O amor de Miguel e Simone contado em esculturas de papel
E vocês, já alguma vez estiveram apaixonados? Os miúdos dão risinhos envergonhados. Uns dizem um pronto não, outros dizem que sim, que já se apaixonaram. Pelo João. Pela Ana. Pela minha prima. Pela minha mãe. O amor é um sentimento pouco definido quando se tem quatro anos, foi o que descobriu a bailarina Ainhoa Vidal quando, durante a criação do espetáculo Asas de Papel, trabalhou intensamente com crianças dos três aos cinco anos. "Nesta idade podemos apaixonar-nos pelos nossos amigos, a paixão pode começar por ser amizade", concluiu. E é também isso que acontece a Simone e Miguel, os protagonistas de Asas de Papel.
O espetáculo para os mais novos que se estreia este sábado no Teatro São Luiz, em Lisboa, teve três pontos de partida muito distintos. Por um lado, Ainhoa queria muito trabalhar com as esculturas de papel em forma de livro. "Queria fazer um espetáculo que tivesse esta fragilidade, estas esculturas delicadas" como cenário. Depois, sabia que queria "construir um espetáculo a partir da imaginação das crianças. Dos 3 aos 5 anos, os miúdos "têm uma grande imaginação, então comecei a trabalhar nas escolas a partir da ideia de livros e a partir de uma única coisa que eu sabia na história: que havia uma casa que explodia." Essa explosão foi um ponto de partida que, na verdade, era um ponto de chegada. Foi preciso trabalhar muito até chegar à casa que explodia.
"Comecei a fazer perguntas às crianças, elas respondiam, depois eu ia para casa pensar e voltava com novas ideias que debatia com eles", conta Ainhoa. O processo começou em outubro na escola do Santo Condestável, e continuou de janeiro a março no Jardim Infantil Pestalozzi. "É tudo deles. A história toda. Os nomes das personagens, o cavalo, a separação, a semente de jacarandá, o Miguel ser escritor. Todas as ideias da história vieram das crianças."
"Eles tinham muitas ideias e eu tinha que ir escolhendo aquelas que mais me interessavam como criadora", explica Ainhoa Vidal. Até chegar à casa que explodia houve muito trabalho. "O básico é uma bomba. Até que se começam a filtrar os pensamentos deles e começam a ser mais estranhos, menos televisivos. A sua capacidade de tornar o imaginário em real é fantástico. Eles vivem aquilo que dizem e para eles é possível que uma casa voe como os pássaros."
Ainhoa ia trabalhando essas ideias. "Há muito, muito tempo havia um cavalo." E lá vai ela trotando pela sala, com uma cabeça de cavalo feita em papel, por entre as crianças. Havia um menino chamado Miguel e havia uma menina chamada Simone, eram amigos e andavam juntos no cavalo. "Este é o momento em que tudo saltou, tudo voou, tudo desapareceu. Há muito, muito tempo havia uma casa."
Ao mesmo tempo que trabalhava as ideias da história, essas ideias iam sendo desenvolvidas em papel por Carla Martínez e Ángel Ruiz Orozco, que iam criando o cavalo, a casa de Miguel, o prédio na cidade, o escritório onde ele trabalhava. Tudo feito em ponto pequeno mas com mil cuidados. Casas com luzes que acendem. Árvores com maçãs que é possível apanhar para comer. Pequenas esculturas que trazem uma magia enorme a este Asas de Papel. E também aqui o processo foi acompanhado pelas crianças das escolas, que iam dando pistas e colaborando.
A história de Miguel e Simone, os dois amigos que crescem e se apaixonam, que se separam e depois de juntam, é contada por Ainhoa Vidal com a ajuda destas esculturas, do músico Pedro Gonçalves e do seu piano de brincar, e de muita imaginação. As crianças (e os familiares que com elas foram ao teatro) não têm lugar sentado. Podem seguir Ainhoa do quarto para a sala, para a cozinha e para o hall. Podem trazer uma semente de jacarandá presa no sapato e deixá-la cair por entre as frinchas do soalho. Podem ver a árvore crescer por todo os lados, com os ramos a saírem pela janela, até um dia a casa... explodir.
Asas de papel
De Ainhoa Vidal
A partir dos 3 anos
Teatro São Luiz, Lisboa, de 9 a 17
3 euro (crianças) /7 euro (adultos)