Depois de ter dito, a 29 de maio, que não o faria, depois de um adiamento, Robert Mueller vai nesta quarta-feira ao Congresso norte-americano falar sobre a investigação especial que conduziu acerca das interferências russas na campanha para as eleições presidenciais de 2016 nos EUA e o eventual conluio entre os russos e Donald Trump, bem como uma eventual tentativa de obstrução à justiça por parte do republicano que venceu essas eleições e é hoje presidente dos EUA..Numa carta, com a data de segunda-feira, 22 de julho, o Departamento de Justiça norte-americano pediu ao ex-procurador especial que limite o seu testemunho no Congresso ao relatório - de 448 páginas - que já foi publicado sobre aquela questão. Mueller, de 74 anos, é instado a não avançar com novos detalhes sobre a sua investigação. A carta enviada ao procurador especial está assinada pelo procurador-geral adjunto dos EUA Bradley Weinsheimer. .O presidente Trump, que por várias vezes reiterou que "não houve conluio" e que "não houve obstrução", começou por dizer aos jornalistas na Casa Branca que talvez assistisse um bocadinho à audiência de Mueller. Mas depois mudou de ideias. "Não vou ver o Mueller porque não é possível ir a todas. Não houve conluio. Nem obstrução. Não houve nada." E tal como o presidente norte-americano, segundo uma sondagem da Ipsos para a Reuters, só 18% dos eleitores republicanos é que planeiam assistir, através da televisão norte-americana, à intervenção de Mueller..Esta começa às 08.30, ou seja, às 13.30 de Lisboa. O procurador especial testemunhará durante três horas perante a comissão de Assuntos Jurídicos e depois, a partir do meio-dia, ou seja, 17.00 em Lisboa, na comissão de Informações. Num total de 235 democratas na Câmara dos Representantes, há agora 89, pelo menos, que são favoráveis ao impeachment de Trump. Conta a Reuters. Mas segundo a rádio NPR esse número terá subido já para os 93. Os outros esperam para ver o que diz Mueller e se, porventura, houver revelações que permitam envolver o presidente, se os eleitores norte-americanos estariam ao seu lado num eventual processo de destituição. Nancy Pelosi, a líder da Câmara dos Representantes, que desde novembro é dominada pelos democratas, alertou desde logo que um tal passo pode revelar-se fator de divisão no partido da oposição numa altura em que Trump já lançou a campanha para a sua reeleição em 2020.."Não podemos deixar de enfatizar que esta é a primeira oportunidade que muitos americanos têm de ouvir o que está no relatório Mueller. Acho que não devemos esperar um momento explosivo em que [Mueller] vai acrescentar algo que não tenha sido tratado já no âmbito da investigação. Mas o conteúdo do relatório é, já em si, condenatório e explosivo", declarou o representante David Cicilline, democrata eleito por Rhode Island, citado pelo Guardian. Cicilline é um dos membros da comissão de Assuntos Jurídicos no Congresso dos EUA..O que disse o procurador-geral dos EUA sobre o relatório da investigação às interferências da Rússia? Num correio eletrónico de quatro páginas enviado ao Congresso a 24 de março, o procurador-geral dos EUA informou que as conclusões que extraiu do relatório de Robert Mueller e da sua equipa constituem uma vitória para a imagem de Trump. Este queixa-se, desde o início da investigação, de estar a ser vítima de uma caça às bruxas. "As investigações do procurador especial não determinaram que a equipa da campanha eleitoral de Trump ou qualquer pessoa a ela associada se tenha entendido ou coordenado com a Rússia nos seus esforços para influenciar a eleição presidencial norte-americana de 2016", escreveu William Barr na missiva que depois foi divulgada pelos media..No mês seguinte, a 18 de abril, Barr apresentou o relatório Mueller, com várias partes censuradas. Primeiro à imprensa. E as advogados de Trump. E só depois enviou o relatório para o Congresso norte-americano. Este foi, igualmente, colocado online. O documento, de 448 páginas, divididas por dois volumes, é o resultado de 22 meses de investigações. "O governo russo patrocinou esforços para interferir nas eleições presidenciais de 2016 nos EUA, mas não contou com a campanha de Trump ou de outros americanos para apoiar esses esforços", disse Barr na altura.. Clique aqui para ver as partes do relatório Mueller que estão censuradas .O relatório concluiu que Trump, ainda candidato à Casa Branca, usou por várias vezes as revelações da WikiLeaks em relação à campanha da adversária, Hillary