O nome de Richard Osman era desconhecido da quase totalidade dos portugueses, mas essa "falha" está a desaparecer a cada dia que passa. Afinal, o seu primeiro livro, O Clube do Crime das Quintas-Feiras, chegou há poucos dias às nossas livrarias e já atingiu o primeiro lugar das vendas. Não é situação única, em Inglaterra aconteceu o mesmo, tendo vendido mais de milhão e meio de exemplares nas semanas após o lançamento. O policial, em que os quatro protagonistas são idosos e vivem num lar, tem muito humor e ação e até foi considerado um sucesso como o de Harry Potter. Mas não é J.K. Rowling a senhora com que Osman é comparado, antes à Dama do Crime, a célebre escritora Agatha Christie. Quem lê este livro sente grandes vibrações de Miss Marple, até de Hercule Poirot, uma situação que o marketing editorial imediatamente aproveitou. O autor não se importa com a comparação, afinal considera-a a melhor escritora de policiais de sempre e no Twitter pode ler-se esta sua afirmação sobre O Clube do Crime das Quintas-Feiras: "Soa de forma muito suspeita aos livros de Agatha Christie"..O primeiro livro de Richard Osman surpreendeu também os leitores ingleses, mais acostumados a vê-lo no pequeno ecrã do que nas estantes das livrarias. É produtor e apresentador de vários programas há vários anos, o que lhe terá facilitado o início de uma carreira de sucesso, com números das vendas excecionalmente altos até para o seu país e com bastantes traduções em curso. Após este primeiro sucesso não perdeu o embalo e durante o confinamento devido à pandemia já escreveu a continuação, O Homem que Morreu Duas Vezes. "Quem sobrevive ao primeiro livro, regressa sempre!", diz..Não nega que a sua profissão, até agora principal, tenha facilitado a escrita de um livro que mantém os leitores em suspense do princípio ao fim. É essa a obrigação de um produtor, considera. Agora, dividido entre a produção e apresentação na televisão britânica, não prevê tornar-se apenas autor. No entanto, garante "nunca tive tanto orgulho na vida como de ter sido capaz de escrever este livro!" A receita está em colocar quatro protagonistas que rondam os oitenta anos como detetives que utilizam todos os recursos aprendidos ao longo da vida para resolver um crime que acontece sob os seus olhos. Acrescenta uma boa pitada de humor, recupera o cenário de um lar onde a mãe vive, e mostra que o crime - ou a sua investigação - não tem idade. É o que Elizabeth, Joyce, Ibrahim e Ron provam neste policial bem divertido, que também se tornou um sucesso em Portugal..Este livro foi um sucesso tão grande que já tem pronta uma continuação. Esperava por isto?.Não, tinha esperança de que as pessoas gostassem do livro e se assim fosse a editora quisesse um segundo livro, mas não esperava que se vendessem tantos exemplares... foi uma grande surpresa, porque adoro os personagens, idosos armados em detetives, que me entusiasmam com o que posso fazer com eles..Creio que prefere escrever sobre pessoas mais velhas. Como é que entra nesse mundo muito próprio que é o delas?.Não foi difícil, pois qualquer que seja a idade que tivermos o nosso cérebro permanece sempre vinte ou trinta anos mais novo. Percebi isso através da minha mãe, que se sente como se tivesse 35 anos e não os 79 que tem. Se quanto mais velho se fica mais problemas de saúde se tem a nível físico, contudo o espírito aventureiro permanece e deseja-se fazer novos amigos e viver coisas diferentes. No entanto, a sociedade trata essas pessoas de maneira diferente, como que se esquecendo deles. Escrever sobre os mais idosos faz com que deixem de ser tão invisíveis..Escrever sobre este grupo de personagens foi uma escolha natural?.Sim, mesmo correndo o risco de ter de saber como as pessoas de idade pensam. Como acho que sempre raciocinei como eles, a estrutura dos personagens veio ter comigo de uma forma muito natural..Não precisou de fazer alguma investigação para os construir desta forma?.Volto à minha mãe, que vive num centro comunitário para idosos; foi a sua situação que me inspirou para escrever o livro. Eu vou vê-la, falo com ela e com os amigos, e foi assim que formei as minhas personagens. Creio que se escrevesse sobre pessoas mais jovens, seria deste modo também porque, afinal, não somos assim tão diferentes uns dos outros..Pode dizer-se que a criação deste livro se deve à sua mãe?.Sim, eu visitava-a e pensei que aquele lar lembrava uma daquelas povoações em que Agatha Christie situava os seus livros. Isso fez-me pensar: e se alguém fosse assassinado aqui? Enquanto conversava com os idosos que lá viviam e ouvia as suas vidas interessantes, a história foi-se montando, com eles a resolverem o caso que criava. Foi assim que tudo nasceu..Está sempre a ser comparado a Agatha Christie. Essa situação incomoda-o?.