O novo homem forte da segurança. Angola, EUA, Rússia e uma inspiração de Gouveia e Melo
O novo secretário-geral do Sistema de Segurança Interna (SSI) convidou o vice-almirante Gouveia e Melo para partilhar com os chefes das secretas e das polícias a sua experiência de liderança à frente da task force da vacinação.
Há pouco mais de um mês no novo cargo, Paulo Vizeu Pinheiro está ainda dedicado ao que designa de "trabalho de formiguinha", ouvindo todos os parceiros ativos do sistema, anotando ideias, colocando questões, identificando pontos em comum nas preocupações e sublinhando divergências, até chegar ao seu diagnóstico e elencar prioridades.
É aí que entra a inspiração de Gouveia e Melo e foi por isso que entendeu desafiá-lo a deslocar-se ao quartel-general do SSI no início da semana passada, para uma reunião reservada onde estiveram presentes todos os diretores e comandantes dos serviços de informações e das forças e serviços de segurança.
O estilo de liderança do vice-almirante (que vários peritos ouvidos pelo DN caracterizaram como uma liderança não imposta, negociada e entendida pelos liderados, responsabilizando e valorizando cada um dos atores) que ajudou a tornar Portugal num caso de sucesso mundial na vacinação contra a covid-19 tem pontos em comum com o seu próprio objetivo no SSI.
"Quando uma liderança é entendida como interesse comum, o que fica é mais sólido. Interessa-me que todos se sintam participantes e responsáveis pelo todo. Cada um tem de sentir que é uma mais-valia, com as suas diferenças e características", sublinha o secretário-geral.
"Este género de palestras são muito comuns lá fora, a partilha de lições aprendidas e entendi que era um bom princípio promover este debate que tem tudo a ver com a coordenação de forças. O vice-almirante é um verdadeiro exemplo de bom senso", sublinha.
Citaçãocitacao"O secretário-geral demonstrou espírito de abertura e curiosidade pela troca de experiências para tentar perceber que características da liderança da task force podem ser úteis no SSI"
Gouveia e Melo agradece e assinala a "visão aberta" demonstrada por Vizeu Pinheiro ao convidá-lo "para falar sobre um processo de liderança diferente do que estamos habituados e que nada tem que ver com militares ou polícias". O vice-almirante salienta que "o secretário-geral demonstrou espírito de abertura e curiosidade pela troca de experiências para tentar perceber que características da liderança da task force podem ser úteis no SSI".
O perfil de Vizeu Pinheiro passa por conhecer, apostar na confiança, no diálogo operacional e ouvir todas as forças. Não está nos planos do novo líder criar macroestruturas, mas sim ser ágil.
Tem uma primeira meta definida: até ao fim ano pretende ter uma ideia mais ajustada da estratégia a seguir, da equipa e tem apostado na construção de um gabinete coeso e forte. Aliás, já escolheu todos os elementos do gabinete, ainda que costuma dizer que é um adepto de uma "construção de equipa sempre em curso". No total coordena 99 pessoas no SSI.
Durão Barroso, ex-presidente da Comissão Europeia, conhece-o há mais de 30 anos e não lhe poupa elogios.
"Conheço há muito Paulo Vizeu Pinheiro que foi, ainda muito jovem e há pouco saído da universidade, meu assessor no Ministério dos Negócios Estrangeiros onde desde logo mostrou as suas excecionais qualidades de trabalho e de inteligência. Os nossos caminhos cruzaram-se várias vezes ao longo da sua notável carreira de diplomata, desde a sua participação na comissão para os Acordos de Paz para Angola até a Comissão Europeia, quando eu era presidente desta instituição e o convidei para conselheiro diplomático no meu gabinete ".
O atual presidente da Aliança Global para a Vacinação frisa que "embora essencialmente um diplomata e com grande conhecimento das questões internacionais, o Paulo tem também uma boa experiência de questões de segurança interna e de informações, tendo já ocupado posições de liderança também neste domínio".
Confia a 100% no seu desempenho: "Estou seguro de que terá sucesso nas funções para que agora foi convidado e que, como sempre, irá procurar desempenhá-las com integridade e competência."