Clinton, tendo publicado 11 tweets sobre a WikiLeaks e outros três sobre Assange desde julho de 2016. Essa foi a altura em que a WikiLeaks começou a divulgar os e-mails roubados aos democratas. Em comícios, o candidato dos republicanos à presidência chegou a dizer "Adoro a WikiLeaks" e ainda "Rússia, se me estás a ouvir, espero que consigas encontrar os 30 mil e-mails que ainda estão desaparecidos".."Depois de a WikiLeaks ter divulgado e-mails politicamente comprometedores para o Partido Democrata, roubados pela Rússia, Trump expressou, publicamente, ceticismo em relação à responsabilidade da Rússia. Mas, em privado, ele e outros responsáveis da sua campanha procuraram obter informações [censurado] sobre as filtrações planeadas pela WikiLeaks. Emmarço de 2016, o GRU [secreta russa] começou a piratear as contas de e-mail dos assistentes de Hillary Clinton e voluntários de campanha, incluindo o do seu diretor de campanha John Podesta. Em abril de 2016, o GRU pirateou a rede de computadores do Comité Nacional Democrata (DNC) e do Comité de Campanha Democrata do Congresso. O GRU roubou milhares de documentos de e-mails e contas comprometidas. Em meados de junho de 2016, quando o DNC denunciou os russos, o GRU começou a disseminar os materiais roubados através das contas fictícias online DCLeaks e Guccifer 2.0. O GRU passou depois o material à organização WikiLeaks", diz o relatório, explicando como tudo começou.."Numa tentativa de expandir a sua interferência nas eleições presidenciais de 2016 nos EUA, o GRU transferiu muitos dos documentos que roubou do DNC [Comité Nacional Democrata] e do presidente da campanha de Clinton para a WikiLeaks. Agentes do GRU usaram personagens como DCLeaks e Guccifer 2.0 para comunicar com a WikiLeaks através do Twitter, por mensagens privadas e por canais encriptados, incluindo através do sistema de comunicações privadas usado pela WikiLeaks", lê-se no relatório Mueller, na parte relativa ao uso da WikiLeaks..O cofundador desta organização, Julian Assange, é alvo de um pedido de extradição para os EUA. O australiano é formalmente acusado nos EUA de associação criminosa com vista a cometer "pirataria informática", punível com uma pena máxima de cinco anos de prisão, segundo indicou o Departamento de Justiça norte-americano. Assange, de 47 anos, é também acusado de ter ajudado a ex-analista dos serviços secretos norte-americanos Chelsea Manning a obter uma palavra passe para aceder a milhares de documentos classificados como segredos de defesa. Esses cables foram divulgados pela WikiLeaks entre 2010 e 2011 e o escândalo foi mundial.."A campanha de Trump mostrou interesse nas filtrações da WikiLeaks de material roubado através de pirataria informática durante o verão e o inverno de 2016", diz o relatório Mueller, acrescentando depois: "Na campanha de Trump, muitos dos seus assistentes reagiram, com entusiasmo, às notícias sobre as filtrações. [Censurado] discutiu com membros da campanha que a WikiLeaks iria libertar material pirateado. Algumas testemunhas indicaram que o próprio Trump discutiu a hipótese de as próximas filtrações [censurado]. Michael Cohen, então vice-presidente executivo da organização Trump e também conselheiro especial de Trump, recorda-se de ouvir [censurado]. Cohen recorda-se que respondeu, "oh, bom, muito bem".."O relatório passou em revista dez episódios que envolvem o presidente e discute as potenciais teorias legais que ligam essas ações a elementos passíveis de serem considerados crime de obstrução à justiça", declarou o procurador-geral aos jornalistas, sublinhando que ele e o procurador-geral adjunto, Rod Rosestein, concluíram que: "As provas obtidas pelo Conselho Especial não são suficientes para estabelecer que o presidente cometeu o crime de obstrução à justiça." Mueller, por seu lado, não tinha ido ao ponto de descartar a existência de condições para acusar o presidente de obstrução à justiça..A investigação sobre ingerência russa na campanha para as eleições de 2016 nos EUA implicou o indiciamento de 34 pessoas, incluindo seis antigos conselheiros do presidente norte-americano: Paul Manafort, Rick Gates, George Papadopoulos, Michael Cohen, Michael Flyn e Roger Stone, além de 26 cidadãos russos. Do lado da Rússia, vários responsáveis, com o presidente russo, Vladimir Putin, à cabeça, sempre negaram qualquer ingerência nas eleições americanas..O que disse Robert Mueller sobre a investigação às interferências da Rússia e Trump? A 29 de maio, o procurador