Fernando Ribeiro estreia-se como romancista e Moonspell lançam novo álbum
Fruto de um processo que se iniciou em 2017, no rescaldo de "1755", "Hermitage" foi gravado no Reino Unido pelos Moonspell com produção de Jaime Gomez Arellano, que "percebeu muito bem o som" que a banda pretendia de "um disco sem qualquer espécie de amarras, ao legado, à sonoridade, à futura opinião dos fãs".
"Numa certa altura, em 2019, senti que a música tinha ido a um sítio, mas não tinha passado dali, e pressionei muito para o [teclista] Pedro [Paixão] e o [guitarrista] Ricardo [Amorim] se libertarem. [...] A partir daí, conseguimos arranjar aquilo que pensávamos que iria destacar este álbum dos outros. Um som muito mais personalizado, quase um diálogo entre os cinco músicos e o fã, sem muitas camadas, sem a parte operática do '1755', sem a parte bombástica, algo mais fluído", disse à Lusa Fernando Ribeiro.
"Hermitage" é lançado no dia 26 de fevereiro, tendo já sido divulgados vários 'singles', a começar por "The Greater Good", cujo vídeo foi realizado por Guilherme Henriques.
Em termos conceptuais, o álbum deve-se a uma "consciencialização filosófica de que, apesar da conectividade, existia um grau de solidão nunca visto no mundo" e, por isso, Fernando Ribeiro começou a pesquisar o que rodeia a ideia de ermita.
A pandemia da covid-19 teve impacto no lado logístico, mas não no "desenlace artístico" do álbum, segundo o vocalista do grupo: "Tivemos muita sorte porque tudo o que não decidimos a tempo, o que não arriscámos, ficou irremediavelmente comprometido".
Questionado sobre planos de promoção, numa altura em que Portugal está sob confinamento para prevenção do contágio da covid-19, à semelhança dos restantes países europeus, Fernando Ribeiro disse que a banda não mantém esperança de conseguir realizar qualquer plano que tivesse para o primeiro semestre deste ano.
"Muitas das coisas já foram adiadas ou canceladas. Ou até desapareceram completamente da nossa agenda", afirmou o vocalista dos Moonspell.
Com o 30.º aniversário do grupo, que se cumpre no próximo ano, a aproximar-se, e face à impossibilidade de apresentar "Hermitage" em palco como esperariam, Fernando Ribeiro reconheceu que vão chegar a uma "encruzilhada" em 2022: celebrar os 30 anos do grupo com concertos mais "compilatórios" do histórico ou mostrar o mais recente registo.
"Para já, estamos a apontar algumas baterias para Portugal. Vamos tentar reativar uma das 'tournées' que nos permitiram tocar em Portugal, que era a 'tournée' do 'Sombra', um projeto semiacústico com violoncelos que encaixa um pouco naquele registo mais intimista, mais musical do 'Hermitage'", revelou o vocalista da banda, que frisou que 2022 vai ser um "ano muito competitivo" e que, por isso, estão a tentar "dotar" os Moonspell de ferramentas para enfrentar esse momento.
"Sendo uma banda de velha guarda, temos tentado informar-nos e atualizar-nos. Mas sem dúvida que este estilo não vive do distanciamento social nem de ver concertos em casa ou sentado. Há de haver uma altura em que o próprio público vai ter o seu ponto de viragem ou ter uma fruição da música completamente diferente", declarou o músico, salientando que, na pré-venda, "Hermitage" esgotou já dois formatos.
Ao mesmo tempo, Fernando Ribeiro vai fazer a sua estreia literária no romance com o livro "Bairro Sem Saída", que tem publicação apontada para maio, pela Suma de Letras, do grupo Penguin Random House.
"Foi uma sorte que eu tive, uma espécie de bênção das musas literárias que me apareceu em janeiro de 2020. Fiquei até um bocado vaidoso e surpreendido com o convite. Estavam à procura de novas vozes e o formato teria de ser o romance. Não tenho historial nem bagagem literária nem nada, mas tinha uma ideia que se concretizou num livro, que provavelmente sairá em maio, para aproveitar aquele período do 'degelo covid', se ele existir", disse Fernando Ribeiro à Lusa, numa entrevista sobre o novo álbum de Moonspell, que acabou por ser também sobre este projeto individual.
Com uma bibliografia até aqui centrada na poesia, com passagem pelo conto, Fernando Ribeiro está agora a terminar o seu primeiro romance, passado num subúrbio que rápido se torna percetível ser a Brandoa, na Amadora, onde o músico e escritor, de 46 anos, cresceu.
"Há uma espécie de realismo mágico, por assim dizer, que não tem muito a ver com o do Gabriel García Márquez. [...] O protagonista chama-se Rogério Paulo, que foi um ator dos anos 1970 de quem a minha mãe gostava muito", contou o autor do livro.
A narrativa acompanha o crescimento do protagonista perante a implantação "de um bairro rico que vai invadir e tentar aniquilar os costumes do bairro pobre, que, mesmo na sua tristeza, dor, melancolia, era o bairro em que as pessoas se uniam".
"Depois há várias situações, há uma missa negra, com um DJ de 'heavy metal', num prédio dos ricos, em que o Rogério Paulo tem uma atitude de destaque. Há uma maratona de dança em que ganha um toxicodependente, que é uma história verídica na Brandoa, aquilo chegou a ser um sitio onde havia de tudo", explicou Fernando Ribeiro, que admitiu ter já ideias para novos projetos literários.
O autor de "Como Escavar um Abismo" afirmou: "Várias vezes aponto ideias para romances e gostava de ter tempo de os escrever. No registo de sonho, entrevejo aqui uma diminuição do caudal de Moonspell, que está a acontecer mesmo sem a gente querer, e se calhar [há] aqui uma alternativa que me possa também trazer algum futuro. Mas sei bem que é 'wishful thinking'. Por enquanto, vou acabar o 'Bairro Sem Saída' e talvez me lance noutra escrita".
Pelo meio, Fernando Ribeiro tem ainda um novo trabalho poético, intitulado "Sermão às Vespas", e o que chama o seu "livro de 'haikus'", escrito em inglês, aos quais ainda não sabe que destino dar.