Neto de Moura: quem disse o quê que desagradou ao juiz?
O juiz desembargador Neto de Moura vai processar deputados, humoristas, jornalistas e comentadores por ofensa à honra, pelas críticas às suas decisões sobre violência doméstica.
Segundo o jornal Expresso deste sábado, Ricardo Araújo Pereira, Joana Amaral Dias ou Bruno Nogueira serão os primeiros a ser processados. Mas o que disseram eles?
A 10 de fevereiro, no programa "Gente que não sabe estar", da TVI, Ricardo Araújo Pereira falou da decisão do Conselho Superior de Magistratura de fazer uma advertência a Neto de Moura: "o que diminuiu a pena de dois homens que espancaram uma mulher da qual eram respetivamente o marido e o amante" invocando a Bíblia.
"A única situação em que uma advertência destas faria sentido é se for enrolada, enfiada no rabo do juiz. Pode parecer chocante, o juiz Neto de Moura se calhar discorda, mas há um precedente bíblico para isto. Em Levítico 3:17, o Senhor disse a Moisés: e enrolarás a advertência e enfiá-la-ás no rabo do juiz iníquo e ele permanecerá com ela enfiada sete dias e sete noites... ou até começar a gostar", disse.
No programa, o humorista convida depois "um sacana de um puto" e pergunta-lhe se conhece alguma circunstância em que seja decente um homem bater numa mulher - o "puto", Francisco, responde que "não".
A deputada do Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua, escreveu no Twitter a 25 de fevereiro (numa mensagem que entretanto destacou no início do seu feed nesta rede social): "A presença de Neto Moura nos tribunais portugueses é uma ameaça à segurança das mulheres", partilhando um artigo sobre uma das decisões do juiz.
Este sábado, Mortágua partilhou outro artigo com as declarações da líder do partido, Catarina Martins, acrescentando. "Um juiz machista que coloca em causa a segurança das mulheres não deixa de ser um juiz machista que coloca em causa a segurança das mulheres só porque se ofende que digam que é um juiz machista que coloca em causa a segurança das mulheres".
A ex-deputada Joana Amaral Dias, comentadora da CMTV, não escreveu uma, mas pelo menos duas vezes sobre o juiz Neto de Moura no Facebook.
A 25 de fevereiro escreveu: "Este juiz tem que ir para a rua. E é já. Neto de Moura, autor do célebre acórdão sobre o apedrejamento de mulheres adúlteras, voltou a pronunciar-se sobre violência doméstica. Num acórdão sobre um homem que rebentou um tímpano à mulher ao soco, retirou ao agressor a pulseira electrónica que os colegas de primeira instância lhe tinham aplicado para garantirem que não se voltava a aproximar da vítima, depois de o terem condenado a uma pena suspensa. Este magistrado do tribunal da Relação do Porto é um perigo para a segura pública."
No dia seguinte, a 26 de fevereiro, partilhou um vídeo do seu comentário na CMTV: "Neto Moura não pode continuar a ser juiz. Quem confunde as suas convicções pessoais com Justiça não tem, evidentemente, condições para aplicar o poder que possui. Portugal tem um grave problema de Violência Doméstica e de Violência Contra as Mulheres. Entre as várias causas que subjazem a esta epidemia criminosa está a falta de formação dos diferentes agentes envolvidos, nomeadamente, no que às decisões judiciais diz respeito. Sucede que o caso de Neto Moura que, com esta sua última deliberação, voltou a colocar em perigo a vida de uma mulher, passa o aceitável e o imaginável. Nenhum Magistrado pode viver acima da Lei."
A voz da rubrica da TSF é a de Bruno Nogueira, mas os textos são de João Quadros. O episódio de 27 de fevereiro intitulava-se, precisamente, Neto de Moura e filho de coiso. Nele, o juiz é apelidado de "australopiteco de toga", com Bruno Nogueira a dizer que ele "não toma decisões, atira pedras às vítimas".
E continua: "com a dificuldade própria de quem não tem o polegar oponível, Neto de Moura escreve o seguinte no seu acórdão" pedindo "vários sacos de vómito" para poder citar o juiz. "Este caso de maus tratos está longe de ser dos mais graves que surgem nos tribunais", cita, passando a descrever o caso em que as agressões terminaram com a perfuração do tímpano da mulher.