O SSI foi anteriormente comandada por dois juízes (Mário Mendes e Antero Luís) e uma procuradora (Helena Fazenda), mas os problemas na coordenação das polícias, os atropelos de competências e a ainda insuficiente partilha de informação, não deixaram de existir.
Talvez tenha sido essa uma das razões a contribuir para a escolha do primeiro-ministro António Costa, destacando logo na sua tomada de posse o "talento diplomático" do embaixador Paulo Vizeu Pinheiro.
O facto de ter feito parte de vários gabinetes de governos do PSD, com Durão Barroso principalmente, mas também com Pedro Passos Coelho de quem foi assessor diplomático, não se sobreporá ao "talento", mas politicamente pode ser entendido como uma bandeira branca acenada aos sociais-democratas numa área em que os tradicionais consensos passaram ultimamente a conflitos entre os dois partidos?
Passos Coelho não se inclina para essa interpretação. "O Paulo Vizeu Pinheiro dificilmente será visto como um interlocutor do PSD e não creio mesmo que tenha sido escolhido por ser mais ou menos próximo do PSD. Como diplomata, trabalhou sempre com o mesmo profissionalismo, empenho e dedicação com governos PS e PSD", afiança.
O ex-primeiro-ministro conheceu Vizeu Pinheiro quando, por sugestão do seu então chefe de gabinete, Francisco Ribeiro Menezes (atual embaixador na Alemanha), o recrutou para São Bento.
"Foi um período muito complexo (resgate financeiro/troika), durante o qual o relacionamento com a Europa era intenso, como muitos contactos bilaterais, reuniões formais e informais regulares. O Paulo esteve sempre comigo. É uma pessoa muito inteligente e experiente, trabalhadora, voluntarista, não fica à espera de instruções para quando é preciso preparar alguma coisa, mas tem perfeita consciência dos limites e nunca deu um passo em falso.
"Passos Coelho acredita que estas qualidades serão um bom ponto de partida para o seu novo cargo no SSI, mas valoriza também "toda a experiência que teve em áreas vizinhas como o serviço de informações e a defesa nacional, cujas fronteiras com a segurança interna são cada vez mais ténues".
No seu entender, Paulo Vizeu Pinheiro "tem gramática suficiente para não estranhar este setor e não terá grande dificuldade em adaptar-se".
DestaquedestaquePassos Coelho: "O cargo terá sempre o relevo que o primeiro-ministro lhe quiser dar. No que depender de Vizeu Pinheiro correrá o melhor possível"
Para o ex-presidente do PSD, "os problemas que poderá ter de enfrentar, dependerão mais da arquitetura institucional do SSI, que, como se sabe, não está adaptada às necessidades e não funciona como está".
"Não quero dizer que este cargo esteja esvaziado, mas terá sempre o relevo que o primeiro-ministro lhe quiser dar. No que depender de Vizeu Pinheiro correrá o melhor possível."
A cerimónia de tomada de posse de Paulo Vizeu Pinheiro realizou-se no mesmo dia em que o DN trouxe a público que António Costa e o presidente Jorge Sampaio tinham estado junto a um dos irmãos iraquianos detidos pela PJ por suspeita de pertencerem ao Daesh.
Sobre isto, que pôs em causa a espinha dorsal do SSI e da partilha de informação, não quer falar, garantindo que "a Unidade de Coordenação Antiterrorista enquanto tal funcionou e tudo foi e está a ser analisado".
Mas comecemos pelo princípio. Os primeiros anos da sua vida foram em Angola com a família e até foi batizado pelo histórico cardeal Alexandre do Nascimento, arcebispo emérito de Luanda.
A mãe era silvicultora e o pai engenheiro e em 1975, depois de uma curta passagem por Portugal rumaram a Espanha por causa da mãe que considera "uma força da natureza", pois apanhou o PREC e foi rotulada de fascista por ser contra a reforma agrária. "Ela que festejou o 25 Abril na rua", recorda.
