, Fernando Serrasqueiro, Paulo Campo, Teixeira dos Santos e Carlos Santos Ferreira. No caso dos três últimos alega a defesa de Sócrates que estes vão ser ouvidos "sobre toda a matéria da acusação", pois na fase de inquérito não lhe terão "prestado depoimento" apesar de terem estado disponíveis..A que pena podem ser condenados?.No caso de Carlos Santos Silva as penas de prisão previstas no Código de Processo Penal variam entre o mínimo de seis meses (branqueamento de capitais) até um máximo de 12 anos (referindo-se também ao crime de branqueamento). No caso de ir a julgamento e ser condenado por falsificação de documentos, pode incorrer numa pena até três anos de prisão, pela alegada fraude fiscal pode ser punido com multa até 360 dias ou pena de prisão até três anos. Quanto à acusação de corrupção passiva e ativa de titular de cargo político, a pena prevista varia entre um e oito anos de prisão..José Sócrates está acusado de diversos crimes em coautoria com Carlos Santos Silva e as penas previstas pelo Código de Processo Penal são as mesmas. Diferente é a punição prevista para o crime de corrupção passiva de titular de cargo político. No que diz respeito ao ex-primeiro-ministro, essa pena pode variar entre um a oito anos de prisão..Quem já foi ouvido pelo juiz Ivo Rosa e o que disse?.O magistrado que lidera a fase de instrução da Operação Marquês já ouviu Bárbara Vara, Armando Vara, Sofia Fava, Rui Mão de Ferro, além de várias testemunhas indicadas por estes e outros arguidos. Por exemplo, Henrique Granadeiro - acusado de oito crimes, um de corrupção passiva, dois de branqueamento de capitais, três de fraude fiscal qualificada, um de abuso de confiança e um de peculato - não prestou declarações, mas indicou diversas pessoas para serem ouvidas..Três destas testemunhas do antigo administrador da Portugal Telecom acabaram por não prestar depoimento por não terem sido contactadas a tempo: Hélio Calixto Costa, que está no Brasil e que tem nova inquirição marcada para dia 24 de junho num tribunal perto da área de residência ou por Skype; Gerald Stephen McGowan, também dia 24 e igualmente por Skype ou num tribunal da área de residência nos EUA; e Carlos Slim Helú. O milionário mexicano deverá ser ouvido por Ivo Rosa a 25 de junho, igualmente por Skype ou num tribunal mexicano..Bárbara Vara está acusada de dois crimes de branqueamento de capitais. No depoimento que prestou, garantiu que nada sabia sobre os movimentos efetuados pelo pai, Armando Vara, numa conta de um banco suíço em seu nome nem sobre a origem desse dinheiro. Já Armando Vara - que está acusado de crimes de branqueamento de capitais (2), corrupção passiva de titular de cargo político (1) e fraude fiscal qualificada (2) - disse ao juiz Ivo Rosa que o milhão de euros referidos pela acusação como sendo uma comissão paga por Vale do Lobo por ter tomado decisões favoráveis a este grupo eram rendimentos provenientes da sua atividade liberal "como consultor" e que foram auferidos antes de o antigo governante ser nomeado para a administração da CGD. Como já tinha sublinhado na fase de inquérito, Vara defendeu que a filha nada teve que ver com a movimentação do dinheiro depositado na Suíça e admitiu problemas fiscais. "Ele já assumiu que há um problema fiscal e admite pagar o que tem a pagar em termos de impostos", explicou o advogado..De acordo com o advogado Tiago Rodrigues Bastos, o antigo ministro (entre 1999 e 2000) e administrador da Caixa Geral de Depósitos e Banco Comercial Português, e que agora cumpre em Évora uma pena de cinco anos de prisão devido ao processo Face Oculta, explicou ao juiz Ivo Rosa a origem dos seus rendimentos, nomeadamente o valor de um milhão de euros que foram transferidos para uma conta bancária na Suíça titulada pela filha. E as decisões relacionadas com a concessão de créditos por parte da CGD ao empreendimento de Vale do Lobo - num valor perto de 30 milhões de euros..Outro acusado já ouvido pelo juiz Ivo Rosa foi Rui Mão de Ferro, o gestor que o Ministério Público acusa de ser um testa-de-ferro de Carlos Santos Silva. Durante as mais de três horas que esteve perante o magistrado negou essa tese, garantindo que tudo o que fez quando dirigia as empresas de Carlos Santos Silva foi de boa-fé e os pagamentos que autorizou foram feitos de forma transparente e sempre a pedido do empresário..Também o advogado Gonçalo Trindade Ferreira - acusado de três crimes de branqueamento de capitais e um de falsificação de documento - já prestou depoimento e frisou que tudo o que fez foi sob ordens de Carlos Santos Silva, a quem ajudou no negócio da venda do apartamento onde o ex-primeiro-ministro tinha vivido em Paris e na constituição de um fundo imobiliário..Quem vai ser ouvido a seguir?.Depois de esta segunda-feira ouvir o inspetor da Polícia Judiciária Luís Flora e o inspetor da Autoridade Tributária Paulo Silva, o juiz Ivo Rosa interrogará amanhã duas testemunhas indicadas pelo arguido Rui Mão de Ferro..Para esta quarta-feira está marcada a audição da primeira testemunha arrolada por José Sócrates: Carlos Costa Pina (ex-secretário de Estado do Tesouro e das Finanças). Na quinta-feira será a vez de o antigo ministro das Finanças do governo do ex-primeiro-ministro Teixeira dos Santos ser interrogado na condição de testemunha de defesa e a tarde de sexta-feira está reservada para o antigo secretário de Estado das Obras Públicas Paulo Campos, também chamado pelo ex-primeiro-ministro.