É verdade, essa comparação está sempre a aparecer. Mas, por outro lado, na literatura as comparações surgem sempre e prefiro que seja com ela, porque é a melhor romancista de todos os tempos ao nível do policial. Isso agrada-me bastante, pois se tiver de ser comparado que seja com ela, que teve muito sucesso com o que escreveu..Qual é a sua história preferida de Agatha Christie?.O Convite Para A Morte (And Then There Was None). Passa-se numa ilha, para que todos os personagens são convidados e durante a estada vão morrendo uns atrás dos outros..A sua história tem mais parecenças com as que são protagonizadas por Miss Marple, uma idosa demasiado curiosa?.Eu nunca tinha pensado nessa situação, só mesmo depois de o livro estar pronto é que quem o leu notou essa parecença. Enquanto escrevia nunca reparei em qualquer semelhança, o que queria era ser capaz de acabar um livro em que desejava retratar a nossa sociedade e as atitudes das pessoas. Portanto, nada mais me importava, nem a Agatha Christie, mas poder descrever o mal terrível de um assassinato e os segredos à sua volta. Era sobre esse tema que eu queria escrever..Então não se importa que o marketing em torno do seu livro refira sempre a escritora?.Nem por isso, penso que qualquer coisa que encoraje os leitores a pegarem num livro é importante. Já percebi que está a acontecer em todos os países do mundo uma realidade, de que só se vendem os livros que foram recomendados pelos amigos aos leitores, daí que todas as situações que beneficiem a venda de livros sejam boas. Até porque não se entra em nenhum Top de vendas se a maioria dos leitores de cada país não ler esse livro. Não se pode desperdiçar o conselho dos amigos para se ser mais lido e, se nesse alerta está a referência a Agatha Christie, não existe um problema para mim. Depois logo se vê o que acontece ao livro, o que no meu caso está a ser um percurso muito bom em vários países..A última pergunta com Agatha Christie. O que diria a escritora deste seu livro?.Ó meu Deus, essa é uma pergunta complicada. Primeiro, nem imagino o que seria saber que ela estava a ler o meu livro. Segundo, acho que iria gostar, até porque perceberia o quanto seria difícil estar a fazer um livro como ela era capaz. Eu queria escrever um livro que explicasse um pouco do mundo em que vivemos através de um policial, em que ao longo da narrativa os leitores rissem e chorassem, além de haver um mistério para resolver. E o livro, acho, tem essas situações todas..É o seu primeiro romance. Como foi encontrar o registo e montar a história que desejava?.Foi muito difícil. O momento do arranque de um livro é muito complexo e exige muita disciplina pois demora a encontrar o modo de o fazer. Enquanto escrevia, muitas vezes considerava que estava péssimo e que ninguém quereria ler aquilo. Perdemos a confiança frequentemente, mas se não aproveitarmos o embalo nunca mais terminamos a escrita, portanto sentava-me e escrevia mil palavras diárias, dia após dia. É como ir ao ginásio! Com a certeza de que se escrevesse um livro que não conseguisse ler, então ninguém o iria comprar também. Quis provar a mim mesmo que seria capaz de o fazer e esse é o espírito necessário..Qual foi a maior dificuldade que encontrou?.O maior problema era encontrar o tom da narrativa, não o chegar ao fim. E agora, ao deparar-me com estas vendas muitos boas, as traduções por todo o mundo, confirmo que aquele meu sonho estranho de escrever um livro se realizou..Tem o benefício de ser produtor, apresentador e autor de textos, em programas de televisão. Essa experiência facilitou a tarefa de captar a atenção contínua dos leitores? .Creio que sim, mesmo que esta fosse uma intenção de há muito tempo. Um produtor televisivo está sempre preocupado que o espetador mude de canal e por essa razão é obrigado a criar o programa de forma a atraí-lo o tempo inteiro. Foi a minha tentativa, escrevendo capítulos curtos e com ação o tempo inteiro, fazendo com que os leitores se divertissem. Ou seja, eu não aceitava que interrompessem a leitura e o fizessem capítulo após capítulo, isso era muito importante para mim. Ninguém lê livros aborrecidos, esse é o maior crime que se pode fazer aos leitores. Portanto, o meu desejo era nunca aborrecer as pessoas, mas mantê-las entusiasmadas e isso aprende-se muito a fazer televisão..A conceção de um livro é muito diferente da de um programa de televisão. Como encontrou o seu próprio estilo?.