Antes da confirmação do primeiro caso de coronavírus em Portugal, no dia 2 de março, a palavra de ordem nos serviços de saúde era: prevenção, prevenção, prevenção. As viagens a zonas com o novo vírus muito ativo foram desaconselhadas. O objetivo era tentar travar a entrada do vírus. A partir do momento que se confirmou a existência de casos, e os primeiros foram importados, a palavra de ordem passou a ser: contenção, contenção, contenção. Até esta sexta-feira, Portugal notificou 13 casos de covid-19 - na manhã deste sábado (7 de março) foram confirmados mais dois casos -, alguns já de contaminação local - ou seja, por contacto com pessoas que foram contagiadas em Itália e em Espanha. A fase de contenção é crucial. "É agora que se pode evitar a disseminação do vírus em força pela comunidade", explicam os especialistas.."Com o número de casos que temos, não se pode dizer que o vírus já tenha entrado em força na comunidade. A nossa luta agora é contra o tempo e no sentido de se conseguir travar a disseminação do vírus", explicou ao DN o médico de medicina geral e familiar Rui Nogueira. Se tal não se conseguir conter, "não tenhamos dúvidas de que passaremos a ter dezenas de casos por dia", sublinhou. E foi neste sentido que médicos de família e de saúde pública se têm multiplicado na mobilização de profissionais para reforçarem a Linha de Apoio ao Médico (LAM), que existe há muito nos serviços da Direção-Geral da Saúde (DGS), e que foi agora acionada para funcionar como primeiro apoio aos profissionais de saúde. É usada não só para esclarecer dúvidas, mas, sobretudo, para validar os casos suspeitos e encaminhá-los para as unidades de referência. "Cada vez que um médico de uma unidade de saúde possa estar perante um caso suspeito tem de contactar a LAM, para que este seja validado ou não - já houve situações em que médicos achavam que podiam estar perante um caso suspeito, mas depois, e tendo em conta todos os critérios, isso não aconteceu. Se for suspeito, a LAM contacta o INEM, que tem como missão ir buscar o doente onde está e levá-lo à unidade de referência para ser avaliado.".Até agora, a maioria dos casos em Portugal têm dado negativo, mas "é preciso que a sociedade perceba que a fase de contenção é muito importante e que se respeitem as orientações dadas pela DGS para que ninguém se dirija aos serviços de urgência em caso de suspeita de sinais ou de sintomas ou a outra unidade de saúde. É a fase em que se ganha tempo para que se possa traçar o risco de contaminação - ou seja, identificar todas as pessoas que estiveram em contacto com os casos positivos, para que sejam avaliadas. É assim que se reduz o risco, com a aplicação de medidas preventivas, como o isolamento profilático, até que se tenha certezas de que são ou não casos suspeitos", argumenta Rui Nogueira. Este médico de família, que é igualmente presidente da Associação Portuguesa dos Médicos de Saúde Geral e Familiar e coordenador do internato médico da especialidade, disse ao DN que, nesta quinta-feira, lançou um repto "a mais de 300 colegas internos no âmbito de se associarem à LAM. A resposta foi imediata e excelente". O diretor do Departamento de Saúde Pública da Administração Regional de Saúde do Centro (ARSC) e coordenador da LAM nesta região, João Pimentel, sublinhou também que "a mobilização dos médicos, sobretudo de medicina familiar e de saúde pública, tem sido excelente e até muito solidária"..Centro tem 50 médicos na LAM.Até agora, estavam a integrar a LAM apenas médicos das ARS de Lisboa, Porto e Centro, mas este grupo vai ser alargado já nos próximos dias aos profissionais das ARS do Alentejo e do Algarve. De acordo com o que o DN conseguiu apurar, a linha tem estado a funcionar com uma equipa de dez médicos por turno em cada uma das regiões. É preciso mais, e, daí, o apelo que médicos de família e de saúde pública estão a fazer nos últimos dias para que mais profissionais se juntem a esta equipa com o objetivo de se conter o mais possível a disseminação do vírus. "Neste momento, o vírus está ativo em muitos países, Portugal ainda está na fase de contenção, vamos ver como corre. Em Itália, o grande problema foi o não terem conseguido esta fase de contenção", argumentou Rui Nogueira. Neste momento, Itália é o país da Europa com a situação mais crítica, com mais de quatro mil casos de infetados e já 197 mortes..Este apelo à mobilização surge também depois de algumas críticas terem sido feitas durante esta semana ao funcionamento da LAM por alguns médicos por não terem conseguido obter respostas em tempo útil. A situação fez que a diretora-geral da Saúde tivesse vindo anunciar o reforço da LAM com mais técnicos, e não só. Graça Freitas referiu que o governo está a preparar enquadramento legal para esta linha de forma a permitir que todos os médicos que estão em atendimento sejam compensados, pois até agora quem integrava esta linha fazia-o em regime de voluntariado. "A participação na LAM não é uma imposição, é voluntária, mas quando se faz a escala tenta-se que, de acordo com a rotina da unidade a que cada um pertence, não haja duplicação de funções com a atividade clínica diária", disse João Pimentel. Na região que coordena, este médico de saúde pública refere haver já uma pool de mais de 50 médicos que integram a LAM. "Temos 40 já a funcionar em pleno e nesta semana mais 13 clínicos fizeram formação", disse. João Pimentel defende que a LAM "entrou em funcionamento no momento certo, pois veio clarificar muitas situações ao apoiar a decisão clínica e epidemiológica dos profissionais"..Centros com menos afluência.A LAM é uma linha que está a funcionar 24 horas. A sua função não é responder diretamente ao público, mas aos profissionais. E todos os que a integram agora para participar na resposta a esta epidemia do covid-19 têm de fazer a formação específica dada pela DGS. "É preciso ajustar procedimentos que ajudem nas tomadas de decisão. O objetivo da linha é validar um caso suspeito, mas para isso há critérios clínicos e epidemiológicos e, para além do conhecimento médico, é preciso saber quais são as orientações definidas pela DGS momento a momento.".Cada médico que está de serviço à linha pode assim discutir o caso que lhe chega com os colegas que estão de serviço naquele turno, pois todos sabem quem está de serviço, pode discuti-lo ainda com a superestrutura da linha, composta por três pessoas a nível nacional, e ainda com os colegas de referência que estão nos hospitais, por norma infecciologistas. Segundo explicou ao DN João Pimentel, "o fluxo informativo diário sobre as escalas é feito diariamente pelos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde [SPMS]"..Ao ativar a LAM, as autoridades de saúde permitiram "uniformizar e centralizar os procedimentos e fortalecer a decisão de um médico ao validá-la por esta linha de apoio", explicou João Pimentel. O DN tentou saber junto das ARS do Norte que há 160 médicos a funcionar na LAM, e procurou também apurar, em relação a Lisboa e Vale do Tejo, como estava a funcionar a mobilização dos médicos nestas regiões, mas não obteve resposta..Por agora, "a população portuguesa tem estado a responder de acordo com as regras definidas. Nos centros de saúde tem havido menos afluência. É claro que os doentes fazem perguntas, como é normal, mas não há alarmismo", refere Rui Nogueira.