Números, equações e variáveis. A Matemática mostra logo ao que vem, mas não agrada a todos e entre os estudantes tem até a fama de bicho-papão. Os resultados dos exames nacionais não deixam mentir: no ano passado, as médias de Matemática A, do ensino secundário, desceram e aumentaram o número de chumbos, de acordo com os dados do Ministério da Educação. Uma prova que se repete nesta terça-feira, com cerca de 48 mil inscritos. Com tão fracos resultados, pode a Matemática ter um lado apaixonante? Henrique Navas e Rafael Gomes - um medalhado 16 vezes em provas de raciocínio matemático, o outro um simples apaixonado pela área - garantem que sim..Não precisaram de o forçar, confessam. O gosto pelos números chegou cedo. "Comecei a perceber que não só gostava de 'brincar com os números' como tinha algum jeito", conta Rafael, de 22 anos, recordando que a paixão deve ter sido semeada ali pelos seus dez anos..Já Henrique, de 19 anos, garante que tudo começou até antes de ser um aluno da primária. Para ele, os números chegaram antes das letras e de tudo o resto - mesmo sendo filho de pais formados em artes. Só não poderia prever, na altura, "os resultados que viria a ter". Em 2012, iniciou o seu percurso de participações nas Olimpíadas Portuguesas de Matemática, tendo a estreia resultado logo numa medalha de prata. Até 2017, todos os anos participou e em todos eles saiu medalhado. Já lá vão 16. Saiu com bronze das Olimpíadas Internacionais de Matemática de 2017, quando ainda estava no 12.º ano. E ouro, já no final de 2018, nas Olimpíadas Ibero-americanas de Matemática Universitárias. Foi a mais recente competição em que participou..O que aprendia dentro da sala de aula nunca foi suficiente. "Aprendi matemática que não tinha aprendido na escola pela internet ou perguntando a outras pessoas e tudo isto contribuiu para o meu raciocínio matemático, sem nunca me sentir forçado a estudar." E foi no YouTube que encontrou uma nova ferramenta para expandir o seu conhecimento. "Para quem gosta e quer aprender mais, a internet tem imensos recursos. Por volta do 2.º ciclo, via bastante o canal de YouTube Numberphile, por exemplo.".Rafael admite nunca ter tido grande sucesso nas olimpíadas, mas nem por isso decidiu que a sua vida profissional não teria de passar por matemática. Por isso, à semelhança de Henrique, seguiu esta mesma área no ensino superior, provando que não se tratava de apenas uma paixão por números. Rafael já terminou a licenciatura em Matemática Aplicada pelo Instituto Superior Técnico e está neste momento a finalizar o mestrado, também em Matemática..Há pouco mais de dois anos, Henrique ainda estava reticente sobre o que seguir no ensino superior. Em entrevista ao DN, em abril de 2017, o jovem já a caminho da faculdade admitia ainda estar "a ponderar" as suas escolhas. "O que me apetecia mesmo fazer era continuar a estudar Matemática", confessava. As dúvidas transformaram-se em certezas. Partilha a faculdade com Rafael e atualmente frequenta o segundo ano da mesma licenciatura..Matemática, para que te quero.Crescemos a ouvir e a admirar nomes de génios como Isaac Newton e Leonhard Euler, que deram espaço à matemática que atualmente encontramos nos manuais escolares. Para muitos, os números e as equações são uma ciência muito distante, que implica um esforço a partir do qual só alguns colhem resultados. Mas Rafael Gomes está convicto de que este é o maior engano..Aliás, tem até uma explicação lógica para o estigma em torno da matemática. Por um lado, o facto de os exercícios não serem imediatos. "É sempre preciso pensar um pouco e isso é algo que já não estamos habituados a fazer no nosso dia-a-dia", numa era em que procuramos tudo com urgência. "Se precisamos de comida, basta usar o micro-ondas, se precisamos de saber alguma coisa, basta ir à internet." Por outro lado, a matemática obriga a contas, a parar para perceber e só depois praticar..Contudo, Rafael considera que uma das maiores razões a afastarem-se dos números é a "crença de que não é assim tão útil no dia-a-dia". "Penso que seja extremamente importante começar a tentar convencer as pessoas (e sobretudo os alunos) de que a Matemática tem interesse por si só (e não apenas como uma ferramenta)", como o estudante acredita que a educação tem preferido ensinar..Henrique Navas confessa que não consegue "convencer toda a gente que a matemática é interessante". Os seus amigos, muitos deles também participantes olímpicos, percebem bem a sua paixão. A família nem tanto. O jovem é a exceção numa casa de artistas..Sobre a maneira certa de se estudar - lembrando os milhares de alunos que nesta terça-feira seguem para a primeira fase de exame nacional -, Rafael Gomes garante que não existe. Fórmulas só no papel. Agora que se põe ele mesmo do lado do professor, uma vez que ocupa alguma parte do tempo a dar explicações a alunos do secundário, Rafael acredita que "cada um aprende de maneira diferente". O que deve ser transversal a todos é a insistência na prática. "É sempre muito importante fazer exercícios. Ajuda-nos a pôr em prática as ideias e a compreendê-las.".Atrás de cada número ou conta, há sempre um sentido, mais ou menos próximo ao nosso quotidiano. Todas aquelas "ideias por trás de todos aqueles símbolos não são coisas desprovidas de sentido, mas ideias e conceitos simples que estamos constantemente a utilizar", garante..E exemplifica: "Se falar em função, se calhar muitos não me vão compreender, mas uma função não é nada mais, nada menos do que uma correspondência entre duas coisas, algo que está extremamente presente no nosso dia-a-dia. Basta pensar que quando mudamos de canal de televisão, fazemos uma correspondência imediata entre um número e um canal. Ou que quando contamos as cadeiras de uma sala estamos a fazer uma correspondência entre os números e as cadeiras.".Henrique e Rafael estiveram certos de que a matemática teria de fazer parte das suas vidas académica e profissional, mas o futuro ainda é uma incógnita. O jovem medalhado confessa não saber ainda qual o próximo passo a seguir à licenciatura. Talvez mestrado, como Rafael fez, e depois até doutoramento. Até lá, tenciona continuar a participar nos concursos matemáticos a nível nacional e internacional. A seguir ao mestrado que está a terminar, também Rafael Gomes tenciona dar continuidade aos estudos e, "quem sabe", dedicar-se à investigação na área.