O que é que aconteceu ao movimento verde em Portugal? Porque é que os ambientalistas clássicos, digamos, "clássicos", não aproveitaram o crescimento das preocupações com o ambiente nas urnas? Como é que um partido como o PAN ultrapassou os partidos mais tradicionais, até "Os Verdes"? Qual é o seu segredo?."Não desligar o ambiente das outras questões, como os direitos humanos e os direitos dos animais", eis a estratégia, começa por explicar Luís Teixeira, que analisou o percurso dos ambientalistas na tese "Verdes anos - História do ecologismo em Portugal (1947-2011)". Sublinha: "Quem fundou o PAN teve esta noção e essa mensagem passa. Consegue ter 50 mil votos com quatro meses de legalização, mas tinha quatro meses no terreno, muito desse trabalho feito nas redes sociais". Faz, aliás. uma correlação entre a adesão do PAN no Facebook e nas eleições europeias: 157 583 seguidores e 168 447 votos, respetivamente..Naquela tese, o especialista explicava que "houve experiência em Portugal de partidos com uma base ambientalista mas que não tiveram sucesso quando concorreram sós às eleições. É exemplo o Partido da Terra (MPT), que acabou por ter um percurso errático. Em 2005, concorreu com o PSD e elegem dois deputados para o Parlamento, nas eleições seguintes surgem separados e voltam a ter maus resultados. E 'Os Verdes' (PEV) sempre concorreram com o PCP.".Verificou que o mesmo se passava em Itália e em Espanha, o que significava que esta era uma singularidade da Europa do sul, "só através de coligações os partidos ecologistas tinham sucesso". Mas quando o investigador terminava a escrita da tese quando surgia o PAN. "Consegue mais de 50 mil votos com listas próprias. E, quatro meses depois, elege um deputado na Madeira. Pensei: 'O que é isto?' Deu-me cabo das conclusões." Acabou por fazer parte das listas do PAN por Setúbal nas legislativas..Partido de causas e não de ideologias.O estranho é que, como analisa Francisco Ferreira, presidente da Zero, que também liderou a Quercus, há uma maior consciência ambiental - e, mesmo assim, só o PAN aproveita o momento. "O Partido da Terra (MPT) e 'Os Verdes' vêm de tradição ecologista, enquanto o PAN, além dessa tradição, vai envolver as pessoas no quadro da luta dos direitos dos animais e dos valores da natureza, e isso fez a diferença. O André Silva diz que o PAN é um partido de causas e não de ideologias." É como refere Maria Santos, pioneira dos ambientalistas em Portugal, e deputada de "Os Verdes", o assumir, pelo PAN de "uma posição de pretensa neutralidade política, celebrizada na frase de um partido que 'não é nem de direita nem de esquerda', o que, a seu tempo, será certamente corrigido, sendo uma ilusão a ideia de se poder perpetuar na vida política sem mácula ou sem mostrar verdadeiramente os valores e os interesses que efetivamente defende"..Manuela Cunha, de "Os Verdes", atira estes argumentos contra o partido: "O PAN, que se diz nem de direita nem de esquerda, pode ir buscar votos a todo o lado. Vamos dar tempo ao tempo, para ver o contributo do PAN para as lutas pela ecologia. O PAN lutou ao lado do PSD, do CDS e do PS para a aprovação do pacote laboral e não podemos falar de direitos humanos, dos direitos dos animais, quando há precariedade e más condições de trabalho.".Para os ambientalistas que analisam o novo movimento, a questão esteve em alargar o seu âmbito. Maria Santos, pioneira do movimento e deputada de "Os Verdes" no Parlamento, diz que o PAN não se afirmou no contexto ambientalista. "Vejam-se as alterações da sua denominação. Passou inicialmente de Partido dos Animais e Natureza para Pessoas, Animais e Natureza. Ou, como refere Carlos Pimenta, o ex-secretário de Estado do Ambiente do PSD e sócio n.