O homem do Palácio do Kebab vai ser julgado por agressão com espátula

O imigrante turco que, há três anos, se defendeu de um grupo de jovens que invadiram o seu restaurante no Cais do Sodré é um dos acusados. O outro é o indivíduo que disparou um tiro na sua direção e que responde em tribunal por tentativa de homicídio.
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Foi há mais três anos que as imagens de violência no exterior do Palácio do Kebab, em Lisboa, correram o país, com o dono do restaurante, o turco Mustafa Kartal, a enfrentar um grupo de jovens às primeiras horas do dia.

Os confrontos foram originados pela entrada de mais de duas dezenas de pessoas no espaço no Cais do Sodré depois de terem saído de uma festa africana numa discoteca próxima. Após investigação da Polícia Judiciária e do Ministério Público, condicionada pela apresentação ou não de queixa por ofendidos, Mustafa Kartal, hoje com 37 anos, começa esta quarta-feira a ser julgado pelo crime de ofensa à integridade grave, enquanto um dos indivíduos envolvidos, o que terá efetuado um disparo com arma de fogo, responde pelo crime de homicídio qualificado na forma tentada em concurso com detenção ilegal de arma. O julgamento decorre em tribunal coletivo, em Lisboa.

O caso ocorreu no feriado de 25 de abril de 2016, cerca das 07.00. No interior do Palácio do Kebab estavam Mustafa Kartal e um seu empregado a limpar o estabelecimento, ainda fechado, quando entraram 20 a 30 jovens, levantando a grade e acedendo ao interior sem autorização. Diz o Ministério Público que o grupo "logo começou a retirar bebidas do interior de uma arca frigorífica, ao mesmo tempo que um dos indivíduos de identidade não apurada tentava retirar a caixa registadora do local".

Foi em reação a estes comportamentos que Mustafa Kartal muniu-se de uma espátula - uma lâmina de extremidade larga usada como utensílio de cozinha, com 30 cm de comprimento e 4 de largura - e desferiu um golpe no jovem que procurava roubar a caixa. A agressividade tomou conta do grupo e o turco saiu do balcão, expulsando as dezenas de jovens para o exterior. Na confusão, um dos indivíduos pegou num extintor e acionou-o gerando uma enorme nuvem de fumo. E ainda fugiu com o extintor, que veio a ser recuperado por Kartal.

Atingido com pedras e garrafas

Fora do estabelecimento a violência prosseguiu e foi captada por telemóveis e também por câmaras de videovigilância que serão usadas como prova em tribunal. Foi nessa altura que o turco foi agredido com um violento pontapé nas costas, visível nos vídeos que circularam após os factos. O autor foi identificado, mas o MP nunca o conseguiu ouvir pelo que foi emitido pedido de paradeiro. Com Mustafa Kartal à porta do seu restaurante, o grupo agrediu-o a soco e "atirou inúmeras pedras e garrafas". Até que Carlos Santos, agora com 31 anos e do Cacém, empunhou uma arma de calibre 7.35mm e efetuou um disparo na direção do proprietário do restaurante, sem o atingir. Foi recolhido um invólucro no local mas a arma não foi recuperada.

A acusação descreve que Kartal temeu mais disparos e reentrou no estabelecimento onde se deparou com outro jovem em luta com o seu funcionário. Aplicou-lhe um golpe com a espátula, na mão e na cabeça, tendo sido empurrado e caído. O jovem aproveitou o momento para sair, mas o turco foi no encalço e acertou-lhe de novo nas costas. Este indivíduo alega que tinha voltado a entrar no Palácio do Kebab por estar à procura do seu irmão. Foi assistido no Hospital de Almada aos ferimentos e fez queixa de Kartal. Neste processo é assistente. Com o irmão, foi identificado na altura no hospital Garcia de Orta, em Almada. Outros quatro jovens foram identificados pela PSP no hospital de São José, onde foram tratados a ferimentos leves.

O MP diz que o arguido Carlos Santos "atuou com o propósito de tirar a vida" a Mustafa, não o logrando por acaso. Não possuía licença de porte e detenção de arma, pelo que irá responder em tribunal também por este crime. Em relação a Kartal, a acusação também refere que este sabia que a espátula iria criar "especial perigosidade para a integridade física do ofendido". Mas o MP admite que "agiu o arguido influenciado pela carga emocional vivenciada pela globalidade dos acontecimentos". Pelo crime de ofensa à integridade física grave, Kartal pode ser punido com uma pena de prisão de dois a dez anos.

Turco não fez queixa de jovens

Na investigação foram ouvidos cinco jovens que estiveram envolvidos nos confrontos e o funcionário do Palácio do Kebab. Não há mais acusados pelo facto de não ter sido apresentada queixa. Kartal fez a participação à polícia, mas não manifestou ao longo do todo processo vontade de se queixar dos jovens. O MP considerava terem existido crimes de dano e de furto, entre outros de ofensa à integridade física, mas sem queixa não podia acusar. Só o referido jovem de Almada é que fez queixa do comerciante turco pelas agressões com a espátula, enquanto outro indivíduo do grupo - também ferido com a espátula - não quis apresentar queixa contra Mustafa Kartal. São seis as testemunhas indicadas pelo MP - cinco jovens e o funcionário -, a que se juntam dois inspetores da Secção de Homicídios da PJ que investigaram o caso.

Após os incidentes no feriado de 25 de abril de 2016, Mustafa Kartal ficou conhecido de todo o país como um comerciante e um cidadão que procurou defender o seu negócio e os seus bens. É um imigrante turco, de origem curda, que se instalou em Lisboa, em 2012, deixando mulher e filhos em Istambul. Ainda teve problemas com o visto após este caso, mas tudo foi resolvido. Com mulher e filhos em Istambul, explora o restaurante no Cais do Sodré que até ganhou mais clientes na sequência do incidente. Disse logo que só queira continuar a sua vida em Lisboa e foi o que fez.

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