É verdade que são coisas muito diferentes daquilo que habitualmente produzo. No entanto, sou um grande leitor de policiais e queria encontrar no primeiro livro a minha voz, o que não é fácil. Enquanto escrevia, sentia que não era parecido com o que já tinha lido. A razão poderia ser uma de duas: não prestar ou ter a minha voz. Ao fim de muitos anos de leitura, de desejar escrever um livro, de tentar encontrar o registo certo para os personagens, este era um projeto que já estava a meio do meu caminho. O que faltava era sentar-me todos os dias a escrevê-lo e depois logo se veria..Uma das frases que elogiam o livro pertence a Val McDermid, uma ótima autora deste género. Essa opinião foi positiva?.Gosto muito dela, do que escreve, e esse comentário foi muito bom para mim..Como foi balancear tudo o que está no livro: mistério, drama, humor?.Não foi difícil fazê-lo, porque queria que toda a narrativa tivesse origem nos personagens. Eles não são cinzentos nem pouco definidos, portanto a história ia crescendo em função deles. O humor era fácil de aparecer, mesmo que se pense que os idosos nem sempre são divertidos ou apesar de lhes acontecerem situações pouco agradáveis. Posso dizer que escrevi aquilo que gostaria de ler, um argumento e um mistério à medida de fazer o leitor chorar devido à forma como olham o mundo, mas fazer rir também pelo mesmo motivo..São quatro os protagonistas....... sim, quatro, que veem o mundo de formas muito diferentes e com humores diversos. Cada vez que eu queria alterar a situação ou a sua disposição, o que fazia era dar início a um novo capítulo e dar voz a outro personagem..Tem alguma preferência entre os quatro protagonistas ou todos são do seu agrado?.A maior parte da narrativa cabe a Joyce liderar, sob a forma de um diário, e reparei que a minha forma de ser é muito parecida com a dela. Portanto, para mim, foi a personagem mais fácil de desenvolver. Ela fazia-me rir também, tendo-se tornado a que estava mais próxima de mim e, porque não confessar, à imagem da minha mãe..Não deixa de colocar um motorista português no livro... .É verdade, lembrei-me dele porque uma amiga é casada com um português..Todas as personagens vivem bem e gostam do lar onde vivem. Se fossem pobres, seria mais difícil escrever o livro?.Com certeza, mesmo que dois deles, Joyce e Ron, venham de situações menos confortáveis. Esse é um mundo que eu conheço bem, aquele em que não se tem dinheiro, mas no segundo livro essa realidade aparece de uma forma mais concreta. Gosto de misturar as vidas das pessoas na narrativa, umas vindas de camadas mais pobres, outras que sempre viveram sem dificuldades financeiras. Na Inglaterra houve sempre a questão das classes e da riqueza, e eu gosto de explorar as possibilidades literárias de quem veio das classes trabalhadoras e dos que vêm das classes médias..Sempre quis escrever um livro, mas não se ficou pela primeira experiência. Também sofreu a angústia do segundo livro após um grande sucesso?.Não, já acabei o segundo, que é uma continuação deste. Foi mais uma vez uma ótima experiência, que animou o meu confinamento durante a pandemia. Deu-me a hipótese de criar uma rotina que facilitou o estar fechado. Eu aprendi muito a escrever o primeiro, já tinha os personagens de que precisava, sabia como eles reagiam aos imprevistos, portanto era mais fácil escrever este segundo livro. Não foi nenhuma angústia!.Citaçãocitacao"O confinamento foi-me muito útil porque tive tempo para me dedicar à escrita. Ao estar mais livre de compromissos, escrevi com outra disponibilidade.".Pode deduzir-se que a pandemia não lhe estragou a vida?.De uma certa maneira foi um tempo mau para toda a gente, mas o confinamento foi-me muito útil porque tive tempo para me dedicar à escrita. Ao estar mais livre de compromissos, escrevi com outra disponibilidade..Vai abandonar a sua profissão após este sucesso do livro ou dividirá o tempo entre ambas?.Eu ainda adoro apresentar programas de televisão, tal como gosto bastante de escrever. Creio que terei de conviver com as duas situações pelos próximos tempos, dez ou quinze anos pelo menos..Após escrever-se um policial com um crime perfeito, o autor fica habilitado a cometer situações semelhantes?.Um escritor de policiais necessita de uma imaginação muito fértil para cumprir o objetivo de realizar um assassinato perfeito. Voltemos a Agatha Christie; ela tinha uma grande capacidade para elaborar as suas histórias com crimes quase perfeitos, mas apesar de parecerem inatacáveis há sempre uma falha. A maioria dos escritores de policiais são muito bons a fazer essas histórias, mas tenho a certeza de que no fim todos os criminosos acabam por serem apanhados..Richard Osman.Editora Planeta.383 páginas