"Como é que um animal irracional de um juiz destes anda à solta num tribunal. Ele precisa não é de uma pulseira. É de uma coleira e de uma trela e um açaime, já agora. Ele descreve o que parece ser um combate de boxe em que uma mulher faz de saco, como se não fosse nada de especial, escorregou e foi 30 vezes contra o punho do marido. O Neto de Moura acha que este caso não é dos mais graves de violência doméstica e tem razão, porque normalmente quando os tribunais agem, a vítima já não respira vai para uns meses". E acrescenta: "Estamos perante um abjeto bem identificado com a aparência de um juiz."
Bruno Nogueira reagiu no Instagram à notícia do alegado processo. "Reagirei em sede própria. Segunda-feira às 9.20, no Tubo de Ensaio, na TSF", escreveu.
Já João Quadros partilhou várias mensagens no Twitter, começando logo com um "E eu? Escrevi o texto, também quero", depois de o seu nome não surgir no artigo do Expresso.
"Estamos mesmo arrependidos de só ter feito este. Para a semana fazemos mais", diz noutra mensagem.
"Homem de toga agredido por tubo de ensaio resulta em mais trauma que mulher moderna que leva com pau com pregos. Ou seja o juiz afinal é sensível aos mais fracos", lê-se noutra mensagem.
A jornalista do Diário de Notícias escreveu uma crónica para a TSF intitulada "Aos déspotas de toga", na qual se referia ao juiz Neto de Moura e a advertência que recebeu do órgão disciplinar dos juízes. "É a pena mais leve do cardápio. Pouco para alguém que renitentemente usou o seu poder de juiz para humilhar, insultar e vitimizar vítimas, de forma claramente sexista e, portanto discriminatória".
"Neto de Moura vai continuar, apesar deste comportamento intolerável, a ter o poder do qual tão claramente abusou. Porque um juiz que se crê acima da lei e da Constituição não é um juiz; é um déspota de toga", acrescentou. "Porque um juiz que acha que as mulheres são menos que os homens, que os homens têm o direito de as considerar propriedade, de as castigar por quererem ser livres e de ainda as culpar por isso não devia ser juiz", referiu.
Mas não era a primeira vez que escrevia sobre o juiz, como lembrou hoje no seu Twitter, partilhando um artigo de opinião no Diário de Notícias de 30 de outubro de 2017 intitulado "O linchamento do juiz Neto de Moura" e dizendo que era "para ajudar a equipa do advogado de Neto de Moura".
"(...) apesar de não ter uma boa opinião da justiça portuguesa, tinha-a mesmo assim bem melhor que aquela que ela provou merecer. E sucede que, desde a notícia inicial, essa opinião tem vindo sempre a piorar. Primeiro porque se soube que o relator daquele acórdão, o homem que escreveu as linhas que não acreditei poderem vir da pena de um juiz português em 2017, já tinha lavrado, ao longo dos anos, vários semelhantes, sem que disso houvesse notícia, escândalo, recurso, seja o que for", escreveu na altura em que vieram a público os primeiros acórdãos polémicos.
No Twitter, Fernanda Câncio também reagiu à eventualidade de ser processada pelo juiz. "Tenho uma ideia para o juiz Neto de Moura: era fazer uma lista de quem não disse mal dele. Tenho a certeza que há alguém. Pelo menos a família e a associação sindical dos juízes. E processa todo o resto do país. É pedir as listas de eleitores e vai por ali fora."
O humorista será outro dos alvos de Neto de Moura, segundo o jornal Público. Diogo Batáguas tem um canal no YouTube e o seu último vídeo, publicado a 28 de fevereiro, é precisamente sobre o juiz. Nele, faz um apelo à criação da hashtag #Netodemouraécorno.
"As coisas que ele diz seriam absolutamente hilariantes se estivessem inseridas num sketch cómico", afirma.
"Tenho a impressão que esta fixação pela punição da mulher adúltera e pelo atenuar de penas de cornudos tem uma origem muito pessoal. Desconfio que em determinada altura da sua vida, Neto de Moura foi corno, mas corno muito corno", refere Batáguas, que também apelida o juiz do "santo protetor do agressor" e de "banana".
No Twitter, logo no dia 28, tinha escrito: "Já alguma vez um juiz em Portugal processou um comediante?". Já este sábado, escreveu: "Enganei-me...eu queria dizer Beto de Moura, que é um amigo meu alentejano que odeia mulheres. Nem sequer sei quem é esse senhor que anda a processar toda a gente."