Continua a cruzada em Portugal para tentar ressuscitar a comédia popular com o grande público. A nova tentativa chama-se Curral de Moinas: Os Banqueiros do Povo, de Miguel Cadilhe e chega num momento complicado para o cinema português sem público (com o fracasso de O Pai Tirano ainda na memória e com a exceção generosa dos cerca de 40 mil bilhetes vendidos de 2 Duros de Roer...). São mais aventuras e desventuras da dupla de pacóvios Zeca (Pedro Alves) e Quim (João Paulo Rodrigues) da aldeia Curral de Moinas, onde todos parecem viver felizes com a objetivação do corpo feminino e sem escolaridade obrigatória..O enredo desta segunda aventura no cinema da dupla de Telerural, sucesso de audiências da RTP, também confeccionado por Miguel Cadilhe, leva-os a Cascais. Quim é, afinal, herdeiro de um milionário dono do banco Bico. Subitamente, vê-se a viver com os amigos numa mansão e a ser tentado pela vida com dinheiro, mesmo que pela calada há quem se queira aproveitar da sua ingenuidade. Para o realizador estreante de quase 50 anos esta não é a "comédia pimba" que muitos pensam: "Recuso essa ideia! O Quim e o Zé são básicos, à sua maneira, mas são sobretudo puros! Têm uma pureza universal que faz com que o bem prevaleça - e isso é a mensagem mais forte do filme - apesar de terem coisas muito portuguesas. Enfim, é uma história com várias camadas e fala de coisas sérias também, mesmo sendo uma comédia de uma ponta à outra. Tem dramas, reviravoltas, romance e um bocadinho de muita coisa. E é claro que fala disso da corrupção na banca e desses banqueiros que roubam"..Pode parecer surreal, mas este Miguel Cadilhe é o mesmo Miguel Cadilhe que foi o produtor de Manoel de Oliveira em filmes como Espelho Mágico (2005) e Belle Toujours (2006), embora seja ainda o mesmo que produziu o espaço televisivo Telerural, com esta dupla de comediantes e realizador da série de humor Patrulha da Noite. No audiovisual português acontecem estas bizarrias, algo que não é estranho para o produtor e realizador, alguém cujo percurso tem também algumas fintas. Formou-se em gestão pela Católica mas o desejo de ser realizador levou-o para um curso de cinema em Londres. Finalmente, depois de muitos anos cumpre o sonho e realiza uma longa-metragem. É o próprio quem afirma que foi a produção e a difícil gestão dos projetos (este Curral de Moinas foi feito sem ter ido aos júris do ICA) que lhe impediram de filmar mais cedo. Isso e um período em 2013 que viajou para Angola para ser somente gestor e onde foi diretor financeiro de uma seguradora e de uma imobiliária da polícia, imagine-se..A produção de Curral de Moinas apenas foi possível com muito investimento pessoal, apoios do Compete 2020 (que Cadilhe disse ainda não ter recebido na totalidade) e a aposta da autarquia de Cascais. Na pele, Miguel Cadilhe está a perceber que os privados ainda estão longe de apoiar este tipo de produções, nem com o chamariz de uma lei do mecenato....Da experiência com Oliveira lembra-se sobretudo da exigência: "Foi um período em que percebi como funcionava a mecânica do cinema português... O Mestre Oliveira sabia muito bem o que fazia e foi um desafio estar à sua altura, mas apesar das exigências ele tinha o bom senso em perceber as limitações. Foi também importante para entender a experiência dos festivais internacionais e o mestre entrava em todos. Como tinha a experiência de direção de fotografia na escola de Londres senti que percebia bem o que se passava no plateau, era-me familiar...E percebi onde poderia apertar aqui e ali para a coisa andar um pouco mais depressa"..O filho do antigo ministro das finanças com o mesmo nome está agora com um ar aliviado depois de ter apenas concluído a semana passada toda a pós-produção de Curral de Moinas- Os Banqueiros do Povo. Está também optimista: "Há uma expectativa que este filme venha a conseguir reconciliar o cinema português com o seu público. É muito importante os portugueses gostarem de cinema português! Este tipo de filmes leves podem ajudar outro tipo de filmes mais pesados. Ficaria muito contente que este filme conseguisse cumprir este objetivo. É claro que o contexto é complicado, mas todos os contextos são sempre complicados. O Pai Tirano pode não ter funcionado mas estas personagens gozam de uma popularidade muito grande e, à partida, têm mais condições de sucesso. Devido ao sucesso de Telerural e de Sete Pecados Rurais estamos com condições especiais para que o filme resulte". Afirma também ser importante que um filme seja rentável nas bilheteiras. Se tudo correr bem, quer em seguida fazer outra sequela com a mesma dupla, um outro projeto de humor e um drama: "Sim, sei que é ambicioso para um tipo que demorou quase 50 anos para realizar um filme. Vamos ver se chego lá..."..dnot@dn.pt