especial Robert Mueller deu uma conferência de imprensa surpresa, onde leu um comunicado. Na altura anunciou que a sua investigação não conseguiu determinar que Trump não cometeu um crime. E que, por causa da Constituição dos EUA, acusar o presidente nunca foi, de facto, uma opção ao seu dispor e da sua equipa..Mueller, com a voz trémula, visivelmente nervoso, anunciou que vai demitir-se e sair do Departamento de Justiça dos EUA para voltar à vida privada e que, ao contrário do que queriam muitos congressistas, sobretudo os democratas, não iria testemunhar no Congresso norte-americano sobre o tema da interferência russa nas eleições norte-americanas..Remetendo para as conclusões do seu relatório, divulgado pelo procurador-geral dos EUA, William Barr, a 18 de abril, Mueller declarou que se o seu gabinete "estivesse confiante de que o presidente não cometeu um crime, tê-lo-ia dito. Não conseguimos, porém, determinar que o presidente não cometeu um crime"..E explicou, citando o que é a política interna do Departamento de Justiça, que "um presidente em funções não pode ser acusado de um crime federal porque isso é inconstitucional. Acusar o presidente de um crime não era, portanto, uma opção ao nosso dispor".."Tem havido discussões sobre uma comparência no Congresso. Qualquer testemunho deste gabinete não irá para além do que consta no relatório. Ele contém as nossas conclusões e análises e as razões para as decisões que tomámos. Escolhemos muito bem as palavras e as palavras falam por si próprias. O relatório é o meu testemunho. Não vou fornecer mais informação para além daquela que já é pública em qualquer comparência perante o Congresso", sublinhou, saindo do pódio do Departamento de Justiça sem aceitar responder a quaisquer perguntas dos jornalistas..Numa primeira reação, Val Demings, democrata, membro do comité de Justiça da Câmara dos Representantes, instou o Congresso a agir. No Twitter, escreveu: "O procurador especial Robert Mueller disse que 'acusar o presidente de um crime nunca foi uma opção ao nosso dispor' à luz do que é a política do Departamento de Justiça. Ele não disse que foi por falta de provas. Foi por causa da política do Departamento de Justiça. Ele disse que isto 'merece a atenção de qualquer americano'. Ele tem razão. O Congresso deve agir." E foi isso que fez. Por isso insistiu com Mueller. Até ele aceitar testemunhar..O que pode Mueller dizer aos congressistas que eles ainda não saibam? Os republicanos, que estão em minoria nas duas comissões em que Mueller vai ser ouvido, farão todos os esforços para dizer que, dadas as conclusões do relatório, apresentado pelo procurador-geral William Barr, a questão deve ser abandonada. Os democratas estão divididos e esperam que Mueller dê pistas sobre se as suas conclusões, no que toca à parte da obstrução à justiça, visavam alertar o Congresso para a necessidade de intervir..Quererão saber, nomeadamente, se Barr lhe ordenou que terminasse com a investigação sobre Trump e a Rússia. A opinião de Mueller sobre a forma como Barr apresentou o relatório e fez afirmação de que o presidente não cometeu qualquer ato de obstrução à justiça. Mueller chegou a criticar Barr, dizendo que as conclusões dadas a conhecer pelo procurador-geral dos EUA (que foi nomeado por Trump) não captaram o contexto, a natureza e a substância da investigação..Espera-se, assim, que seja pedido a Mueller que dê mais esclarecimentos sobre as passagens do relatório que sublinham a autoridade do Congresso na proteção do sistema judicial dos EUA contra atos de corrupção. Neste caso que possam ter eventualmente sido cometidos pelo presidente..Em relação ao conluio e à conspiração, o relatório Mueller diz que não foi possível "estabelecer um quadro completo" do que aconteceu por causa das dificuldades que houve em obter provas admissíveis ou testemunhos. O próprio Trump recusou-se a ser entrevistado pela equipa do procurador especial. Várias pessoas ligadas ao presidente mentiram ou forneceram informação inconsistente aos investigadores. Outros evocaram a Quinta Emenda da Constituição dos EUA..Além disso, membros da campanha de Trump apagaram registos de comunicações ou usaram sistemas telefónicos encriptados para evitar a retenção de dados a logo prazo. Em resultado disso, o relatório afirma: "Dadas as falhas identificadas, o gabinete não conseguiu descartar que a informação a que não foi possível aceder não iria trazer à luz e acrescentar novos elementos aos eventos já descritos."