º 1 do GEOTA, aproveitar o facto de o espaço da "mensagem ambientalista estar mais ou menos vazio e ter a inteligência de alargar o seu discurso." Fora de Portugal, a trabalho nas energias renováveis e mudanças climáticas, pro bono, Carlos Pimenta diz ter visto essa mudança: "Foram inteligentes e colheram os frutos.".O PAN terá também aproveitado a coincidência entre os valores ambientalistas e de defesa dos animais e um eleitorado urbano. "O PAN, ao contrário dos verdes europeus, é um partido completamente urbano. Os verdes europeus, como Gonçalo Ribeiro Telles sempre defendeu, assentam o debate na ruralidade. Vamos ver como vão entender-se no Parlamento Europeu com a integração nos Verdes. Poderá mudar", diz António Eloy, ativista e fundador do ramo português dos Amigos da Terra. António Gonzalez, primeiro deputado de "Os Verdes", entre 1983 e 1985, é da mesma opinião: "Vão ter de aprender muita coisa, tornarem-se mais políticos e mais globais.".Viriato Soromenho-Marques, que dirigiu a Quercus, não tem dúvidas de que "o PAN vai conseguir entrar no Parlamento Europeu pelo ambiente. André Silva conseguiu alargar as mensagens dos direitos dos animais, juntando-se às preocupações nas questões da energia, climáticas e, agora, é previsível que venha a ter um grupo parlamentar, há uma dinâmica de crescimento"..Conflitos à portuguesa.E "Os Verdes" continuarão na sombra do PCP ou aproveitarão a onda? Carlos Pimenta considera que o partido "não conseguiu ser expressão de um movimento ecologista e ambientalista" porque "é uma filial do PCP, partido que é muito conservador em questões ambientais".Manuela Cunha, na direção de "Os Verdes" desde 1986, rejeita a ideia: "É um casamento feliz e com direito a divórcio, mas isso não acontecerá por pressões que vêm de fora. Cada um dos partidos da coligação tem o seu espaço na Assembleia da República [AR]." E defende a honra do partido: "O partido introduziu no espaço público o debate sobre a ecologia, são muitas as leis, as propostas que mudaram por causa de 'Os Verdes', muitas lutas no território nacional que se devem a 'Os Verdes', mais do que a qualquer outro movimento ecologista.".Maria Santos, que foi eleita deputada pelos verdes nas eleições de 1985, foi copresidente do grupo político dos verdes no PE, constituído em 1989, fala de uma certa conflitualidade que sempre existiu em Portugal entre estes movimentos. "O projeto político liderado por 'Os Verdes' confrontou-se recorrentemente com uma conflitualidade subjacente envolvendo algumas das mais promissoras e destacadas organizações ambientalistas nacionais. Mais tarde foi eleita pelo PS como independente..Tudo começou em 1948.O movimento ecologista em Portugal nasceu com a Liga para a Proteção da Natureza (LPN) em 1948, sendo certo que na altura havia muito poucas preocupações ambientais. Só muito mais tarde, em 1971, nasce a Comissão Nacional do Ambiente, mas o desenvolvimento do associativismo só acontece com o 25 de Abril e a par e passo com a democracia, nem sempre numa relação linear..Nesses primeiros anos, os movimentos associativos ambientais estavam mais preocupados em chamar a atenção para a ecologia em Portugal do que propriamente em criar partidos. No entanto, foi evidente um aproximar dos partidos a estas questões. O ativismo político ecologista surgiu no seio dos próprios partidos, de que são exemplos o PSD com o GEOTA - em 1984 surge como um grupo de estudos do Instituto Progresso Social e Democracia (IPSD) -, o PPM com o MPT, de Ribeiro Telles e "Os Verdes" com o PCP..Francisco Ferreira, que cresceu com este movimento, na Quercus, conta que "quem estava nos movimentos ambientalistas e, apesar de estarem a aparecer em outros países partidos de raízes partidárias, achava que era no quadro da sociedade civil, através das associações, que teriam mais êxito. E os partidos que surgem são a partir do interior do partido, como 'Os Verdes', que vem do PCP, e o Movimento Partido da Terra, o braço ecologista do Partido Popular Monárquico (PPM)"..Carlos Pimenta nega que o GEOTA tivesse ideologia: "O quadrante ia da direita à esquerda radical. Eu fui sócio número um, aí já com Engenharia do Ambiente, que estava a começar na Universidade Nova e em Aveiro. A comunidade ambientalista era muito pequena e gravitava à volta das universidades, à volta do ambiente e da arqueologia, esta