O furacão português conquistou o Palmeiras em menos de um mês
Abel Ferreira chegou de mansinho e sob anonimato ao Palmeiras no dia 30 de outubro. Assinou até 2022. Ainda muitos questionavam quem era afinal o treinador que o clube de São Paulo tinha escolhido para liderar a equipa no Brasileirão e na Libertadores, e já o português avisava que não estava no Brasil para passar férias. Menos de um mês depois, o "furacão português" já conquistou o verdão e o Brasil, onde o apelido (Ferreira) é essencial para o distinguir do Abel original, leia-se Abel Braga.
"O Abel ficou conhecido no Brasil depois de o PAOK eliminar o Jorge Jesus na preliminar da Liga dos Campeões. Houve até uma brincadeira sobre isso, sobe o facto de Abel ex-Braga ter eliminado o Benfica de Jesus, porque o Abel Braga foi o técnico que antecedeu o JJ no Flamengo e fez um trabalho muito insatisfatório e houve muito bate-boca por causa disso, daí a brincadeira do Abel ex-Braga. Foi assim que o Abel Ferreira ficou conhecido no Brasil", contou ao DN Rodrigo Fragoso, jornalista do Esporte Interativo, que acompanha o Palmeiras.
Bastaram dois dias para o antigo lateral direito impressionar os brasileiros. "Ele avisou que não vinha para passar férias, e o que mais chamou a atenção foi o conhecimento que ele mostrou do clube. Com apenas dois dias de Palmeiras, ele deu uma conferência de imprensa onde mostrou uma enorme desenvoltura a dizer nomes de jogadores, as posições que podiam fazer e as características. Falou sobre as referências, a história e o ADN do verdão. É habitual os treinadores chegarem aos clubes e desconhecerem o clube, e sendo um treinador europeu, alguns esperariam isso do Abel", contou o jornalista de São Paulo.
O ex-lateral do Sporting não se ficou pela conversa. Os resultados acompanharam o discurso e deram-lhe credibilidade. Pegou no trabalho do interino Andrey Lopes e "elevou o patamar", conseguindo muitos bons resultados num período de covid-19: "Ele soube lidar com isso, soube dizer o que pretendia da equipa e cativou os jogadores com elogios, fazendo-os subir de rendimento muito rapidamente. Foi assim que ele também cativou os jornalistas e os adeptos."
E assim começaram as manchetes na Folha de S. Paulo, no Globo, no UOL e no Esporte Interativo e peças televisivas sobre os novos métodos do português e o seu lado workaholic. Abel passa o dia no centro de treinos, é viciado em rever os jogos e os pormenores dos treinos e passa horas a observar os jogadores das camadas jovens do Palmeiras. As palestras dele no balneário têm motivado os jogadores e impressionado a direção do Palmeiras. Até os funcionários do clube já são team Abel. Dizem que poucos mostraram tanto afeto e respeito por eles como o português natural de Penafiel. "O furacão português atingiu todos os setores do clube da melhor forma possível", elogiou Lavieri, comentador da UOL.
Para os brasileiros, "a forma e o motivo como o português fala não são banais", uma vez que dá tanta atenção ao lado emocional/mental como às partes tática e física. E isso viu-se na estreia, quando venceu o Red Bull Bragantino (1-0) para a Taça do Brasil, quando gritou "Avanti, Palestra" - grito de guerra do Palmeiras - e levou os adeptos à loucura nas redes sociais.
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Na roda com os jogadores, Ferreira discursou ainda sobre fé, trabalho e sucesso. "Os portugueses também são muito religiosos, vocês sabem disso. Eu acredito que Ele [Deus] ajuda, mas Ele ajuda quem trabalha. Não tenho coragem de levantar de manhã sem agradecer por minha vida, não tenho coragem de pedir nada. Não tenho coragem de pedir nada, pelo que a vida me dá, não tenho coragem de pedir nada, só agradecer. Vamos fazer nossa oração, mas lembrem-se disso: Ele vai ajudar, mas vamos fazer nossa parte. Mais uma vez obrigado", completou o português.
O técnico português teve pouco tempo para mexer no Palmeiras. Teve de lidar com um surto de covid-19 na equipa e foi perdendo jogadores jornada após jornada. Chegou a ter 21 atletas de fora, entre lesionados e infetados, e ainda teve de lidar com uma data FIFA. No Brasil os campeonatos não param por causa dos jogos nas seleções e ele ficou sem Gabriel Menino e Weverton (ambos na seleção brasileira), Gustavo Gomes (Paraguai) e Matías Viña (Uruguai). "Teve de lidar com o problema gigantesco que é montar uma equipa diferente a cada jogo e sem tempo para treinar, apenas com dois ou três dias entre jogos. E mesmo assim ele conseguiu implementar um esquema com três centrais por exemplo, que quase ninguém usa no Brasil, e os adeptos gostaram", revelou Rodrigo Fragoso.
