Destruída em 1953, após os bombardeamentos resultantes da guerra das Coreias, Pyongyang foi reconstruída a partir da visão do líder, Kim Il-sung. A cidade é marcada por grandes avenidas que ligam monumentos chave cujo gigantismo pretende sublinhar a grandeza do país, como diz Oliver Wainwright, que esta terça-feira esteve no Centro Cultural de Belém, convidado para as Conferências da Garagem, e mostrou as fotografias que captou na cidade e falou da construção e urbanismo da capital da Coreia do Norte..Crítico de arquitetura e design do jornal The Guardian, Oliver Wainwright, 34 anos, cruzou-se com o trabalho de arquitetos norte-coreanos durante a Bienal de Arquitetura de Veneza, em 2014. Nessa rara ocasião, em que foi mostrado ao lado dos sul-coreanos no pavilhão da Coreia. "Assemelhava-se à série Jetsons", conta ao DN. Os arquitetos tinham sido escolhidos pelo jornalista britânico sediado em Pequim Nicholas Bonner, que é também um dos impulsionadores das viagens até à Coreia do Norte. "Ele disse-me que tinha de ver o trabalho dos novos arquitetos"..Foi assim que, em 2015, Oliver Wainwright chegou a Pyongyang, numa visita de dez dias para conhecer a arquitetura do país. "Ir numa viagem organizada deu-me acesso a muito mais do que se fosse numa viagem como jornalista", contou no CCB..Durante a viagem tirou cerca de 2 mil fotografias - o seu hobby de há cerca de 20 anos - que deviam servir para ilustrar o artigo que escreveria para o diário britânico onde colabora há seis anos. Uma parte - as que mostravam os interiores dos edifícios norte-coreanos - foi parar ao Tumblr..A popularidade crescente dessas imagens levou-o a propor a edição de um livro que, sem intenção, acabou por ser publicado em 2018, mais ou menos na mesma altura em que Donald Trump e Kim Jong-un se encontraram, em junho de 2018.. Inside North Korea, editado pela Taschen, contém pouco mais de 200 fotografias, divididas entre vistas da cidade, monumentos, equipamentos desportivos, culturais ou de habitação. "É a cidade mais colorida que conheço", diz, referindo-se aos tons pastel - rosas, azuis-turquesas, verde-menta ou terracotas - que estão por todo o lado.."Há uma ideologia atrás desta cidade. Kim Il-sung definiu que, segundo a ideologia Juche, apenas 25% da área total de Pyongyang teria construção. Haverá 40 metros quadrados por cada habitante na capital da Coreia do Norte. Na Coreia do Sul serão 16 metros quadrados", contou Wainwright, que se formou em Arquitetura..Em Pyongyang, notou a influência soviética, misturada com as alusões à dinastia Koryo. Não conseguiu entrar em nenhuma casa habitada por uma família norte-coreana - "À última hora mudavam sempre os planos", disse ao DN - e poucas das suas fotografias foram tiradas à noite. Não podiam usar tripés, depois não era possível sair - as portas do hotel fechavam-se - e os turistas não passeiam sem guias, contou..Esteve no metro durante a hora de ponta, viu um rapaz com uma camisola do Wayne Rooney, famílias que faziam piqueniques junto ao rio, jovens de patins e mulheres de saltos altos e um grande interesse pela cultura pop. Uma pessoa perguntou-lhe: "De que morreu Michael Jackson?.Antes da conferência que o trouxe a Lisboa, falou com o DN..Tirou cerca de duas mil fotografias durante a sua viagem à Coreia do Norte, e muitos interiores? Teve acesso ao que quis? Sim, de forma geral. Pode parecer contraditório, mas se fosse nesta viagem como jornalista seria mais controlado. Como fui numa viagem de arquitetura pude tirar todas as fotos. Existiam apenas três regras: Não tirar fotografias a locais em obras, porque querem que tudo apareça sempre perfeito; não podíamos tirar fotografias em equipamentos militares ou às pessoas sem autorização. As duas últimas são comuns num terço do mundo, diria..Os tons pastel são muito fortes na Coreia do Norte e fala muito deles. Porquê? É das primeiras coisas que digo quando as pessoas me perguntam sobre o que me surpreendeu mais. É uma cidade colorida. Muito como um filme de Wes Anderson. O esquema de cores é recorrente - azuis, terracota, verde menta são muito populares. Penso que a maioria dos ocidentais pensa em Pyongyang como uma cidade cinzenta e de cimento. Mas há muito destes tons pastéis, tão populares hoje no design gráfico, que são influenciados pela história coreana. Os mesmos rosas e turquesas que se veem na roupa tradicional das mulheres..O que descobriu na cidade de