com Gonçalo Ribeiro Telles", explica..António Eloy conta que a Quercus surgiu para ser o equivalente no Porto dos Amigos da Terra, um ramo da organização internacional com o mesmo nome criado em Lisboa nos anos 1970, que entretanto acabou. Eloy foi um dos fundadores, chegando a membro da Amigos da Terra Internacional. Faz parte das Fapas, fundada em 1990 por gente que saiu da Quercus, coordena o Observatório Ibérico Ecológico. E porque não a criação de um partido? "Esse processo foi lançado, só que criar um partido é uma coisa muito complicada", admite António Eloy.Curiosamente, Troia foi um hub do associativismo verde. Foi aqui que Viriato Soromenho-Marques, ex-presidente da Quercus, do grupo ligado à LPN, de onde saiu em 1976, criou o jornal e projeto Setúbal Verde, entrando para a Quercus em 1987. Muitos dos seus membros, todos de Setúbal, chegaram à presidência da Quercus: Viriato Soromenho-Marques, Manuel Palma, Francisco Ferreira e João Paulo Martins..Explica Soromenho-Marques que "nunca houve um consenso" em relação à criação de um partido. Falou-se na criação de um partido, numa fundação, não se chegou a um consenso. "O grupo, no qual eu me encontrava, achava que o partido não era importante e foram-se integrando na Quercus, que foi agregando muitas outras pessoas.".Por outro lado, acrescenta, "'Os Verdes', que como sabemos foi uma criação do PCP, uma jogada de antecipação, acabou por enfraquecer os objetivos de quem pensava num partido. Além de que o vento não estava de feição, defendi que não tínhamos na sociedade portuguesa capacidade para ter um movimento e um partido. E se analisarmos o impacto que tiveram a Liga, a Quercus, o GEOTA, muito maior não sendo um partido do que se fosse um partido.".António Gonzalez esteve no grupo da constituição de "Os Verdes", em 1982, convocado por militantes do PCP para uma reunião. "Fui convidado para um encontro em Lisboa com gente ligada às lutas pelo lince da serra da Malcata e contra a central nuclear em Ferrel para criar um partido. Mais tarde apercebi-me de que havia ali mãozinha do PCP.".Ambientalistas e políticos.Sublinha Gonzalez: "O problema dos ecologistas é que são sempre anarquistas e nunca alinharam na criação de um partido." Entrou para o Parlamento em 1983, saiu com a queda do governo dois anos e meio depois. Ele e os que estavam consigo na AR tentaram, sem êxito, criar o "direito de tendência", "que permite que exista um grupo no partido que tenha outra dinâmica".."Houve uma divisão, entre os ambientalistas e um grupo, a que chamávamos burocratas, onde estavam o Herculano Pombo e a Maria Santos. Eu e o pessoal que estava comigo demitimo-nos. Cinco anos depois a Maria Santos e o Herculano Pombo acabaram por chegarem à mesma conclusão." Maria Santos refere que "prevaleceu uma linha política que não permitiu que o PEV fosse a eleições com sigla própria, situação que se manteve até hoje. Mas, sublinha, "é inegável que este partido trouxe para a política nacional uma 'agenda verde' que marcou, indelevelmente, as gerações mais jovens, sobretudo nos seus anos iniciais"..Uma pomba contra Reagan.António Gonzalez recorda as dificuldades em ser um único deputado a representar um partido e que só era notícia com iniciativas polémicas, e foram algumas. Isso foi alterado com a eleição de dois membros de "Os Verdes" nas legislativas seguintes, número que já permite a constituição de um grupo na AR. Uma ação de Gonzalez que foi registada pela imprensa internacional foi quando levou uma pomba branca para a AR, em protesto contra a visita de Reagan, em 1985..Levou primeiro a gaiola vazia, depois a pomba numa caixa de fotocópias. E meteu a gaiola com a pomba na bancada onde se sentava. O PSD ameaçou sair, Gonzalez respondeu que só saía com ordem do presidente da AR, mas abandonou o hemiciclo para não ouvir a ordem, deixando a gaiola. Depois de outras peripécias, uma gaiola velha com uma pomba foi levada cerimonialmente por uns senhores de farda, com botões amarelos e luvas brancas. Só depois Ronald Reagan entrou na