O Palmeiras soma seis vitórias, um empate e uma derrota nos primeiros oito jogos com Abel ao leme. Números que fazem dele o terceiro treinador estrangeiro (gringo como dizem os brasileiros) com melhor arranque no futebol brasileiro, à frente de Jorge Jesus, por exemplo. Apenas Sampaoli e Matthaus fizeram melhor.
Sem medo da herança triunfante de Jorge Jesus no Flamengo, o ex-treinador do Sp. Braga está a fazer o seu caminho, com menos recursos, mas com a mesma ambição. Para Rodrigo Fragoso é "muito precoce" comparar Abel e o Palmeiras a Jesus e o Flamengo. A começar pelo facto de o ex-técnico do PAOK ainda não ter conseguido colocar o seu cunho no Palmeiras ou formar uma equipa-base. O que ele tem feito, segundo o jornalista, é "minimizar problemas". Mudanças forçadas que deixam "a incógnita sobre o que conseguirá o português fazer no Palmeiras".
Mas já dá para perceber algumas coisas: "O verdão é uma equipa muito sólida defensivamente, apanha cada vez menos sustos, cada vez menos precisa dos guarda-redes para vencer jogos e tem uma transição ofensiva muito forte, com recurso à velocidade dos extremos como o Raphael Veiga, mais um dos que cresceram imenso. O Raphael tem marcado golos em quase todos os jogos e passou a ser um jogador imprescindível quando nem era titular antes. Os adeptos chegaram a pedir a dispensa dele e tudo. Agora tem feito a diferença com passes, assistências para golo e golos. Está a mostrar um potencial gigantesco nas mãos do Abel."
Mas há algumas semelhanças com Jesus e o trabalho que fez no Flamengo em 2019. Assim como o atual treinador do Benfica, também o ex-Sp. Braga parece obstinado na recuperação de jogadores ostracizados, como Lucas Lima, Raphael Veiga, Zé Rafael e Patrick de Paula. "Ele fez com que vários jogadores subissem de produção. O médio Zé Rafael é um exemplo disso. Na semana passada, após vencer o Delfin, no Equador, por 3-1, nos oitavos-de-final da Taça Libertadores, alguém lhe perguntou se ele merecia estar na seleção brasileira, tamanha a evolução nas mãos do Abel e do interino, e ele respondeu que sim. Lucas Lima é outro dos que melhoraram muito. Ele é um jogador debaixo de muita pressão pelo custo que teve. Ele já tinha brilhado com o Scolari em 2018, mas agora tem tido maior protagonismo individual, está a levar a equipa às costas, que era o que se esperava dele", contou o jornalista do Esporte Interativo.
Abel Ferreira só não conseguiu recuperar Ramires. O ex-Benfica raramente esteve ao nível das expectativas dos adeptos do Palmeiras, que não lhe perdoam as festas sem máscara em tempos de pandemia e rescindiu contrato, apesar dos elogios do português: "Ramires é o patinho feio que vai virar cisne." Pode até ser, mas não será no clube de São Paulo.
Ao contrário de Jesus, que ganhou alguns ódios de estimação, o técnico do Palmeiras soube como cativar os seus pares do outro lado do Atlântico. Quando lhe perguntaram se tinha falado com alguns treinadores portugueses que treinaram no Brasil, como Jesus, Jesualdo ao Paulo Bento, antes de assinar pelo Palmeiras, ele surpreendeu ao destacar os técnicos brasileiros que o ajudaram na carreira como jogador. "Tenho uma grande relação com brasileiros, então existe essa curiosidade. Por incrível que pareça, falei mais com brasileiros do que com portugueses. Paulo Autuori foi o técnico que promoveu minha estreia na Primeira Liga. O treinador que me levou à seleção portuguesa [para testes] foi o [Luiz Felipe] Scolari, tive um contacto com o Guto Ferreira e o Thiago Larghi, que foram ao Braga fazer um estágio", contou o ex-Sporting.
Seja como for, o Palmeiras é sem dúvida o grande projeto da curta carreira do treinador Abel Ferreira. O técnico ainda dava os primeiros passos como treinador no Sp. Braga, quando em 2019 o PAOK surpreendeu ao pagar 2,5 milhões para o roubar os guerreiros. Foi a quarta transferência mais cara da história envolvendo um treinador, depois de Mourinho, Villas-Boas e Leonardo Jardim. Um dado histórico que engrandece o potencial do jovem técnico de 41 anos, o décimo treinador português à descoberta do Brasil e o segundo a orientar atualmente no Brasileirão - o outro é Sá Pinto no Vasco da Gama.
Fundado a 26 de agosto de 1914 em São Paulo, por imigrantes italianos, a Società Sportiva Palestra Italia foi obrigada a mudar de nome durante a Segunda Guerra Mundial. Em 1942 passou a ser Sociedade Esportiva Palmeiras e é hoje um dos clubes de futebol mais conhecidos e vitoriosos do Brasil. Foi campeão em 2018, sob o leme de Scolari, e persegue a segunda conquista na Libertadores, depois do triunfo em 1999.