Voltaram a Portugal em 1978, quando tinha 15 anos, mas os seus dois irmãos mais velhos ficaram por Espanha. "Não sei se por causa dessas andanças, que vinham já dos meus antepassados, senti sempre vontade de continuar a andar pelo mundo. O meu pai, nascido em Macau, falava cantonês, a minha bisavó era indiana, tenho sangue judeu da parte da minha mãe minhota e a minha trisavó era inglesa. Desde os 12, 13 anos que queria ser diplomata. Está no meu ADN", assevera.
"Em termos diplomáticos tem piada toda esta mistura. Explica muito como os portugueses estão no mundo desde o século XVI, somos euro-asiáticos, euro-africanos, euro-americanos (Brasil). Isso dá-nos a capacidade de percebermos os outros. Somos um pequeno país que fez o seu império muito à base de negociação permanente."
Curiosamente é Angola que vai ser a sua primeira grande missão profissional. Licenciado em Direito pela Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa de Lisboa em 1987, logo em 1989, com apenas 26 anos aterrou no gabinete de José Manuel Durão Barroso, na altura secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação.
Juntou-se a uma equipa tenaz que arquitetou o processo de paz de Angola e conseguiu sentar à mesma mesa os EUA e a então URSS, no rescaldo ainda da Guerra Fria, que culminou com a assinatura dos acordos de Bicesse (Estoril), em maio de 1991, entre José Eduardo dos Santos e Jonas Savimbi.
Dessa equipa faziam parte figuras conhecidas como o embaixador António Monteiro, chefe de gabinete, Seixas da Costa, José Matos Correia e Luís Barreira de Sousa - todos falaram ao DN sobre o "Paulo".
Depois dos acordos de paz, Vizeu Pinheiro seguiu para Luanda com António Monteiro e o embaixador António Franco (já falecido) para preparar a transição e acompanhar as primeiras eleições do país, que se realizaram em 1992.
Na Missão Temporária de Portugal junto das Estruturas do Processo de Paz em Angola, chefiou a delegação portuguesa na Comissão Política da Comissão Conjunta Político-Militar, onde esteve até 1993, com várias funções complexas: desmobilização, desarmamento, reintegração de antigos militares da UNITA, revisão constitucional e da lei eleitoral, desminagem, polícias, extensão da autoridade do Estado a todo o território e a troca de prisioneiros.
"Dormíamos pouco ou quase nada, eram dias intensos de trabalho. O Paulo era incansável, um trabalhador por excelência. É muito inteligente, com uma visão moderada das coisas, quer sempre conhecer as visões e todas as partes antes de formar uma opinião. Mas quando fala sabe do que fala", afirma António Monteiro, que foi ministro dos Negócios Estrangeiros.
Recorda dois episódios marcantes em que a fibra de Vizeu Pinheiro foi posta à prova. Num deles, no segundo dia das eleições, quando a UNITA se apercebeu da derrota e recomeçava a pegar nas armas, em que a sua casa foi cercada por um grupo deste movimento que a tentou invadir, depois de matar um segurança da residência ao lado.
"O Paulo e o embaixador António Franco souberam da situação e foram logo ter comigo. Enfrentaram os soldados armados, exigindo que os deixassem passar. O Paulo teve metralhadoras apontadas à cabeça, mas nunca recuou. Tem uma grande coragem física e é uma pessoa de grande solidariedade. Formávamos os três uma equipa muito coesa", recorda o atual presidente da Fundação Millennium.
O outro episódio aconteceu logo no início da missão em Angola, na altura encarregado de negócios da parte política da missão portuguesa. Eram três da manhã quando Vizeu Pinheiro recebeu um telefonema do delegado da UNITA (por sinal, de quem tinha sido colega na Católica), a informar que Jonas Savimbi iria pedir a sua expulsão por ter criticado a UNITA por não estar a cumprir os compromissos assinados em Bicesse - o que era literalmente verdade.
O jovem diplomata ficou furioso, não se conformou e ameaçou denunciar o caso ao mais alto nível, da troika URSS/EUA/Portugal, declarando com firmeza que considerava aquilo uma "ação intimidatória inadmissível".