Pyongyang? As pessoas diziam-me sempre que era tudo encenado e que o metro só tinha uma estação, que as pessoas eram atores que estavam lá para nós, mas fomos à hora de ponta, vimos as pessoas a sair do trabalho. Eram muitas pessoas. Existem duas linhas, com oito estações cada uma. Parámos em três ou quatro. É muito similar ao metro de Moscovo, talvez até mais elaborado ao nível da decoração..Diz que existe uma forte influência soviética. Falou com arquitetos? Depois dos bombardeamentos norte-americanos [1953], a cidade foi construída do zero. Um dos seus arquitetos foi estudar para a União Soviética, por isso, os primeiros edifícios têm essa influência. São neoclássicos com pormenores da cultura coreana como as colunas octogonais [mostra o cinema de Pyongyang]. Hoje estão a ser construídas mais infraestruturas para prazer e lazer - um jardim zoológico onde se entra pela boca de um tigre, um centro hípico - visitámos um parque aquático, onde não pudemos tirar fotografias, porque as pessoas estavam de fato de banho. As pessoas acham que estas coisas são só para uma elite, mas é para mais do que uma elite. Há muita gente que está autorizada a ganhar dinheiro paralelo. O nível de modernidade é o da China de há dez anos.. Uma jornalista do The Guardian esteve na Coreia do Norte recentemente e diz que existe uma vontade de imitar a cultura de consumo do Ocidente. Concorda? Num dos novos distritos de habitação de Pyongyang, destinado a académicos, construíram em altura, arranha-céus, junto à universidade, foi 'vendido' como Pyongattan. Estão a construir em altura, mas, mais uma vez, sempre com elementos coreanos - a caligrafia, a curva do pincel dos intelectuais que está no símbolo do Partido dos Trabalhadores. A estética remete sempre a cultura coreana, e a ideologia Juche fala muito de como podem viver por si próprios e triunfar. Por isso encontramos tantos tons pastel, como no recém-renovado teatro. O guia contou-nos, feliz, que tinham tirado as madeiras antigas que estavam velhas e tinham substituído por um vinil novo, muito mais durável. É o que está a acontecer agora. Estão a substituir a influência soviética por materiais que consideram modernos. Nós, as pessoas do grupo, ficámos horrorizados..A cidade é organizada como uma peça de teatro? Encenada parecer bem na fachada, enquanto nas traseiras se passa outra história? É como uma ópera. Tudo nos conduz aos grandes monumentos. Existe uma grande simetria. No seu tratado sobre arquitetura Kim Il-sung escreve que os edifícios devem parecer sempre como uma multidão a aplaudir. As estátuas dos líderes têm 40 metros de altura e há uma avenida de dois quilómetros entre o monumento do líder e o do partido, que atravessa o rio. A nossa visão é sempre atraída para o centro. Não foi consciente, mas é o tipo de arquitetura que nos atira sempre para a busca do enquadramento perfeito. As casas estão organizadas em quarteirões que estão perfeitos, ou quase perfeitos, quando dão para as avenidas, enquanto o centro desses quarteirões é mais parecido com hutongs [pátios chineses tradicionais]..Qual é a perceção dos norte-coreanos sobre o país? Os norte-coreanos nunca falam do país como a Coreia do Norte, mas como Coreia. E acham que o sul está ocupado pelos Estados Unidos..Um dos mais curiosos edifícios de Pyongyang é o hotel Ryugyong. Em que ponto se encontra? Foi mandado construir em 1989, quando a Coreia do Sul anunciou que ia construir a torre mais alta do mundo. Era apenas casca e ficou assim. Depois uma empresa egípcia de telefones que se instalou no país disse que acabaria a obra. Tem uma cobertura de vidro, mas o interior mantém-se oco, diz-se..Nas suas imagens do estádio - nomeadamente do balneário - é como se faltasse sempre qualquer coisa. É a publicidade que não existe. Expus as fotos em Seul e perto da fronteira com a Coreia do Norte, e os sul-coreanos tinham quase todos a mesma reação: "É tudo tão limpo". Não existe tralha publicitária, muito forte em Seul..Saiu de Pyongyang? É muito diferente? Fui até ao sul, quase até à fronteira com a Coreia do Sul, e é muito diferente. Andámos na autoestrada que liga o norte ao sul do país, numa viagem em que nos cruzámos com dois ou três carros. Vimos crianças a brincar junto à estrada e foi chocante depois de uma semana em Pyongyang ter uma visão da pobreza. Obviamente, esse foi o momento em que nos disseram: "Não tirem fotografias pelo vidro do autocarro".