Tivemos recentemente um mundo sem os Beatles mas com a música deles roubada e interpretada por um britânico de origem indiana. A cortesia era de Danny Boyle em Yesterday. Agora, chega o conto nostálgico de um adolescente paquistanês de Luton que se reinventa ao som do Boss, Bruce Springsteen. Chama-se Blinded by the Light - O Poder da Música, da cineasta Gurinder Chadha. São ambas comédias "tolas" feitas com talento britânico e emolduradas por majors de Hollywood..O filme de Chadha já tinha estado presente no Festival Sundance, em janeiro, e foi aí que conseguiu chamar a atenção da Warner Bros, que acreditou no potencial desta história verdadeira de um rapaz de Luton de origem paquistanesa em mudança drástica após ouvir Bruce Springsteen numa cassete emprestada por um amigo no liceu. Uma mudança que lhe permite arranjar namorada, acreditar na sua escrita e rebelar-se perante o seu pai, um desempregado muçulmano que sempre o reprimiu..Mais do que um feel good movie ou uma comédia dramática de costumes situada na dura Inglaterra de Thatcher, Blinded by the Light é uma uma curiosa possibilidade de festa em torno do legado de Springsteen, ouvindo-se as suas músicas e lendo-se (literalmente no ecrã) as suas letras, com destaque para hinos como Born to Run ou The River, capazes de numa noite de vento mudar uma postura de vida..Festa porque é tudo encenado e coreografado com uma franca capacidade de júbilo e homenagem a Springsteen. Nesse sentido, a ressonância das melodias permite um efeito tão festivo como dramático, encontrando uma realizadora capaz de tirar partido desse efeito, dando-lhe também uma frescura pop..Mas, ao mesmo tempo que é um tributo, é também uma carta de amor a todos os que são fãs, que guardam posters nas paredes dos quartos e acreditam nesse sortilégio da música pop-rock. Claro que ajuda ser fã do Boss, mas ajuda ainda mais estar aberto à forma simples e comovente como se convoca essa mensagem que uma canção ainda muda o coração de alguém, muçulmano ou não..Livremente adaptado da própria história do jornalista Sarfraz Manzoor, o argumento recebeu a autorização e a bênção do próprio músico norte-americano, que chegou recentemente a fazer uma brincadeira na antestreia em Nova Jérsia, ao lado da casa onde nasceu. Dir-se-ia que foi escrito com o coração nas mãos e capaz de nos fazer correr pelas ruas a entoar estas canções que são, afinal de contas, bandas sonoras de muitos que cresceram nos anos 1970 e 1980. .O que é verdadeiramente gratificante é Gurinder Chadha conseguir passar de cenas de família de um intimismo sóbrio para a explosão das sequências movidas com o terramoto sentimental que Bruce Springsteen provoca, algumas delas com um sentido de humor que brinca com o próprio período depressivo inglês e com as coordenadas de um objeto de Bollywood, onde nem faltam figurantes nas ruas a sorrir e a abanarem-se com ritmo..Filme doce sem ser piroso, Blinded by the Light está assumidamente enamorado pelo tributo e não tem vergonha disso. Percebe-se porque Bruce Springsteen autorizou tudo isto....*** Bom