Já pela manhã, quando já tinha acordado meio mundo a contar o sucedido, recebeu novo telefonema do delegado a informar que Savimbi dissera que tinha sido um mal-entendido.
Seixas da Costa, ex-secretário de Estado dos Assuntos Europeus dos dois governos de António Guterres, escreveu no seu blogue Duas ou Três Coisas, no dia em que Vizeu Pinheiro tomou posse no SSI, que o seu currículo profissional "especialmente o recomenda para o lugar que agora vai ocupar. É uma excelente escolha!".
Das suas características realça "o grande sentido de serviço público". O antigo embaixador nas Nações Unidas, no Brasil, em França e na UNESCO recorda a sua "especial vocação logo no gabinete de Durão Barroso, para tratar das matérias ligadas às informações e trabalho muito nesse aspeto nos processos de paz de Angola e Moçambique".
Seixas da Costa sublinha que "tudo o que fez ao longo da sua carreira diplomática foi sempre de forma muito prestigiante para o Ministério dos Negócios Estrangeiros".
Acredita que não demorará a ter "ideias muito claras" sobre o SSI: "Ele conhece bem as guerras das polícias e ninguém melhor do que ele para as desmontar."
Sublinha que "o facto de ser alguém que vem de uma área política diferente da do governo só prova que se impõe a sua qualidade técnica, independência e integridade". Como "amigo pessoal" nunca o viu irritado e destaca-lhe um "enorme sentido de humor".
Depois de Angola, Paulo Vizeu Pinheiro, viajou para Washington, onde esteve acreditado como primeiro-secretário e, entre outras funções, foi encarregado da secção consular.
Foi responsável pelos dossiês dos processos de paz em Angola e Moçambique, que acompanhava com os vários departamentos de Estado, Congresso e até com a CIA, chegando a reunir também com o então presidente Bill Clinton.
Dali para aquele que viria a ser, e é até agora, o destino mais marcante da sua vida profissional: a embaixada em Moscovo, onde chegou em outubro de 1998, como conselheiro.
Aterrou em pleno processo de transição de Boris Yeltsin para Vladimir Putin, com a guerra da Chechénia no seu auge. "Quando cheguei havia tiroteios nas ruas, a Mercedes tinha uma promoção em que oferecia um jipe blindado para escoltar os Mercedes. Putin conseguiu reerguer a economia, resolver separatismos, combater a jihad da Chechénia e por o Estado de pé", afirma.
"É uma potência e hoje não interessa a nenhuma das partes que a Rússia saia do Conselho da Europa e interessa que mantenham acesso ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos", sublinha.
Esteve em Moscovo até 2002, quando Durão Barroso o chamou de volta a Lisboa para ser subdiretor-geral do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa e Militares (SIEDM - atual SIED), onde ficou até 2005 como diretor-geral interino.
Neste posto participou no núcleo duro de negociações entre o PS e o PSD para a criação do Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP), que pela primeira vez juntou vários departamentos das secretas internas (Serviço de Informações de Segurança - SIS) e externas (Serviço de Informações Estratégicas de Defesa - SIED), com os socialistas Marques Júnior (já falecido), Vitalino Canas e, pelos sociais-democratas, José Matos Correia.
"É uma pessoa discreta, calma, muito concentrada naquilo que faz. Gosta de trabalhar para um objetivo final. Acredito que será uma grande mais-valia para o novo cargo o facto de conhecer bem os serviços de informações", afere Vitalino Canas, ex-secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, sob a chefia de António Guterres.
Para o ex-deputado e porta-voz do PS, Vizeu Pinheiro, "é uma pessoa com perfil interessante para a aproximação dos dois grandes sistemas (SIRP e SSI), pois em termos de liderança tem capacidade para fazer pontes". Além disso, completa, "o SSI tem muitos atores e requer também alguma capacidade diplomática".