sala. "Deu nas televisões internacionais todas", ri-se..Ferrel, as cheias de 1967 e Ribeiro Telles.No militantismo ecologista, o arquiteto Gonçalo Ribeiro Telles é a base e a referência - um monárquico que reuniu ambientalistas/ecologistas de diferentes áreas e ideologias. É, também, a maior prova de que o que os unia ultrapassava a questão política, sublinham Francisco Ferreira, António Eloy, Carlos Pimenta, António Gonzalez, ativistas, também cientistas, que estiveram no início das lutas pela defesa do ambiente, da ecologia..O arquiteto liderou o Movimento Alfacinha (MA) para a Câmara Municipal de Lisboa em 1985, obtendo 25 mil votos. Foi vereador na presidência de Krus Abecasis. "O PPM tinha cinco mil votos e o MA 25 mil, tinha não só ambientalistas como artistas, escritores, etc. Foi a primeira experiência política ecológica. Conheci Ribeiro Telles em 1970 não por causa das questões da energia mas do Alqueva. É um homem fantástico, é uma referência fundamental a todos os níveis", conta António Eloy..A primeira grande luta e com mais impacto foi contra a construção da central nuclear em Ferrel, Peniche, com os ambientalistas e algumas figuras públicas a juntarem-se à população e que culminou na manifestação de 13 de março de 1976. "Lutámos contra esse e contra mais 30. Tem havido várias tentativas de construção de centrais nucleares no país", refere Eloy.Conta Carlos Pimenta. "Em 1983, quando Gonçalo Ribeiro Telles me levou para a SEA, havia a proposta de se construir três centrais nucleares, que foi duas vezes ao Conselho de Ministros. Mas um conjunto pequeno de pessoas, para grande surpresa do establishment, consegue ganhar nas duas vezes. Foram convencidos pela nossa análise técnica, daí resultou a política de energia das renováveis que ainda hoje temos.".A primeira vez que viu Gonçalo Ribeiro Telles foi nas cheias de 1967, numa reportagem televisiva. "Morreu muita gente e o regime foi apanhado de surpresa. E quem aparece a denunciar o desordenamento do território? É o Ribeiro Telles, depois cortam-lhe o pio, mas aquela reportagem foi o grande choque, foi um dos pontos da viragem em Portugal.".Gonçalo Ribeiro Telles foi subsecretário de Estado do Ambiente entre 1974 e 1976, nos primeiros governos provisórios. "O PPM já existia antes do 25 de Abril e Gonçalo Ribeiro Telles era uma voz da oposição. A seguir ao 25 de Abril cria a Secretaria de Estado do Ambiente e as pessoas da área do ambiente reviam-se no PPM, que até pela sua característica popular monárquica e ambientalista apareceu como um modelo alternativo, mais tarde leva-me para a SEA", recorda Carlos Pimenta. Mais tarde, acabou por fazer parte da AD, com o CDS e o PPD..Pimenta, do PSD e do governo, com os ambientalistas da oposição.Carlos Pimenta explica como as questões ambientais anulavam os interesses políticos: "Passa pela cumplicidade entre pessoas que tinham o ambiente como causa e que estavam espalhadas por várias sensibilidades políticas. Uma parte da inteligência portuguesa - académicos, jovens idealistas - agregou-se à volta da SEA. Esse movimento em rede vai permitir a passagem da Lei de Bases do Ambiente por unanimidade num Parlamento em que o governo estava em minoria e que um mês depois cai.".Mais tarde, Gonçalo Ribeiro Telles funda o Movimento Partido da Terra, em 1993 - hoje Partido da Terra e que não concorreu às eleições europeias -, mas não consegue agregar os defensores da causa ambientalista..Carlos Pimenta foi secretário de Estado do Ambiente, entre 1983 e 1987, um dirigente social-democrata que uniu em seu redor ambientalistas de esquerda. "Foi um secretário de Estado notável e, além de construirmos uma amizade, fui seu informador para a questão ambiental", diz António Eloy. Carlos Pimenta recorda: "Ninguém queria saber quem era de esquerda ou de direita. Havia reuniões na minha secretaria em que participavam pessoas da oposição. Éramos todos da causa do ambiente.".Hoje, a questão ultrapassou o movimento associativo e tornou-se um partido em crescimento. Veremos onde vai parar.