Era para ser um dia bem passado, a caminhar no meio da natureza, junto à costa, Alentejo fora. Mas, nessa tarde, há 11 anos, Simão Acciaioli e os amigos aperceberam-se, com indignação crescente, de que as praias por onde iam passando, umas a seguir às outras, eram um mar contínuo de lixo - milhares de garrafas de plástico vazias, peças de plástico disto e daquilo, sacos e restos de boias, de cordas avulsas e de redes, cotonetes usados aos montões, caixas de cerveja e latas, embalagens de iogurtes...."Nesse dia passámos da indignação à ação", recorda Simão Acciaioli. Nesse dia nasceram as Brigadas do Mar, para limpar aquelas praias. Mas, uma década depois, as brigadas já fizeram bem mais do que isso. Além de todos os anos, desde então, limparem os 45 quilómetros de praia que se estendem entre Troia e Melides, as brigadas já estenderam as suas campanhas a outras zonas da costa, como Alcochete e Samouco, no Tejo, os areais entre São Pedro do Sul e a Figueira da Foz, a Lagoa de Óbidos ou ainda praias no Faial, Açores..Em números, nestes 11 anos, o grupo, que entretanto se constituiu em associação, já movimentou mais de seis mil voluntários que retiraram um total de 550 toneladas de lixo dos areais, sem contar com as muitas dezenas de dias necessários à preparação dessas ações, numa extensão que já perfaz os 660 quilómetros lineares de costa. Só no ano passado, a associação mobilizou centenas de voluntários durante 45 dias para limpeza de praias em diferentes pontos da costa..Mas não se trata só de números. "Logo a partir do quarto ano de limpeza de toda esta zona entre Troia e Melides, começámos a ver a diferença", conta, satisfeito, Simão Acciaioli. Não só a quantidade de lixo apanhado estava a diminuir, mas, mais visível ainda, a própria natureza parecia renascer. E a cada novo ano as duas tendências foram-se confirmando. "Hoje há dunas saudáveis com vegetação, onde há uma década só havia lixo e todos os anos tem diminuído em três a quatro toneladas o total de detritos recolhidos", explica o responsável da associação..A melhor medida dessa mudança teve-a o próprio responsável há poucos anos, no comentário de um agente da polícia marítima que desconhecia as campanhas anuais da associação. "Dizia ele: não sei o que tem esta parte da costa que está mais limpa do que no resto do país", lembra Simão Acciaioli.."No primeiro ano em que nos lançámos à limpeza entre Troia e Melides, só conseguimos concluir dois terços da extensão do areal, de onde retirámos 45 toneladas de lixo." Mas logo no ano seguinte as brigadas fizeram o pleno dos 45 quilómetros e, desde então, a meta não tem falhado..Agora mesmo está prestes a começar nova campanha, já a partir de sábado, com a participação de cerca de 300 voluntários, que durante as próximas duas semanas vão bater toda a extensão de areal de Troia a Melides, para a deixar completamente limpa.."A nossa estimativa para este ano é que recolheremos cerca de 20 toneladas de resíduos no total", adianta o responsável que já está, nesta altura no terreno, com uma pequena equipa com moto-quatro, a fazer uma primeira recolha de volumes maiores..Uma operação de 60 mil euros.Para montar uma campanha desta envergadura, que envolve a participação de 300 voluntários durante duas semanas, que precisam de alojamento e alimentação, além de equipamento para trabalhar em segurança, como luvas próprias, e seguros para prevenir riscos, "o núcleo duro" da Brigada do Mar - "somos todos voluntários", frisa Simão Acciaiolli, que na sua vida profissional trabalha em marketing e eventos - começou a trabalhar em dezembro, para garantir que tudo está pronto a rolar na hora certa.."No total, esta campanha ronda os cerca de 60 mil euros, e não temos nenhum apoio estatal." Custeiam o total da verba uma série de entidades, desde a Câmara Municipal de Grândola a uma família anónima, que paga os três mil euros de combustível que os trabalhos implicam, mais uma série de empresas que fornecem as refeições e o alojamento, como o Parque de Campismo da Galé, ou a Mútua dos Pescadores que garante os seguros aos voluntários. E se o lixo naquela extensão de 45 quilómetros tem diminuído de ano para ano, com os voluntários acontece exatamente o contrário. "No início, tínhamos quatro pessoas a participar diariamente na campanha, agora temos 30 todos os dias e 60 aos fins de semana, e para esta ação já fechámos as inscrições há um mês." Num areal sensível como é aquele, limpar não pode significar ter uma multidão a pisotear as dunas..Passados 11 anos, com mais uma campanha prestes a iniciar-se, o saldo é positivo: o areal entre Troia e Melides renasceu, a quantidade de lixo está a decrescer e, em relação às outras zonas onde as brigadas já começaram a fazer campanhas de limpeza, é grande a expectativa quanto a resultados. "Estamos à espera de ver efeitos como estes que observamos na costa alentejana dentro de alguns anos.".Outro lado positivo é o do destino deste lixo que, pelos cálculos do fundador da associação, é em cerca de 70% a reciclagem. Mas Simão Acciaiolli não se ilude: por muito bem-sucedidas que sejam, não basta fazer estas campanhas de limpeza. Elas terão um dia de "abranger toda a costa" e "os decisores políticos e técnicos têm de fazer uma avaliação séria da situação, cujo origem também está a montante", diz. A principal fonte de todo este lixo, sublinha, "é o desleixo do nosso dia-a-dia. É todo esse desleixo que encontramos nas nossas praias".