Um avião de reconhecimento russo Ilyushin IL-20 foi abatido na segunda-feira à noite com 15 militares a bordo. Não houve sobreviventes. Durante umas horas, Israel e França foram implicados no caso. A crise diplomática acabou por resolver-se quando se soube quem foi o responsável..O aparelho foi "abatido por um sistema de mísseis S-200 [de fabrico russo] do Exército sírio", reconheceu na terça-feira o Ministério da Defesa russo. As forças sírias dispararam com o intuito de intercetar mísseis israelitas quando quatro caças F-16 da aviação israelita atacavam depósitos de munições na província de Latáquia..O exército russo, num primeiro momento, reagiu ao acusar Israel pelo sucedido. "Os pilotos israelitas, ocultando-se atrás do avião russo, colocaram-no sob o fogo da defesa antiaérea síria", acusou o ministério russo..O ataque israelita à base militar síria foi reconhecido por Telavive. Num raro comunicado, o Exército explicou que os aviões atacaram um local no qual estavam depositadas armas que iriam ser entregues ao movimento xiita libanês Hezbollah.."Israel mantém que o regime de Assad, cujo Exército abateu a aeronave russa, é totalmente responsável por estes incidentes", declarou o Exército, que expressou "tristeza" pelos mortos russos e recusou a ideia de que os aviões israelitas se tenham escondido atrás do Ilyushin..O ataque deixou ainda dois mortos e dez feridos, incluindo soldados sírios, segundo o Observatório Sírio dos Direitos Humanos.."Série de trágicas circunstâncias".Num tom mais comedido, o presidente russo, Vladimir Putin, mencionou "uma série de trágicas circunstâncias acidentais". Ao telefone com o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, Putin lembrou que Israel violou a soberania síria e pediu para que estas situações não aconteçam de novo, informou o Kremlin..No entanto, Netanyahu disse que Israel vai continuar a agir contra o Irão e os seus interesses. Nos últimos meses, Israel tem intensificado os ataques na Síria, sobretudo contra os iranianos. Até agora, Moscovo e Telavive tinham conseguido conciliar os interesses contraditórios no terreno..França também implicada.Moscovo apontou também as culpas para cima de Paris, mas não através de meios oficiais. "A fragata da marinha francesa Auvergne não deu a melhor contribuição para a situação no ar. Criou dificuldades adicionais para as equipas de defesa aérea da Síria", disse o perito militar Mikhail Khodaryonok à agência russa Tass.."Ao lançar mísseis de cruzeiro, a fragata da Marinha francesa só complicou a situação naquela parte do mar Mediterrâneo, que já é complicada. É por isso que o acidente com a aeronave russa Il-20 é parcialmente culpa da França", concluiu..As forças armadas francesas negaram ter disparado mísseis. A resposta mais contundente veio de Washington, onde o embaixador francês, Gerard Araud, escreveu: "A máquina de fake news está a ficar louca. Acusam França de ter abatido um avião russo (na verdade vítima de fogo 'amigo' sírio).".Catástrofe evitada.No final de agosto, o secretário-geral da ONU, António Guterres, alertou para a iminência de uma "catástrofe humana" caso a província de Idlib se transforme num cenário de guerra total. Uma ideia que repetiu nos dias seguintes..Os sinais de que Damasco e os seus aliados se preparavam para um assalto àquela província com três milhões de habitantes (tinha metade antes do conflito), o maior bastião de grupos anti-Assad, estavam a multiplicar-se. O ministro dos Negócios Estrangeiros Sergei Lavrov preparava terreno: "Idlib é a último grande reduto de terroristas que tentam apostar no estatuto de zona de estabilização, tomar civis como escudos humanos e colocar as formações armadas prontas para as negociações com o governo sírio de joelhos. Portanto, de todos os pontos de vista, esse abcesso purulento tem de ser liquidado.".Ao