Matos Correia, que o conhece deste início da carreira, nos gabinetes de Durão Barroso no Palácio das Necessidades e em São Bento, realça a "enorme experiência diplomática e da administração pública". Além do SIEDM, Vizeu Pinheiro foi o primeiro civil a dirigir a Direção-Geral de Políticas de Defesa Nacional, DGPDN, quando Nuno Severiano Teixeira, do governo PS, era ministro da Defesa.
O ex-vice-presidente do PSD salienta as "grandes qualidades do Paulo na direção de questões sensíveis - muito inteligente, com manifesta vocação para a diplomacia, muito trabalhador, consegue colaborar com vários governos, apesar da evidente simpatia pelo PSD, mostrando o seu profissionalismo e competência".
Recorda que "na audição parlamentar aquando da sua indigitação para o SSI até o próprio deputado do BE, José Manuel Pureza, disse que não havia nada a questionar no seu currículo" ("trata-se de uma função de grande delicadeza e sensibilidade democrática no nosso pais, de grande responsabilidade. O currículo que nos apresentou não os merece senão o comentário de que se trata de alguém perfeitamente capacitado para a função em causa", afirmou Pureza).
O general Carlos Chaves conheceu Vizeu Pinheiro no gabinete de Passos Coelho, onde era assessor para a segurança nacional. "Estivemos juntos dois anos. É um diplomata de elevado gabarito, possuidor de características relevantes para o desempenho de funções e missões como aquela que recentemente lhe foi atribuída. Estou plenamente convicto de que Portugal e os portugueses muito irão beneficiar com o seu desempenho", assinala.
E o que podem os chefes das polícias esperar dele? "Lealdade e compromisso. Vai cumprir e fazer cumprir a lei com diplomacia mas também com determinação. As coisas com ele terão de ser muito claras e cumpridoras da lei e dos regulamentos", sublinha.
Em 2055, no governo de José Sócrates foi designado representante permanente adjunto na Delegação de Portugal junto da Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Económicos (OCDE), onde trabalhou com Eduardo Ferro Rodrigues.
Regressaria de novo á OCDE (2013/2017) mas como chefe de missão. E é deste período que Luís Barreira de Sousa, responsável pelo ciberdiplomacia portuguesa desde 2016, mais recorda o desempenho de Vizeu Pinheiro. "Foi da nossa geração dos poucos, se não o único, pelo menos até essa altura, a ter alguma influência na máquina da OCDE, um grande think tank e políticas públicas de vários países", assevera.
"Chegou numa altura em que se estavam a preparar eleições para o comité de política internacional, o mais cobiçado, com um japonês candidato. Conseguiu autorização de Lisboa para se candidatar contra ele, venceu-o e foi te tal forma hábil que o Japão nem se incompatibilizou connosco", recorda o Barreira de Sousa.
Depois disso, lembra, "tinha sempre margem nas negociações para cargos e conseguiu um número recorde de nomeações de portugueses. Nunca ninguém tinha conseguido nada disso. Passámos a ter palavra em áreas importantíssimas do desenvolvimento, das políticas macroeconómicas - decisivas na produção de conhecimento. Depois de ter assistido a isto tudo fiquei com uma admiração incondicional por ele".
Essa "admiração" estendeu-se depois à sua missão seguinte, de regresso à Rússia, em 2017, desta vez como embaixador em Moscovo. "Nunca tínhamos tido ninguém com tantos contactos junto a pessoas de relações próximas com o presidente Putin. Para os poucos que tínhamos ele conseguiu uma posição em que podia recorrer a fontes que normalmente não atingiríamos. A informação que enviava sobre a política interna russa era do mais alto nível de qualidade, é um dos melhores embaixadores que temos", afiança.
Vizeu Pinheiro chegou a Moscovo, vindo da OCDE em Paris, onde tinha regressado depois da DGPDN, cerca de três meses após ter rebentado em Portugal o escândalo do espião do SIS que vendia segredos às secretas russas (Carvalhão Gil viria depois a ser condenado por espionagem).
O facto nunca mereceu qualquer condenação, pública pelo menos, do MNE. Confrontado com esse episódio, Vizeu Pinheiro diz que o assunto foi tratado "ao nível das capitais envolvidas, Lisboa, Roma (onde o agente duplo foi detido com o espião russo) e Moscovo da forma que se entendeu adequada" e que "não teve impacto nas relações bilaterais".