mesmo tempo, a Rússia movimentou dez navios de guerra e dois submarinos para o Mediterrâneo - a maior presença naval na região desde o dia em que Moscovo decidiu entrar na guerra..No dia 7, Hassan Rouhani recebeu em Teerão Vladimir Putin e Recep Tayyip Erdogan, com o presidente turco a fazer pressão para se anunciar um cessar-fogo e evitar a todo o custo a escalada total. "Qualquer ataque lançado ou a ser lançado em Idlib resultará num desastre, num massacre e numa grande tragédia humana", disse. A Turquia, que recebeu 3,5 milhões de refugiados sírios, teme uma nova onda de deslocados..Se o líder iraniano também mostrou empatia pelo destino dos civis, ao dizer que a guerra deve poupá-los, afirmou por outro lado que a ação militar na Síria deve continuar até que todos os extremistas sejam "extirpados"..Já o presidente russo mostrou-se em desacordo total com o homólogo turco. Disse que não fazia sentido decidir sobre uma trégua uma vez que os rebeldes não estavam presentes à mesa. Para Putin, o governo sírio "tem o direito e deve assumir por fim o controlo de todo o território nacional"..Para salvar a face da reunião, uma declaração final conjunta informou, sem pormenores, que os três países concordaram em procurar formas de resolver a situação na província..Acordo surpreendente.Quando o pior dos cenários se preparava para se tornar realidade, um encontro a dois na segunda-feira entre os homens fortes da Rússia e da Turquia, em Sochi, acabou em acordo: Damasco e os seus aliados comprometem-se a não avançar e em troca é criada até 15 de outubro uma zona desmilitarizada de 15 a 20 quilómetros de extensão, da qual os radicais têm de se retirar e que servirá de tampão entre os territórios dominados pelos rebeldes e as forças pró-governamentais..Por outro lado, Ancara vai enviar mais militares para a província. A Turquia tem 12 postos militares na Síria. Damasco não se opôs ao acordo, mas prometeu continuar os seus esforços para recuperar "cada centímetro" da Síria. Já o Irão elogiou a "diplomacia responsável" por ter evitado uma nova frente de guerra..O acordo russo-turco para evitar a ofensiva vai agora depender da forma como os combatentes anti-Assad - a ONU estima que só a Al-Nusra tem dez mil - vão responder..Ancara comprometeu-se em outubro do ano passado em isolar os "grupos terroristas" dos chamados "rebeldes moderados", mas sem resultados práticos até hoje. E agora, num curto espaço de tempo, há que convencer os jihadistas a recuar..Em Sochi, Putin não especificou como os grupos terroristas seriam convencidos a cooperar nem qual o seu destino na região..A força mais poderosa no território é a Tahrir al-Sham, que se formou a partir de outros grupos islamistas, no qual pontifica a Frente Al-Nusra, com ligações à Al-Qaeda..Turquia comprou tempo.À Reuters, o analista militar turco Metin Gurcan mostrou-se cético. "Devo dizer que é uma possibilidade muito, muito pequena", tendo acrescentado que os jihadistas só são persuadidos pelas demonstrações de força e não pelo diálogo..Outro turco, o antigo diplomata Sinan Ulgen, acredita que a estratégia da Turquia seja dividir para governar. "O principal problema - ressalva - é que os combatentes estrangeiros não têm para onde ir.".Apesar de rotulado de grupo terrorista por Ancara, a perspetiva de um acordo entre a Tahrir al-Sham e o governo turco não é visto como impossível. Uma fonte dos jihadistas disse à Reuters que havia divisões sobre se deveriam cooperar..O outro grande grupo jihadista luta sob a bandeira do Exército Sírio Livre. Com o apoio turco, estão agora reunidos com a designação Frente Nacional pela Libertação.."Ancara comprou um mês e a Rússia deu esse prazo. No entanto, Moscovo vai fazê-lo pela última vez. Como é que Ancara vai usar esse período?", questiona o ex-diplomata Gurcan sobre o acordo-surpresa.