No seu caso, teve de enfrentar o incidente do antigo espião russo Skripal, "o problema mais complicado" que envolveu até a expulsão de diplomatas. Defendendo não querer violar o espírito de convenção de Viena, Portugal juntou-se a uma minoria de países que não expulsaram diplomatas russos. Mas Vizeu Pinheiro foi chamado a Lisboa, "uma medida de retaliação política grave, devidamente calibrada e considerada adequada".
Alias, as relações diplomáticas de Portugal com a Rússia terão sido aprofundadas desde então. Na relação com a Rússia mantém-se atento às novas dinâmicas militares e económicas, sobretudo no que toca à sensível área da energia. Costuma dizer que cada vez que se tenta conter a Rússia, ela se expande, por isso toda a atenção é pouca.
"A Rússia é um país fascinante. Conserva, perante alguns de nós europeus, uma imagem estereotipada de país longínquo, empobrecido e cinzento. Mas não é verdade. As suas principais cidades são centros económicos pujantes, modernos e funcionais, com turismo, boa gastronomia e excelentes sítios para visitar. Creio que qualquer português que visite Moscovo ou São Petersburgo ficaria muito surpreendido pela positiva e pelo acolhimento que aqui encontraria. Rapidamente qualquer imagem estereotipada fica desfeita", escreveu na página da internet da embaixada.
Admirador da cultura e da natureza russa, vestiu a pele de embaixador para a boa vontade das Nações Unidas naquele território, através da qual promoveu um jogo de hóquei sobre gelo, no gigante lago Baikal, onde esteve com uma lenda da modalidade (Slava Fetissov).
No âmbito da presidência portuguesa da UE, no primeiro semestre de 2021, teve ainda um papel importante na preparação da visita dos embaixadores da UE ao Baikal sobre os desafios climáticos, a biodiversidade e a transição energética - que decorreu na semana passada.
Esteve no encontro de Putin com Marcelo Rebelo de Sousa em 2018. "Houve uma boa química. O nosso Presidente sempre franco e Vladimir Putin a reagir bem", lembra. Das lições que aprendeu na Rússia guarda o lema "ser sempre direto e transparente com os russos e exigir regras". Foi em Moscovo que foi surpreendido com o telefonema de António Costa para vir substituir a procuradora-geral adjunta Helena Fazenda, que estava há sete anos do SSI.
À beira de completar os 58 anos (a 8 de novembro), garante o seu empenho no novo cargo e defende que "a segurança não é só uma questão de perceção, é algo que tem de ser consistente". Mas assume que gostaria de se reformar na carreira diplomática, o seu ADN.
Admira a política externa portuguesa, costuma enaltecer o facto de nunca ter havido partidarização da mesma e são conhecidas palavras suas de elogio a Mário Soares, por ter visto sempre os diplomatas como instrumentos importantes para consolidar a democracia.
Na sua vida pessoal, procura sempre equilibrar a sua carreira com a família e, aqui, podemos encontrar outro ponto em comum com Gouveia e Melo, além das estratégias de liderança.
Se o vice-almirante já confessou que o seu "único medo" é que alguma coisa de mal aconteça aos seus filhos, para Vizeu Pinheiro, que ficou com os três filhos a seu cargo quando se divorciou, esta é a sua bússola.
Hoje os seus filhos têm 23, 25 e 28 anos e estão formados superiormente e autónomos, mas levou-os consigo para todas as suas missões enquanto jovens, até para a Rússia, onde estiveram quatro anos entre 1998 e 2002.
Quando Durão Barroso foi para Bruxelas, como presidente da Comissão Europeia, seguiu-o, mas só ficou um ano (muito intenso, por sinal, com as negociações para o Tratado de Lisboa) porque os seus filhos precisavam dele.
"Todas as decisões profissionais que tomei na vida foram sempre pensadas em função deles. Este foi e é o maior desafio da minha vida", declara.
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